Emoções Coloniais: O legado que persistimos em ignorar (Ana Cabrita)

22.03.2025 –

“Uma das reflexões mais poderosas que poderão representar a ideologia e pós-colonial encontra-se nas palavras de James Baldwin, em Stranger in the Village (1955): “As pessoas estão presas à história, e a história está presa nelas.”, capturando a profundidade com que o passado colonial continua a moldar o presente, não só nas nossas relações intergrupais, mas também nas emoções que envolvem a memória deste passado.

A maneira como as sociedades recordam e interpretam o colonialismo ocidental influencia significativamente as suas relações sociais. Mas qual o papel das emoções nestas interpretações e como as mesmas afetam as atitudes em relação ao passado colonial?

Investigação em Psicologia Social realizada em países como Portugal e os Países Baixos mostra que emoções como a culpa e a vergonha em relação ao passado colonial estão associadas a uma visão mais crítica sobre os crimes cometidos. Por outro lado, a supressão ou minimização dessas emoções resulta numa visão mais benevolente e em relação à história. Esta dicotomia emocional revela algo profundo: as emoções moldam diretamente as nossas atitudes face aos outros, especialmente quando se trata de questões de justiça social. Reconhecer a responsabilidade histórica e emocional pode despertar um sentido de reparação e justiça. No entanto, a negação dessas emoções facilita a perpetuação das desigualdades e a manutenção do status quo. A apatia torna-se a norma, desumanizando os grupos historicamente marginalizados.

Apesar destes avanços, a psicologia social ainda tem muito a explorar quando se trata de emoções associadas ao colonialismo. Este campo, ainda emergente, tende a ser dominado pelas vozes e perspetivas dos ex-colonizadores, deixando de fora as emoções daqueles que foram colonizados. As cicatrizes emocionais dos colonizados, bem como a sua luta contínua por reconhecimento e igualdade, raramente são alvo de análise, como se tivessem menos importância no esquema da organização social.

Há, é verdade, estudos que comparam as perspetivas de ex-colonizadores e ex-colonizados, demonstrando que as memórias sobre o passado colonial variam significativamente conforme a experiência vivida. Contudo, a maioria desses estudos centra-se em perspetivas cognitivas, ignorando muitas vezes a dimensão emocional de quem sofreu e continua a sofrer as consequências da violência colonial.

Este é um ponto morto na investigação, pois podemos entender que é justamente nas emoções que reside parte crucial do entendimento sobre a persistência das desigualdades contemporâneas. A negação das emoções dos colonizados reflete a negação das suas experiências. Se não reconhecemos a dor do outro, como podemos empatizar? E, se falhamos em sentir empatia, como poderemos defender os seus direitos? É certo que a apatia abre caminho à desumanização, e que o distanciamento emocional transforma a dor numa abstração e transforma a injustiça numa normalidade.

Como podemos então reconhecer a importância das emoções dos grupos colonizados?

O primeiro passo deve ser o reconhecimento da falta de representatividade nas investigações sobre colonialismo. A maior parte dos estudos ainda é desenvolvida a partir de centros ocidentais, pela lente do colonizador, e mesmo quando incluem participantes de países ex-colonizados, os quadros teóricos refletem perspetivas ocidentais. De que nos serve estudar o preconceito dos ex-colonizadores sem ouvir primeiro a vivência emocional e social dos ex-colonizados?

Talvez seja também o momento de parar de replicar as mesmas hipóteses em contextos ex-coloniais e reorientar as nossas perguntas para incluir as vozes daqueles que foram historicamente silenciados. A ciência deve ser mais do que uma acumulação de dados, deve servir como plataforma de transformação social, questionando o status-quo.

Finalmente, é crucial que a ciência se torne mais acessível ao público — especialmente àqueles que são alvo dos preconceitos e discriminações que nasceram de um legado colonial. Tornar a ciência acessível é, acima de tudo, um ato de coragem, pois convida à crítica e desafia as pressuposições dos investigadores.

Como afirmou a poetisa e ativista Maya Angelou, “Acho que todos temos empatia. Talvez não tenhamos coragem suficiente para mostrá-la.” Se quisermos, verdadeiramente, compreender o impacto do colonialismo nas emoções e na sociedade, está na altura de demonstrarmos essa coragem.”

Ana Cabrita

Estudante de Doutoramento em Psicologia (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra)