Costa quer mais habitação acessível sem matar o turismo. Defende contratos longos e a mudança de novas gerações para o interior
A meta é “histórica” e “ambiciosa”: se tudo correr como a lei prevê, no dia 25 de abril de 2024 todos os portugueses terão acesso a uma habitação digna a preços que podem pagar. A iniciativa apresentada ontem pelo governo chama-se Nova Geração de Políticas de Habitação, e quer criar um mercado justo para as gerações todas.
Para o primeiro-ministro, a ação só é comparável à empreitada que, na década de 90, acabou com as barracas em Portugal. Para o presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, é preciso recuar até 1755 para encontrar uma operação igual (ver caixa). A data para a apresentação das medidas não foi inocente. No Dia da Liberdade, comemoram-se cem anos desde que Sidónio Pais criou o primeiro programa de habitação pública do país. As medidas que vão agora ser levadas à Assembleia da República pelo governo de António Costa querem ir ainda mais longe.
A medida mais sonante do pacote legislativo passa a bola aos senhorios. Os proprietários que aceitem celebrar contratos de arrendamento por mais de dez anos passarão a pagar 14% de taxa liberatória em IRS, ao invés dos atuais 28%. Se o contrato for esticado para 20 anos, o encargo será de 10%. “O novo regime de arrendamento tem vindo a instalar uma enorme precariedade no mercado da habitação. Não há segurança com contratos de um ano, é preciso incentivar a estabilidade. Este é um incentivo adequado para que as partes possam negociar”, constatou o primeiro-ministro, durante a sessão que teve lugar no Ministério do Ambiente, em Lisboa.
A medida responde aos números revelados ontem pelo DN/Dinheiro Vivo: entre os mais de 84 mil novos contratos de arrendamento celebrados no ano passado, mais de metade terão sido a 12 meses.
Outra das maleitas do mercado da habitação que o governo quer erradicar é o despejo de inquilinos com mais de 65 anos ou com um grau de incapacidade superior a 60%, que “têm o direito a viver até ao fim dos seus dias na casa onde sempre habitaram”.
O pacote legislativo propõe que inquilinos nestas condições, “que vivam nas suas casas há um número significativo de anos, tenham necessariamente direito à renovação do contrato”. O número de anos que o executivo vai considerar como “significativo” ainda está a ser definido, explicou aos jornalistas o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, à margem da sessão. As duas medidas fazem parte do Programa de Arrendamento Acessível, que pretende “promover uma oferta alargada de habitação para arrendamento a preços reduzidos, compatível com os rendimentos das famílias”.
As medidas resultam de uma resolução aprovada para consulta pública a 4 de outubro do ano passado. Dessa ação, resultaram 621 contributos, fruto de 494 participações. As novas metas pretendem responder aos resultados do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, que concluíram que em todo o país há mais de 25 700 famílias cuja situação habitacional é “claramente insatisfatória”. Um dos objetivos das novas leis é baixar de 35% para 27% o número de pessoas que vivem em “sobrecarga das despesas com habitação no regime de arrendamento”.
“Durante anos viveu-se na ilusão de que não havia problemas na habitação. O acesso ao crédito era fácil e isto, juntamente com a construção nova, fez que não houvesse investimento na reabilitação. E conduziu ao enorme endividamento das famílias”, diagnosticou o primeiro-ministro. António Costa lembrou que, quando chegou à liderança da Câmara de Lisboa, a cidade “era como um donut: as margens cresciam e o centro esvaziava-se”, o que se ficou a dever também “ao congelamento das rendas, que fez esvaziar as cidades”.
A partir de 2008, com a crise financeira, o paradigma mudou. O arrendamento tomou o lugar da compra e a reabilitação destronou a construção. “Os centros das cidades tornaram-se atrativos e hoje estamos a pagar o excesso de sucesso”, sublinhou Costa, numa referência à pressão turística, que tem contribuído para o aumento de “inquilinos precários” em cidades como Lisboa e Porto.
“Onde havia excesso de abandono hoje há excesso de procura, logo excesso de especulação. Com o mercado liberalizado, as dificuldades na habitação já não são apenas das famílias carenciadas. É um problema comum da classe média e dramático para as novas gerações.” O que não significa, acrescentou Costa, “que devemos voltar ao congelamento das rendas”. Significa que “as novas gerações têm de responder a novas realidades”. Entre elas, revitalizar o interior do país.
Uma das novas medidas apresentadas quer responder a esse desafio: chama-se Chave na Mão e quer ajudar quem vai e quem fica. Na prática, as famílias com habitação própria numa cidade que queiram mudar-se para o interior do país podem celebrar um contrato de gestão ou arrendamento com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Esse organismo ficará responsável por colocar a casa no lote disponível no Programa de Arrendamento Acessível.
“Temos de assegurar um mercado de rendas acessíveis sem matar o turismo. Não temos alojamento local a mais, temos habitação acessível a menos”, sublinhou António Costa, assegurando que o Estado vai dar o exemplo, contribuindo para este mercado através das casas que pertencem à Segurança Social. “É do interesse dos privados que o mercado de arrendamento seja acessível ao maior número possível de pessoas para que possa subsistir. Temos de ter um mercado para sempre e não para esta conjuntura.
O programa “alargado e ambicioso”, nas palavras da secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, deverá ser aprovado no Conselho de Ministros na quinta-feira.
DN