A formação de Tripulantes de Ambulância de Socorro (TAS) tem, segundo a Escola Nacional de Bombeiros (ENB), a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) e o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), sido alvo de “atualizações” ao longo dos anos. O objetivo é “ajustar” o programa de formação às “exigências da atividade” e aos desenvolvimentos registados, nomeadamente ao nível das competências e equipamentos utilizados pelos TAS na área de emergência pré-hospitalar.
Apesar disto, a ENB denúncia que, no último ano e meio, tem vindo a “pressionar” o INEM no sentido de haver uma revisão completa dos conteúdos ministrados nos cursos TAS, já que entende que o modelo de formação imposto pelo INEM “não cumpre” com os critérios de qualidade que o desempenho da atividade exige. Nesta edição, o ‘BP’ faz o retrato da formação nesta área.
No universo dos bombeiros portugueses, a formação de TAS é assegurada pelo INEM, pela ENB e por várias entidades privadas acreditadas pelo INEM. Segundo o Instituto, que é a entidade certificadora, a qualidade deste tipo de formação encontra-se num patamar “aceitável”. Recorde-se que o INEM, além de realizar ações de formação TAS e respetivas Recertificações, é a entidade responsável por definir a formação (objetivos, conteúdos, carga horária, metodologias, etc.) e pela acreditação de entidades formadoras.
Questionado pelo ‘BP’ sobre a necessidade de evolução técnica deste tipo de formação apontada pela Escola, o INEM diz ao ‘BP’ que o curso TAS e a respetiva Recertificação têm sofrido diversas alterações ao longo dos anos. Além da atualização de conteúdos e metodologias dos suportes pedagógicos, têm sido introduzidas algumas alterações com o objetivo de “facilitar o acesso” a esta formação. “A importância é crucial, uma vez que os TAS são um elemento fundamental na resposta do Sistema Integrado de Emergência Médica, intervindo em praticamente todas as ocorrências, mesmo que, por vezes, apoiando meios mais diferenciados”, lembra o Instituto.
Embora esta seja a posição do INEM, José Ferreira, o presidente da ENB lamenta que, apesar das várias tentativas com vista à “revisão” dos conteúdos, o INEM ainda não tenha correspondido às solicitações. A ENB vai mais longe: “o mesmo se aplica à formação RTAS em que o modelo de b-learning, entretanto desenvolvido, revela agora a necessidade de uma reformulação ao nível do programa de formação e dos materiais pedagógicos utilizados”. “A importância dada pela ENB a esta formação é proporcional ao papel que os bombeiros desempenham na área da emergência pré-hospitalar e que, como é do conhecimento geral, corresponde a mais de 70 por cento da resposta que é dada neste domínio”, esclarece José Ferreira.
Ainda segundo o presidente da ENB, este dossiê deverá começar a ser trabalhado no final do verão. O Grupo de Trabalho, constituído para o efeito, e que inclui a Escola, o INEM, a ANPC e a LBP, prepara-se para se sentar à mesa, já no mês de outubro, para debater as questões mais prementes. E uma dela, diz José Ferreira, prende-se com a carga horária desta formação. A mais recente legislação aponta para a obrigatoriedade de um total de 600 horas, situação que diz pode colocar em causa o grau de disponibilidade dos bombeiros voluntários, que até aqui eram obrigados a despender apenas 250 horas. “A solução passa inevitavelmente por uma componente de b-learning, sob pena de não termos bombeiros disponíveis para formação em TAS”, admite.
“Não é aceitável estarmos a assistir a um recuo quer da qualidade quer das competências”, a declaração é de Nelson Batista, antigo formador de pré-hospitalar na ENB e atual responsável por uma das empresas privadas com maior peso nesta área. “Desde o euro 2004 que se tem vindo a assistir à retirada de conteúdos técnicos e científicos, transformando um curso que devia preparar profissionais para a emergência em meros socorristas. Na maioria dos casos sabem fazer alguma coisa mas não sabem os porquês e quando algo corre mal não sabem resolver a situação. Refira-se também que as competências atribuídas não cobrem a necessidade dos doentes, uma vez que existem um conjunto de procedimentos padronizados noutros países que fariam a diferença no socorro aos doentes”, denuncia o formador.
Mas afinal de quem é a culpa por esta situação?
Nelson Batista diz que não é uma questão de “culpa”, mas antes de “falta de visão” sobre o que deve ser a emergência pré-hospitalar, quer por parte do INEM, quer através dos “lóbis ali instalados”, aspetos que diz, reduziram a função dos técnicos para justificar o surgimento de outras classes no pré-hospitalar.
Sobre as capacidades dos bombeiros portugueses nesta área, Nelson Batista não tem dúvidas: “Se estivermos a falar do socorro pré-hospitalar, nomeadamente na via pública, os bombeiros são os mais bem preparados e vocacionados porque a sua formação de base cobre todos os tipos de intervenção em segurança”. “Na minha opinião os Bombeiros devem continuar a ser o principal agente na prestação do socorro pré-hospitalar, desde que cumpram a legislação em vigor, como também, considero que os outros agentes e o setor privado devem também poder entrar no sistema. Não faz qualquer sentido que não existindo ambulâncias disponíveis não possa ser ativada uma outra ambulância somente porque pertence a uma associação de socorro ou uma empresa, com prejuízo para o doente que é assistido tardiamente”.
Ainda segundo o formador, a exigência da ENB em alterar e ajustar conteúdos formativos faz todo o sentido. Garante Nelson Baptista que, a Direção da Escola foi “mais do que uma vez alertada” para o facto dos atuais conteúdos poderem conduzir uma redução da qualidade dos cursos ministrados, situação que resultaria num “recuo” face ao que vinha a ser feito nos últimos anos. “Este modelo, acrescenta, além de ter uma “redução” clara dos conteúdos técnicos e científicos, não possui uma distribuição dos temas face aos tempos de formação, para que possam ser adequadamente explicados e debatidos, bem como a organização dos temas não permite que as matérias tenham uma sequência lógica.
Em jeito de conclusão, Nelson Batista aponta para algumas das principais medidas a tomar no imediato: Cumprir a legislação em vigor; corrigir o modelo formativo, permitindo o aumento de competências de forma a flexibilizar o mesmo, devendo o INEM publicar referenciais de formação para que as entidades formadores desenvolvam os cursos com base nos mesmos, permitindo adaptar os mesmos a especificidade de cada entidade, à semelhança do que acontece com a restante formação profissional; consagrar uma coordenação e supervisão das equipas de emergência que permita garantir a qualidade do socorro prestado e, finalmente, exigir que a ANPC se preocupe com o pré-hospitalar, uma vez que esta é uma missão dos corpos de Bombeiros que os ocupa em mais de 80 por cento da sua atividade global.
Fonte: Jornal Bombeiros de Portugal Edição de Outubro | Por Patrícia Cerdeira
Fotografia: Escola Nacional de Bombeiros – Portugal