Nem as máscaras, obrigatórias, no rosto escondiam o ar de alívio, felicidade e, sobretudo, emoção das seis pessoas que hoje assistiram, na Basílica do Bom Jesus, em Braga, à primeira missa do resto das suas vidas.
“Isto enche-me a alma, é uma sensação que não consigo explicar, não há palavras, não sei”, disse José Luís Tinoco, de 80 anos, o primeiro a chegar para assistir à missa, marcada para as 08:00.
Ciente de que, por causa da idade, integra o chamado grupo de risco, o octogenário garantiu ter todos os cuidados e seguir todas as recomendações das autoridades de saúde, tanto assim que até agora, e desde que a pandemia de covid-19 chegou, o filho, a nora e os netos ainda não entraram na sua casa.
Mas à missa no Bom Jesus, à “sua missa” no Bom Jesus, José Luís Tinoco não podia faltar.
“Senti tanto, mas tanto, a falta disto”, disse, com visível emoção.
Naquela basílica de Braga, Património da Humanidade, não havia missas presenciais desde 14 de março, tendo desde então o reitor celebrado apenas com a companhia de um operador de câmara, que assegurava a transmissão via internet.
“Era um vazio muito grande, um silêncio abismal, mas, ao mesmo tempo, o eco que se ouvia era ensurdecedor”, confessou João Paulo Alves.
No entanto, o sacerdote acredita que o reabrir das portas das igrejas é ainda mais importante para os fiéis que ali encontram a sua “fortaleza e a força para o caminho” e procuram “a graça para vencer a pandemia”.
“Se tivesse de usar uma palavra apenas, essa palavra seria alívio”, referiu.
As missas são adaptadas à nova realidade: à entrada, não há água benta, mas há um dispensador de gel desinfetante para as mãos.
A lotação, que em tempos normais é de 177 pessoas, fica agora reduzida a pouco mais de 60.
Todos, sacerdote incluído, têm de usar máscara, cada banco só dá para uma ou duas pessoas, há uma porta para entrar e outra para sair, há sinalética a pedir para que seja respeitada a distância de segurança, há “rececionistas” que encaminham e orientam quem entra.
O coro, que até aqui reunia umas 15 pessoas, já só pode contar com duas ou, no máximo, três.
Quem comunga, não pode dizer “ámen”.
Fazendo jus ao provérbio “se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”, é o padre que se desloca até cada uma das pessoas para lhes dar a comunhão. Sempre na mão.
Não há saudação da paz, mas, mesmo assim, os fiéis sentem-se abraçados por Deus, e isso já lhes enche a alma.
“Se uma mudança custa sempre, custa sempre mais quando é imposta e quando se lhe junta o medo. É um recomeço, um passo para voltarmos à normalidade. E um alívio”, disse José Leite, 60 anos, outro bracarense que nunca perde a “missa das oito”, aos sábados, no Bom Jesus, a intercalar a sua caminhada matinal.
O reitor da basílica não esconde as saudades do “pré covid-19” e da agitação que se vivia naquele local de culto.
“Em condições normais, hoje teríamos aqui três casamentos, oito batizados e uma peregrinação com mais de 150 pessoas. Foi tudo cancelado. Mas tudo há de ficar bem”, afirma.
Portugal está desde 03 de maio em situação de calamidade por causa da pandemia, mas o Governo tem entretanto aprovado sucessivas medidas de desconfinamento, estando a partir de hoje autorizado o regresso das cerimónias religiosas comunitárias.
“Quero lá saber que tenha de usar máscara, que tenha de desinfetar as mãos, que tenha de ficar sozinho num banco. É aqui que eu me sinto bem, aqui nunca me sinto só”, soltou José Luís Tinoco.
Fonte e Foto: Vítor Fernando Pereira, agência Lusa