O empresário foi acusado de “violação culposa”, crime que não está previsto na legislação brasileira e, como não existe, foi absolvido das acusações
Protestos começaram a ser convocados no Brasil após um empresário de futebol, acusado de violar uma jovem influenciadora digital, ter sido absolvido porque a Justiça considerou que não houve “dolo”, ou seja, intenção de cometer o crime.
A decisão foi determinada pela justiça em setembro deste ano, num processo que decorreu em sigilo, mas na terça-feira o portal de jornalismo investigativo The Intercept divulgou imagens exclusivas do julgamento e da forma como a jovem foi tratada em tribunal, algo que até mesmo magistrados do Supremo Tribunal Federal descreveram como “aterrador”.
Os factos referem-se a uma denúncia de violação apresentada por Mariana Ferrer, uma influenciadora digital de 23 anos, que afirma ter sido abusada sexualmente pelo empresário André de Camargo Aranha, em dezembro de 2018, durante uma festa em Florianápolis (sul).
A tese inicialmente apresentada no processo pelo Ministério Público apontou o arguido como culpado de “violação de vulnerável”, uma decisão que foi anulada após recurso interposto pela defesa de Camargo Aranha.
Quando o caso foi retomado, houve uma mudança de procurador, que por sua vez determinou que não havia como provar que Mariana Ferrer não estava em condições de consentir o ato sexual e, portanto, não havia “intenção” de violar.
Assim, segundo o The Intercept, que teve acesso à sentença, o empresário foi acusado de “violação culposa”, crime que não está previsto na legislação brasileira e, como não existe, foi absolvido das acusações.
Pelas imagens reveladas pelo The Intercept, a jovem foi rotulada de mentirosa e humilhada pelo advogado do empresário, como reconheceu o magistrado do STF Gilmar Mendes, numa mensagem publicada nas suas redes sociais.
O advogado também revelou fotografias de Mariana, que classificou como “ginecológicas”, e que não tinham relação com o processo, uma vez que foram tiradas anos antes, quando a jovem trabalhava como modelo.
Durante o processo, a jovem chegou a pedir clemência ao juiz: “Excelência, peço-lhe respeito, nem mesmo os acusados são tratados como eu, pelo amor de Deus”, disse.
As imagens que revelaram os detalhes do julgamento foram classificadas pelo magistrado Gilmar Mendes como “aterradoras”.
“As cenas da audiência de Mariana Ferrer são aterradoras. A justiça deve ser um instrumento de acolhida, nunca de tortura e humilhação. Os órgãos de correção devem determinar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que não atuaram”, indicou o juiz.
O veredicto do julgamento e a dureza com que a jovem foi tratada geraram polémica no país e levaram a que as redes sociais fossem inundadas com mensagens de apoio à jovem brasileira, ao mesmo tempo que foram convocados protestos para os próximos dias.
Sob o marcador #nojento, que virou tendência na rede social Twitter, vários cidadãos, políticos e até equipas de futebol como o Flamengo, São Paulo e Vasco da Gama reagiram à decisão do juiz.
“#ViolaçãoCulposaNãoExiste. Justiça para todas as mulheres”, escreveu o Flamengo no Twitter.
“Mariana Ferrer eu admiro a sua coragem de uma forma que você nem imagina #justiçapormariferrer”, declarou a cantora brasileira Anitta nas redes sociais.
Mais de 2,6 milhões de pessoas assinaram uma petição na plataforma “Change.org” exigindo justiça para a influenciadora digital.
Após a repercussão do caso, a Corregedoria Nacional de Justiça do Brasil abriu uma investigação sobre a conduta do juiz Rudson Marcos, responsável pelo caso.
Lusa