O Centro Hospitalar do Entre Douro e Vouga, sediado em Santa Maria da Feira (Aveiro), comunicou hoje à gestão do bar que organizou uma “Corona Party” que, “apesar da ofensa”, continuará disponível para tratar quem brinca “com coisas sérias”.
A gerência do bar de Vila Maior, também no concelho da Feira, organizou que no passado fim de semana uma festa temática sobre a Covid-19, com 200 clientes, que exibiram máscaras de proteção respiratória, brochuras com instruções de higienização das mãos, batas médicas e até uma ambulância real.
“Apesar da ofensa que sentimos, esteja tranquilo que nós cá continuamos para a eventualidade de V. Exa. ou alguns dos seus familiares poderem precisar de nós. Apesar de já termos mais de quatro dezenas de profissionais em quarentena por terem contactado com doentes infetados com o tal Covid-19 – esse que V. Exa. achou muito engraçado – estamos a reorganizar-nos para que nunca falte a capacidade de tratar das pessoas que precisem”, lê-se na missiva que o presidente do conselho de administração do centro hospitalar, Miguel Paiva, enviou à gerência do bar.
“Enquanto parte da equipa que, em nome do Serviço Nacional de Saúde, assegura os cuidados da população do Entre Douro e Vouga e está 24 horas por dia em guarda para a eventualidade de V. Exa., algum dos seus familiares, amigos ou clientes estar doente e precisar de ser atendido, gostava de lhe dizer que não achámos graça nenhuma à sua ideia”, adianta Miguel Paiva.
Para o administrador, o bar, “na ânsia de ser engraçado e tentar ganhar mais alguns euros”, acabou por “ferir” a comunidade hospitalar.
“Primeiro, criou um evento que contraria as orientações de saúde pública emanadas pelas autoridades portuguesas. Quando foi dito que devemos evitar a frequência de espaços onde se juntam muitas pessoas, V. Exa. esforçou-se por juntar o máximo possível”, refere o administrador.
A segunda crítica é que o bar “promoveu o uso recreativo de equipamentos de proteção individual que estão esgotados à escala mundial “ e que mesmo os profissionais de saúde têm “dificuldade em conseguir aprovisionar nesta altura”.
“[O evento] brincou com o mais sério problema de saúde pública que o mundo civilizado enfrenta desde que V. Exa. nasceu. O Covid-19 significa morte para mais de 4.300 pessoas, doença para mais de 120.000, medo para milhões em todo o mundo e angústia profunda para os mais de 130.000 profissionais do Serviço Nacional de Saúde que todos os dias estão sujeitos a receber um doente que os pode contagiar”, adianta na missiva ao gerente.
Recomendando ao gerente do bar que “esqueça os euros” que pode ganhar com a Covid-19 porque, como empresário, “também tem uma função social”, Miguel Paiva apresenta duas sugestões: a realização de uma “‘rave’ virtual”, em que os clientes possam dançar em simultâneo remotamente, a partir do isolamento das suas casas, e a oferta de uma cerveja “na primeira festa logo que a crise passar”.
Entretanto, a delegação de Sanguedo da Cruz Vermelha emitiu uma nota a explicar que é sua a ambulância vista nas fotografias da iniciativa.
“Fomos acionados para uma emergência pré-hospitalar num espaço público de diversão noturna e fotografados sem o conhecimento de tal situação. Não é de todo ética a utilização abusiva da imagem da Cruz Vermelha para fins comerciais”, acrescenta.
Contactado pela Lusa, o gerente do bar, Raul Guedes, diz ainda não ter apreciado a carta de Miguel Paiva devidamente, mas defende que o evento foi mal compreendido.
“Muitos outros bares fizeram o mesmo e, no dia 07, quando organizámos a festa, ainda não havia casos de Covid-19 em Santa Maria da Feira e a nossa intenção era divulgar instruções para as pessoas se protegerem”, garantiu.
Segundo o gerente, o espaço nunca teve “mais de 80 pessoas ao mesmo tempo – as 200 foi no decorrer da noite toda – e a ambulância foi chamada por um cliente cuja namorada se sentiu mal e foi para o Hospital da Feira”.
“O fotógrafo registou aquilo, mandou as imagens todas para o gestor do nosso Facebook e ele é que as usou sem pensar”, adiantou, dirigindo à Cruz Vermelha o seu “pedido de desculpas”.
Quanto às 200 máscaras, Raul Guedes acrescentou que foram todas oferecidas aos clientes e quanto aos abraços e aglomerados visíveis nas fotografias declarou: “Os conselhos de proteção estavam nos ‘flyers’ que distribuímos. Mas os conselhos que damos só os acata quem quer”.
O novo coronavírus responsável pela Covid-19 foi detetado em dezembro, na China, e já provocou mais de 5.300 mortos em todo o mundo, levando a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar a doença como pandemia.
O número de infetados ultrapassou as 140 mil pessoas, com casos registados em mais de 120 países e territórios, incluindo Portugal, que tem 112 casos confirmados.
Lusa / Madremedia