O motivo deste tópico de hoje surge das obras recentes na Rua Marquês de Pombal, na cidade de Cantanhede. O motivo? Um canal de água que está enterrado numa zona consolidada da cidade, que, aquando de períodos de grandes deslocações de água tem vindo a trazer problemas de inundações. Ora, não vou entrar em pormenores muito técnicos, até para não cansar o leitor, mas de facto, vou comentar decisões que evitam que isto aconteça no futuro e que, por consequência, aumentam a qualidade do espaço construído e do habitar humano.
O bom exemplo:
Vila de Ançã. Esta vila, que se ergue sobre uma colina, tem nela um vale onde passa um leito. Aqui, nota-se a preocupação de integração de uma estrutura ecológica natural no tecido urbano. Moinhos, piscinas naturais, praças, espaços públicos interessantes e belos… é o que podemos encontrar nesta vila de interesse histórico e de património edificado. O leito é respeitado e integrado na geografia urbana do território, podendo ser potenciado a nível turístico e de lazer. Um bom exemplo sem dúvida.
O mau exemplo:
A cidade de Cantanhede. Tal como referi na introdução, existia um canal que atravessava a cidade, cuja decisão de o enterrar, em tempos, tem trazido constrangimentos e despesas extraordinárias, que em nada beneficiam a população. Temos de ter em atenção, que a natureza está presente, e que a vontade humana não se deve sobrepor à mesma. O território deve ser planeado em concordância com a geografia local e envolver-se na mesma. Aproveito para citar um arquiteto (Frank Lloyd Wright), que pessoalmente admiro, quando se falava da sua arquitetura, dizendo: “nenhuma casa de estar numa colina ou em alguma coisa. Deve ser da colina. Pertencer à mesma. Colina e casa devem viver juntas, felizes uma com a outra.” A expressão refere-se à arquitetura especificamente, mas quando falamos de espaço urbano, o cenário deve ser o mesmo. Natureza e Homem devem coabitar em harmonia. Tive a oportunidade de ver alguns dos planos que existem para a cidade e mais uma vez, estas preocupações são negligenciadas. Existem mais linhas de água presentes a oeste e norte da cidade. Por favor, não as esqueçamos.
A oportunidade:
A Vala Real. Esta vala une Murtede, seguindo para oeste passando por Cantanhede, Varziela, Lírios passando por algumas localidades da Freguesia de São Caetano, nomeadamente a Criação e o Pisão, antes de entrar no município de Mira. Evitando falar do crime ambiental aí presente, que nem assunto deveria ser, pois é algo francamente proibido e de um total desrespeito pelo nosso meio, cujo assunto será para um texto de futuro, devemos olhar para uma das maiores estruturas ecológicas do nosso município com outros olhos. Esta vala tem história, raízes culturais, arquitetónicas, laborais, etc. O olhar sobre esta vala deve ser encarado como uma oportunidade. É neste tipo de estruturas que a própria natureza constrói, que a mesma usa para escoar águas e levá-las para o oceano. A existência da mesma deve-se à geografia do território. Como tal, em vez de a descurarmos e a ignorarmos, devemos abraçá-la e torna-la mais um ponto de referência no município, à semelhança de Ançã. Reabilitar moinhos existentes, criar passeios pedonais, percursos verdes (que preveem eventuais aluviões), ciclovias turísticas, enfim, um vasto conjunto de ideias, que tornem a mesma, uma infraestrutura estruturante (passando o pleonasmo), agregadora, atrativa e um eixo de referência para um futuro desenvolvimento urbano que venha a acontecer nestas diferentes localidades. Gonçalo Ribeiro Teles, um dos maiores arquitetos paisagistas do nosso país, desde sempre que abordou estas questões e que apresentou soluções para as mesmas. Este assunto não se trata de ciência nova, antes pelo contrário. O Homem já respeitou mais estas estruturas ecológicas e a geografia do território. É tempo de aprender com o Passado.
Aproveito para introduzir aqui o tópico da próxima rubrica, que será precisamente sobre o turismo do município. O que acontece, o que poderá acontecer e o que já aconteceu. Mas ficará para o mês que vem.