Nas últimas duas décadas, Portugal perdeu cerca de 20% dos recursos hídricos, sendo que o índice de escassez é mais preocupante nas zonas do Sado e Mira, assim como no Algarve, de acordo com um estudo. Em 20 anos, a precipitação também diminuiu, prevendo-se uma redução entre 10% a 25% até 2100.
Portugal tem de tornar “mais rigorosa e eficiente” a gestão da água, para conseguir fazer face às situações de seca e enfrentar as mudanças irreversíveis do clima. A convicção é de Rodrigo Proença de Oliveira, em entrevista à Renascença, numa altura em que as previsões apontam para um agravamento da seca meteorológica neste mês de fevereiro, depois de um dezembro e de um janeiro sem chuva.
“O grande desafio que temos pela frente é gerir a água de uma forma muito mais rigorosa e eficiente”, uma vez que “no nosso clima mediterrânico, a tendência aponta para uma ainda maior variabilidade e redução da precipitação anual média e para uma maior sazonalidade, colocando problemas à gestão dos recursos hídricos em Portugal”, refere.
O professor do Instituto Superior Técnico é o autor do “Estudo de disponibilidades hídricas atuais e futuras”, concebido a pedido da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para o Ministério do Ambiente, e quantifica as situações de escassez hídrica que ocorrem, sobretudo, no sul do país.
Onde está a ser usada a água? Onde há desperdícios? Onde devem ser eliminados ou em que áreas é possível aumentar a disponibilidade hídrica? São algumas das questões que o documento procura clarificar.
Nas últimas duas décadas, de acordo com este estudo, Portugal perdeu cerca de 20% dos recursos hídricos, sendo que o índice de escassez é mais preocupante nas zonas do Sado e Mira, assim como no Algarve.
É, por isso, urgente encontrar formas de se conseguir reter o máximo de água possível, por exemplo, investindo nas redes de recuperação de água e, aqui, Lisboa é modelo a seguir.
“As perdas de água nas redes de Lisboa são bastante baixas, o que é muito positivo, mas isso não é a realidade nacional”, com municípios a registarem “perdas muito significativas”, adianta, ao mesmo tempo que sugere “investir na recuperação das redes de abastecimento de água”.
Atualmente são captados, em Portugal, cerca seis mil hm3 /ano, excluindo os volumes utilizados nos aproveitamentos hidroelétricos. Só a agricultura, onde ainda há muito a fazer, é responsável por mais de 70% desse volume.
“É uma grande preocupação pois 70% a 80% da água que consumimos é para a agricultura, para a rega. Embora haja também aqui excelentes exemplos de sistemas eficientes de uso da água, mas, infelizmente também temos exemplos em que as perdas de água são muito significativas e temos que trabalhar para resolver este problema”, acrescenta o também engenheiro civil.
Ao nível das disponibilidades de água, há ainda outras soluções a considerar, como a construção “localmente” de uma ou outra barragem, a reutilização das águas residuais, já empreendida por alguns municípios, e a dessalinização que, de resto, já se faz no Porto Santo, no arquipélago da Madeira.
“São tecnologias mais caras que, naturalmente, não serão para aplicar em todo o território, mas há zonas em que faz muito sentido aumentar a reutilização e a dessalinização”, afirma.“Custos vão ter de aumentar”
Os cenários climáticos não são animadores e descrevem uma redução acentuada das disponibilidades de água até ao final do século, tornando indispensável um árduo trabalho na melhoria dos processos de gestão dos recursos hídricos.
Em 20 anos, a precipitação diminuiu cerca de 15%, prevendo-se uma redução entra 10% a 25% até 2100.
Este estudo centrou-se nas bacias hidrográficas portuguesas, mas aproveitou, também, os dados públicos existentes em Espanha, tendo em conta a dependência dos recursos hídricos que chegam do país vizinho.
“Nós, em conjunto na Europa, mas sobretudo com os nossos vizinhos espanhóis, temos que encontrar a melhor forma para acelerar o desenvolvimento económico”, assegurando que esse “desenvolvimento é feito sem prejudicar o meio ambiente e sem ser condicionado pela escassez hídrica”, sublinha Rodrigo Proença de Oliveira.
Para Portugal, concretamente, a água enquanto recurso escasso, deve ser uma prioridade para todos os governantes, mais ainda quando se trata de desenhar politicas públicas.
Por outro lado, o preço da água deve ser visto como “um sinal” de que é preciso poupar, mas é ainda mais necessária uma consciencialização sobre a importância de preservar este recurso.
O especialista admite que “os custos vão ter que aumentar”, salvaguardando, contudo, a maior ou menor capacidade financeira, quer dos cidadãos, quer das empresas dos diferentes setores económicos.
“Todos temos de contribuir para esta recuperação de custos, mas temos de encontrar, na sociedade, o regime tarifário mais adequado, sendo que o aumento do preço, é o tal sinal que precisamos para promover a poupança e uma maior eficiência do uso da água”, conclui.
Rosário Silva/rr