Governo está há quatro meses a analisar relatório sobre meios aéreos permanentes do Estado para combate aos incêndios.
Portugal deve ter um dispositivo próprio e permanente de 33 meios aéreos para combate aos fogos, dos quais quatro aviões Canadair e seis aparelhos não tripulados, soube o DN.
A conclusão consta do relatório entregue aos ministros da Defesa e da Administração Interna, a 9 de março, pelo grupo de trabalho interministerial criado na sequência dos trágicos incêndios de 2017. Fontes oficiais dos dois gabinetes confirmaram ao DN que o documento continua oficialmente em análise e ainda não teve qualquer despacho.
“O relatório está em avaliação pelos dois ministérios”, respondeu de forma lacónica o Ministério da Administração Interna.
Em rigor, o estudo resultou da orientação governamental de “confiar à Força Aérea o comando e gestão centralizados dos meios aéreos de combate a incêndios florestais por meios próprios do Estado ou outros que sejam sazonalmente necessários”.
Essa capacidade própria e permanente de meios aéreos do Estado deverá estar concluída até 2022, envolvendo também quatro helicópteros ultraligeiros e nove ligeiros.
Os autores recomendaram ainda a aquisição de 10 Fire Boss – pequenos aviões-cisterna anfíbios – para completar o dispositivo de meios aéreos afetos a missões de interesse público e resposta a emergências.
O chamado “cronograma de implementação” dessas capacidades prevê a existência das primeiras 11 aeronaves já em 2019: sete helicópteros ligeiros e quatro Fire Boss.
O dispositivo passa a ter um total de 24 meios aéreos no ano seguinte: os primeiros dois Canadair, os quatro helicópteros ultraligeiros e três aparelhos não tripulados, a que se juntam mais dois helicópteros ligeiros e mais dois Fire Boss.
Em 2021, o plano prevê o emprego de mais quatro Fire Boss e mais três drones. Por fim, em 2022 completa-se esse dispositivo permanente com os restantes dois Canadair, elevando para 33 o número total de meios aéreos permanentes.
“É preciso que haja uma decisão política, no sentido de criar condições para passarmos progressivamente deste regime de contratos para um regime de criação de capacidade própria”, sublinhou uma das fontes envolvidas. Estima-se que esses meios permanentes do Estado para combate aos fogos correspondam a metade das necessidades anuais.
Caberá à Força Aérea operar essas aeronaves do Estado, além de ter a responsabilidade pela gestão do conjunto dos meios aéreos empregues no combate aos fogos. Isso pressupõe, assinalaram fontes militares, uma “ligação forte” e uma “coordenação mais estreita” entre os militares e a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
“Não entramos na parte tática, que é controlada pelos bombeiros. Eles é que sabem onde querem os meios” para garantir a eficácia da operação, frisou um oficial da Força Aérea. “Nós sabemos com é que os havemos de gerir e operamo-los taticamente para os colocar no local onde os bombeiros querem”, enfatizou a mesma fonte.
Note-se que a importância dada à luta contra os fogos após os trágicos incêndios de junho de 2017 (Pedrogão Grande) e outubro do mesmo ano (nos distritos de Viseu, Guarda, Castelo Branco, Aveiro e Leiria) justificaram que a Força Aérea refizesse o estudo sobre o seu futuro dispositivo territorial – obrigatório com a transformação da base do Montijo no aeroporto complementar de Lisboa.
Com a prevalência dos fogos florestais a ocorrer nas regiões norte e centro, o Aeródromo de Manobra nº1 (Ovar) assume-se como uma infraestrutura central nesse combate – em detrimento da reativação da base aérea de Tancos.
Daí a Força Aérea propor que os meios médios e pesados de combate aos incêndios florestais fiquem concentrados naquele aeródromo, cuja lhe dará provavelmente o estatuto de base aérea.
