O presidente do parque de biotecnologia de Cantanhede (Biocant), João Moura, afirma que a opção do município local em ceder a exploração daquele equipamento e vender edifícios a um investidor privado deriva da falta de investimento estatal.
Em declarações à agência Lusa sobre a venda de edifícios e terrenos do Biocant e atribuição da exploração do parque a uma empresa do grupo Green Innovations, – detida por Jorge Marques, empresário português residente em Luanda, Angola – João Moura fez um historial da implementação do parque de biotecnologia nos últimos 13 anos (desde que o primeiro dos cinco edifícios existentes foi construído, em 2005), lembrando que a autarquia “por si só, sempre teve a perceção e a consciência de que era uma empreitada que exigia recursos financeiros elevados” e necessitaria de encontrar parceiros.
“Desde o inicio que defendi uma parceria pública/pública, isto é, com as participadas do Estado ao nível do ministério da Economia, ao nível de uma Caixa Geral de Depósitos através da caixa de capital, uma realidade que existe noutros parques tecnológicos do país, mas aqui não. Aqui, o município está sozinho”, afirmou João Moura.
O parque de biotecnologia é detido por duas associações de direito privado, nas quais o município de Cantanhede detém a larga maioria das participações sociais (97,19% na Associação Beira Atlântico Parque [ABAP], gestora do empreendimento, e 99,93% na Biocant – Associação de Transferência de Tecnologia em Biotecnologia), ambas presididas por João Moura, anterior presidente da autarquia de Cantanhede
Em junho de 2017, sob proposta da sua autoria, a Câmara Municipal aprovou por unanimidade a celebração de um contrato-promessa de alienação de dois prédios à empresa Green Innovations: o edifício-sede, propriedade da ABAP e dois terrenos detidos pela mesma associação e um outro edifício, o chamado Biocant I, detido pela associação Biocant, pelo valor total de 4,225 milhões de euros, a que se juntam 200 mil euros pela cessão de exploração do parque tecnológico.
João Moura lembra que o Biocant “foi sempre reconhecido como um bom exemplo daquilo que Portugal podia ter na inovação tecnológica”, na fixação de quadros qualificados e produção de produtos de alto valor acrescentado, num mercado internacional de empresas de exportação.
“Era o caminho a seguir”, sustenta, argumentando, no entanto, que a questão da sustentabilidade financeira do Biocant “é política desde o início” e que, em Portugal, as portas às quais os responsáveis do parque e da autarquia de Cantanhede foram bater “estiveram sempre fechadas”.
Aponta o dedo a sucessivos governos, “todos sem exceção”, pela falta de investimento estatal ou celebração de contratos-programa de investimento: “Reconhecem o projeto, vêm cá, elogiam, dizem o melhor, mas todo este projeto foi feito com as pessoas que cá trabalham, com a Universidade de Coimbra [proprietária do edifício do Centro de Neurociências ] e com o município”, argumenta.
“E obviamente que nos interessaria sempre alguém que estivesse dentro da filosofia do projeto, não viesse desvirtuar o projeto, isso está plasmado no contrato-promessa, alguém que assimilasse a nossa filosofia e entrasse como parceiro”, acrescenta João Moura, numa alusão à Greem Innovations, com quem o “namoro” começou há cerca de um ano e meio, após diversos contactos com fundos de investimento e empresas privadas.
A juntar ao “músculo financeiro” do investidor privado na expansão do parque de biotecnologia, desonerando o município de ali investir, até porque, desde 2012, “está proibido por lei de estar a colocar lá dividendos através de subsídios à exploração ou ao capital”, João Moura diz que as duas associações a que preside se vão manter – a Biocant na sua atividade de transferência de tecnologia em biotecnologia e a ABAP como agência de desenvolvimento na captação de investimento – bem como a parceria com a Universidade de Coimbra, através do Centro de Neurociências e Biologia Celular, ali instalado.
“É neste triunvirato que nos próximos anos temos de afirmar o parque, o Biocant só tem de ter sucesso e só pode ter sucesso. Era premente resolver esta situação, temos um privado, temos toda a confiança nesse privado, existe um contrato que está feito, só espero que aquilo que temos vindo a conversar dê os resultados que se pretendem no futuro”, enfatiza.
João Moura, que pertence aos quadros da Universidade do Minho, fica nas associações através de uma cedência de interesse público, mas deixará de ter funções na administração do Biocant, que passa da ABAP para a Green Innovations.
Já Helena Teodósio, autarca de Cantanhede, admitiu, no futuro, vir a “repensar” a existência das duas associações, que para já se vão manter, não só pelos projetos que possuem em curso, mas também porque a associação Biocant continua a possuir dois edifícios no parque, cuja alienação, para já, está vedada devido à clausula adstrita aos fundos europeus que os financiaram.
Quanto à entrada do parceiro privado no Biocant, Helena Teodósio manifesta-se “segura” da viabilidade do projeto, alegando que o privado “tem todas as competências” para gerir o Biocant.
Fonte/Foto: Lusa