Esta é mais uma entrevista que resulta da parceria do Jornal Mira Online com a Poesia da Beira Ria…
a) Nome: Francisco Luís Fontinha
b) Profissão: Desenhador
c) Residente (localidade) Alijó
2 – JM. – Como se define em termos de ser humano?
Sou muito simples, nada ambicioso, quase que diria que sou construído em puro Cristal e revestido com uma finíssima película de aço. O que pareço não o sou…
3 – JM. – Os autores que mais o marcaram, foram autores poéticos ou outros? Mencione dois ou três.
Desde muito cedo que me apaixonei por livros e devo-o em parte ao meu pai. Na adolescência tive a sorte de conhecer e ler os melhores Autores (Portugueses e Estrangeiros) pela mão de um grande amigo (Luís Grifo). Lobo Antunes, José Saramago, Milan Kundera…, mas foi a poesia de AL Berto que mais me marcou. E é impossível esquecer Mário Cesariny ou o Luiz Pacheco.
4 – JM. – De alguma forma estes autores que referiu, o levaram à escrita da poesia? Refira qual o Autor.
A poesia nasceu em mim como nasceu o desenho; comecei a escrever e a desenhar, mas tinha pânico de mostrar os meus trabalhos. Uma altura enviava poemas para um Jornal Regional com pseudónimo que nunca ninguém soube que era eu. Tenho cerca de mil poemas guardados numa caixa (ainda dactilografados na minha máquina de escrever) que não quero abrir, porque não me interessam, porque… talvez novamente o medo. E alguns dos desenhos da minha adolescência… uma noite queimei-os. Muito mais tarde vim a descobrir que Nikolai Gogol fez o mesmo com parte do manuscrito de “Almas mortas”.
5 – JM. – A aceitação do que escreve poeticamente é analisada por si em que “meios”? ( Facebook, antologias, livros publicados, saraus poéticos e/ou outros)
Tenho um blogue (http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/) e é lá que publico tudo o que escrevo. Tenho participado em várias Colectâneas poesia/prosa, mas não estou preocupado em publicar seja o que for em livro e individualmente. Tenho um livro de ficção (não revisto) que não passa de um projecto, e lá adormece todas as noites no meu blogue.
6 – JM. – Defina a razão das apreensões e dificuldades que os autores têm na edição dos seus próprios livros.
Tive várias propostas de publicação, mas os custo eram e são incomportáveis para mim. Fico-me pelo blogue e Facebook… Mas tenho de salientar a coragem de quem hoje em dia publica Poesia e novos poetas. Neste momento os livros são um negócio, e não admito que um livro de Lobo Antunes esteja no meio da tabela do Top de vendas, quando em primeiro lugar está um livro sobre um jogador de futebol ou outra coisa qualquer sem interesse algum.
7 – JM. – O que encontra de verdade no que escreve para considerar que é um Autor a ser consagrado?
Isso só quem lê o que eu escrevo é que poderá responder. Há quem goste, quem deteste… e quem goste mas tenha medo de o assumir.
8 – JM. – Mencione e transcreva o poema da sua autoria com que mais se identifica com o seu sentido de Autor de poesia.
Não existe um poema. É-me difícil escolher um entre mais de dois mil. Mas há um muito especial para mim porque foi declamado pelo José Candeias no seu programa de rádio no dia Mundial da Poesia em 2014; “Gaivota madrugada”.
Gaivota madrugada
Voas nos meus olhos, gaivota madrugada,
procuras em mim, palavras,
voas porque sentes nos teus lábios o vento em desejo,
e no teu prometido beijo, uma simples canção, melódica… e adormeço,
e esqueço que lá fora habitam telhados de vidro, esqueletos de prata,
bairros em lata,
lá fora, na imensidão nocturna da embriaguez,
e um dia, talvez… talvez percebas as minhas tristes palavras,
como pertence aos muros o xisto envenenado,
dos socalcos… o cansaço humano vestido de negro,
e no rio… no rio o meu corpo ensanguentado pelas nobres estrelas da cidade,
voas, voas sem saber que estou vivo…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Março de 2014
9 – JM. – Mencione duas ou três razões por que há medo de ler poesia e o facto de os saraus poéticos terem pouca gente. Incentivaria uma escola para declamadores?
O medo às vezes vem dos próprios poetas. Como já referi, eu mesmo tinha medo de mostrar o que escrevia e desenhava. Hoje perdi o medo e aceito de bom grado as críticas e os elogios; de igual forma. A sociedade mudou, as pessoas acomodam-se… e não são apenas os saraus poéticos que têm pouca gente, são as exposições, o teatro, o cinema… em suma, todas as artes vivem neste momento uma crise profunda e admiro aqueles que com quase nada conseguem fazer e mostrar verdadeiras obras de arte a todos os níveis.
Não era necessário uma escola para declamadores, bastava que existisse uma disciplina em complementaridade com o Português no nosso sistema de ensino.
10 – JM. – Que falta de apoios existe para a divulgação da poesia?
Todos. A poesia vende pouco e hoje o livro é um negócio.
11 – JM. Verifica-se que hoje em dia existem uma grande quantidade de editoras. Na sua opinião acha que neste caso o poeta tem mais opção de escolha para a sua divulgação ser um sucesso, ou muitas delas faz dos escritores lucros e números?