De acordo com as fontes, em Ovar passariam a estar sediados os Canadair, os Fire Boss e os helicópteros Kamov da Proteção Civil – a que se juntariam as aeronaves militares C-130 equipadas para o efeito e depois da chegada dos KC-390 na primeira metade da próxima década.
Pelo menos dois dos cinco KC-390 estarão equipados com kits de combate aos fogos, apesar de a Força Aérea pretender que essa nova esquadra de transporte fique sediada no Montijo.
Reservas governamentais
“Não se parte do zero”, exclamou uma fonte governamental questionada pelo DN sobre o facto de o relatório ainda não sido objeto de qualquer despacho por parte da tutela.
“É preciso ver que meios é que o Estado já tem e como se aproveitam”, insistiu a mesma fonte, sob anonimato por não estar autorizada a falar sobre esse dossier.
Segundo esta fonte, na base das reservas existentes a nível político está o facto de o grupo de trabalho – leia-se os membros da Força Aérea e da Proteção Civil – ter apresentado uma proposta onde não são considerados meios aéreos que o Estado já tem.
Além dos referidos C-130, aeronaves pesadas empregues no combate aos fogos até aos anos 1990 (com dois kits que depois ficaram a apodrecer num hangar quando essa missão passou a ser desempenhada apenas por meios privados), outro exemplo é o dos helicópteros pesados Kamov, conhecendo-se há muito as reservas na Força Aérea em assumir a operação e manutenção desses meios de fabrico russo.
Note-se que a Autoridade Nacional de Proteção Civil tem, além dos Kamov, helicópteros ligeiros Ecureuil B3 adquiridos na mesma altura que os pesados. “Já há coisas, isto não é uma folha em branco”, insistiu a mesma fonte.
Os helicópteros Puma, armazenados há anos na base aérea de Beja, foram outro exemplo dado ao DN como não tendo sido equacionado pelo grupo de trabalho interministerial.
Contudo, fontes militares explicaram ao DN que essa é uma hipótese inviável que já foi equacionada no passado e da qual o Governo está informado.
“Sai mais caro colocar os Puma a voar, mesmo na versão mais básica [e com um balde], do que adquirir” outros helicópteros “mais apropriados e que “até podem ser em segunda mão”, assegurou uma fonte da Força Aérea.
Recorde-se que António Costa defendeu em 2005, enquanto ministro da Administração Interna (MAI), que os Puma iriam passar para o dispositivo de combate a incêndios da Proteção Civil até ao ano seguinte – algo que não se verificou, assim como depois falharam as tentativas de venda desses aparelhos para o estrangeiro.
O Estado ter Canadair próprios também já foi um assunto equacionado e estudado no início dos anos 1980 e na segunda metade dos anos 1990. Em 2004, depois de anunciada a aquisição de seis desses aparelhos anfíbios pelo governo de Santana Lopes (PSD), a decisão foi colocada na gaveta.
Em 2005, já com José Sócrates (PS) como primeiro-ministro e António Costa como MAI, o relatório de uma nova comissão fundamentou a Resolução do Conselho de Ministros onde se autorizava a compra “de um conjunto de quatro aviões pesados, de um conjunto de seis helicópteros médios e de um conjunto de quatro helicópteros ligeiros de prevenção e combate a incêndios florestais”.
Em 2014, já com o governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho, novo estudo por parte de outro grupo de trabalho sobre a criação de uma capacidade própria permanente de meios aéreos para combate aos fogos voltou a justificar a admissão da compra dos Canadair (seriam dois e com recurso a fundos comunitários).
Esses aviões pesados acabariam por não ser adquiridos. Agora, com a prevista compra dos KC-390 nos próximos anos, fica uma dúvida: será desta vez que Portugal vai mesmo adquirir Canadair próprios, apesar de os C-130 não terem capacidade anfíbia e demorarem mais de 10 minutos a reabastecer (contra 10 a 12 segundos dos primeiros)?
Fonte: DN
Foto: Fernando Fontes/Global Imagens