Uma investigadora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) desenvolveu uma nova bateria que, ao combinar “capacitância negativa e resistência negativa” na mesma célula, permite que esta se autocarregue sem perder energia, revelou hoje a responsável.
Em declarações à agência Lusa, a investigadora do Departamento de Engenharia Física da FEUP, Maria Helena Braga, responsável pela investigação, explicou que a inovação surgiu da necessidade de entender o “funcionamento de um eletrólito (substância que se dissolve para originar uma solução que conduz eletricidade) de vidro ferro elétrico”.
Com base numa célula eletroquímica, formada por dois condutores (dois elétrodos diferentes) e um eletrólito rico em lítio, a equipa de investigadores concluiu num estudo, publicado na revista “Applied Physics Reviews”, que a célula, ao combinar “capacitância negativa e resistência negativa”, se auto carrega.
A capacitância negativa ocorre quando uma mudança na carga faz com que a tensão, através de um material, mude na direção oposta.
Por sua vez, a resistência negativa ocorre quando se dá um aumento de tensão nos terminais de um circuito ou dispositivo elétrico e que resulta numa diminuição da corrente elétrica.
“Como é que ela se auto carrega? Formando um condensador de capacitância negativa, não é a primeira vez que se vê isto, mas é a primeira vez que essa capacitância negativa é vista associada a uma resistência negativa”, disse.
A investigação, que surge da “preocupação, necessidade e urgência em eletrificar por causa das mudanças no clima”, vem assim unificar a teoria por detrás de todos os dispositivos no estado sólido, como as baterias, energia fotovoltaica e transístores.
“Sabendo nós que temos um material ferro elétrico que se auto carrega, podemos prever esse autocarregamento, estudá-lo, otimizá-lo e utilizá-lo quando é necessário aumentar a capacidade e autonomia das baterias, nomeadamente, em sensores num todo de uma montanha ou mesmo num carro”, exemplificou.
De acordo com a investigadora, este processo “tem aplicações em todos os dispositivos de armazenamento de energia e pode melhorar substancialmente a sua autonomia”.
“Este processo dá origem a um dispositivo que se auto carrega sem auto-ciclo, aumentando a energia armazenada nele, em oposição à degradação natural do processo eletroquímico que faz com que a energia armazenada diminua pela dissipação de calor”, frisou.
À Lusa, Maria Braga adiantou que esta é a “primeira vez” que um artigo científico relaciona, numa tela eletroquímica, a capacitância negativa e a resistência negativa, algo que “nunca foi visto na literatura”.
“Isto é organização, é um processo de uniformização, criação de padrões e de organização. Isto é algo que não acontece só nas células eletroquímicas, acontece em muitos outros dispositivos, desde o bater do coração, em fenómenos que ocorrem nos nossos neurónios ou nas nossas células”, referiu, adiantando que a investigação pode “abrir portas noutras áreas”.
Maria Helena Braga, 45 anos, publicou pela primeira vez sobre a tecnologia de eletrólitos de vidro em 2014, quando desenvolvia investigação na FEUP, tendo recebido, nessa altura, um contacto do investigador norte-americano da Universidade do Texas (Austin, Estados Unidos), Andy Murchison, que conhecia bem John Goodenough, o inventor das baterias de iões de lítio e Nobel da Química em 2019, com o qual foi “desafiada” a trabalhar.
A especialista é formada em Física do Estado Sólido e Ciências dos Materiais, doutorada em Engenharia Metalúrgica e Materiais, na Universidade do Porto, e professora auxiliar no Departamento de Engenharia Física da UPorto, desde 2002.