Neste momento temos um grupo editorial que é dominante no mercado e apenas graças a editoras, algumas ou a maioria, muito pequenas, é que se consegue editar um livro. E é de louvar essas pessoas que não desistem.
12 – JM. Se já editou algum livro refira-nos quais e onde os podemos adquirir?
Tenho um texto de ficção escolhido pelo escritor José Luís Peixoto, publicado na rubrica Conte Connosco 2 – pág. 72/73, livro apenas digital. Ultimamente tenho um poema publicado na pág. 465/466 na “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. IV, Entre o Sono e o Sonho”, “Antologia de Poesia Contemporânea Vol. V, Entre o Sono e o Sonho”, Chiado Editora, participei nas colectânea de poesia “Palavras de cristal I” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte II”. Participei na colectânea de poesia “Palavras de cristal II”, “Antologia “SOLAR DOS POETAS – Volume I”, “Palavras de Cristal II” e “Aqui há Poetas – Poesia sem gavetas parte III”, vou participar com um texto no Livro “Pintura e Texto” sobre os quadros do pintor Horácio Febrero de Queiroz e editado pela Pastelaria Estudios Editora, «Palavras Nossas: Colectânea de Novos Poetas Portugueses, Volume III e vou ter um poema “Gaivota Madrugada” em CD – Pastelaria Estudios Editora. Participei em “Eu tenho um sonho…”, “Aquela Viagem” e Poemário 2015 – PAPEL D`ARROZ EDITORA, ANTOLOGIA……POETAS D’HOJE – EDIÇÃO POESIA DA BEIRA RIA – AVEIRO, Palavras Nossas Volume III – Esfera do Caos. Vou participar no III Volume de PALAVRAS DE CRISTAL – MODOCROMIA. Sou autor nas Antologias “Logos” e Colunista no Divulga Escritor. Sou membro do Movimento União Cultural (Coordenador Cultural para o Distrito de Vila /Portugal).
13 – JM. Hoje em dia a divulgação online está muito avançada, possui alguma pagina ou site onde podemos ver algum do seu trabalho literário?
Além do blogue que já mencionei tenho um outro (http://franciscoluisfontinha.blogspot.pt/), onde publico poesia, ficção e desenhos.
———————————- EM BAIXO ESCREVA O QUE ENTENDER SOBRE SI E A ARTE POÉTICA.
Gostava de deixar aqui o texto escolhido por José Luís Peixoto:
Um círculo com olhos verdes
Nunca vi o mar,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no tecto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
– Porquê mãe,
De luzes e de estrelas de papel saltitando na areia finíssima da ilha do Mussulo, o meu filho pequeníssimo fitando o oceano invisível dentro da alcofa, o meu filho agarrado aos braços da mãe a olhar-me enquanto eu sentado numa cadeira de praia recordava as mangueiras no fim de tarde quando a Bedford amarela se imobilizava depois de caminhar de musseque em musseque, eu chegava a casa, eu chegava a casa e ele deitado a brincar com o mar,
– É tão pequenino Segredava ele para a enfermeira na primeira visita que me fez quando eu misturado com outros pequeninos e de etiqueta no pé para não me ausentar e perder nas ruas de Luanda,
E hoje pergunto-me,
– Nunca vi o mar,
E hoje pergunto-me, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no tecto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e hoje pergunto-me a razão de uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, ele de olhos abertos e agarrado aos meus braços fingia que olhava o mar mas eu sabia que não, hoje sei que ela desenhava o mar na alcofa para que eu mais tarde, muitos anos passados, percorra as ruas de Luanda em busca do mar,
– Porquê mãe,
E nunca vi o mar, Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
– A Bedford amarela para não se perder nas ruas de Luanda, uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, eu sentado numa cadeira de praia a ouvir a sombra das mangueiras que batia contra os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas,
As palmeiras murchavam e desciam até à marginal, e ele agarrado ao meu pescoço sonhava com triciclos e papagaios de papel dançando no céu, e adormeci com ele ao meu colo, e ele caiu e quando aterrou no pavimento ouvi-lhe as primeiras palavras,
– Mãe O mar é tão lindo,
Os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas, será que alguém vai ler esta porcaria,
– Pergunto-me Porquê mãe,
Será que alguém vai ler esta porcaria quando as mangueiras desciam até ao capim e as pombas sobre um triciclo de madeira,
– Voavam,
A Bedford amarela estacionada junto ao portão do quintal e ao longe o avô Domingos de braços abertos e me abraçava e me pegava ao colo, eu pendurado no seu pescoço com um olho a ver o mar no tecto da alcofa e com o outro a contar os carros em direcção ao Grafanil, Catete, Bairro Madame Berman,
Um cavalo branco saltitava e pegava em mim e me levava a ver o mar,
– Mãe O mar é tão lindo,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo e eu tombei e quando aterrei no pavimento,
– Mãe O mar é tão lindo,
Ele sentado numa cadeira de praia a imaginar domingos e conversas entre meia dúzia de Cucas,
– Tão pequenino ele,
Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer…
(texto de ficção)
Para o avô Domingos
Francisco Luís Fontinha – Alijó
In Conte Connosco 2
(texto escolhido pelo escritor José Luís Peixoto)
(http://dl.dropboxusercontent.com/u/21663774/ConteConnosco2012/ConteConnosco2012.html)
Páginas 72/73