Vinte e cinco anos depois da queda do Muro de Berlim há ou não feridas? Em que cidade se transformou a capital alemã? São perguntas a que respondem Katja Lange-Müller e Monika Maron, duas escritoras alemãs.
Sentadas frente-a-frente numa mesa redonda, ambas de cigarro acesso, vão respondendo às perguntas. Katja Lange-Müller e Monika Maron nasceram em Berlim, com dez anos de diferença. Ainda não existia o muro que partia a cidade a meio. Monica Maron tem hoje 73 anos e ainda vive em Berlim, mas teve a experiência de ter habitado os dois lados de uma mesma cidade. No Goethe Institut, em Lisboa, conta à Renascença que quando nasceu “só
existia ‘uma’ Berlim”. “Eu vivi na zona Este e depois fui com a minha mãe para a zona Oeste.
Agora vivo novamente na zona Este. A cidade faz parte da minha vida. É algo sobre o qual não me questiono porque gosto muito de viver em Berlim”, sublinha. Experiência e opinião diferente tem Katja Lange-Müller. A escritora, de 63 anos, olha a cidade que a viu nascer de forma critica. Confessa que não gosta de viver em Berlim e explica porquê: “No final do Verão passado regressei a Berlim e não gosto muito de ali viver por causa das mudanças dramáticas que ocorreram na cidade. É uma cidade da moda para onde todos querem ir. É uma cidade descaracterizada.” Katja vai mais longe nas suas críticas. Considera que “as pessoas têm uma imagem distorcida de Berlim” e lembra outros tempos “era uma cidade barata e foi muita gente viver para a cidade depois da guerra”. Agora, diz, “essas pessoas tiveram de se ir embora porque não conseguem aguentar o ‘boom’ imobiliário. Não conseguem mais viver em Berlim.” Na mesa redonda, de repente, surgem arestas. Mónica Maron não concorda com a visão de Katja. A autora, que escreve sobre temas como a memória e o isolamento, vê hoje Berlim como uma cidade cheia de vida. Responde que “Berlim é hoje uma cidade normalizada. Todas as pessoas que eram da indústria, da política, do comércio ou os cientistas que queriam fazer uma carreira tiveram de ir embora de Berlim e agora estão a voltar à cidade para fazer a sua vida normal. “A opinião de Mónica continua a provocar a indignação de Katja Lange-Müller, a escritora que aos 17 anos foi expulsa da escola e vigiada pela polícia secreta da antiga República Democrática Alemã (RDA). Katja vê Berlim como uma cidade em transformação, arrisca mesmo dizer que Berlim é sinónimo de “metamorfose”. Onde estavas quando o Muro caiu? Mas mudança, e profunda, foi a que aconteceu há 25 anos, na noite de 9 de Novembro de 1990. No dia em que o mundo assistiu à queda do Muro de Berlim, ambas as escritoras estavam fora da cidade. Mónica recorda que “estava sentada num sofá em Hamburgo e que já tinha bebido bastante”. Lembra-se que várias pessoas lhe “telefonaram da América a perguntar se o muro tinha mesmo caído”. Como tinha bebido bastante, explica-nos que só no dia seguinte é que se meteu no carro a caminho de Berlim. Também só no dia seguinte é que Katja regressou a Berlim, numa viagem de comboio que jamais esquecerá. A autora lembra que “estava em Bochum a trabalhar e nessa noite tinha a estreia de uma peça de teatro. Era uma peça sobre uma criança que tinha de viajar entre as duas Alemanhas com a sua mãe”. Achou “estranho que não aparecesse ninguém” e interrogou-se sobre o que se teria passado.
“Só percebi tudo quando cheguei ao hotel e vi a televisão”, conta. Foi de impulso que no dia seguinte quis regressar à sua cidade natal. “Logo de manhã quis apanhar um comboio para Berlim. Foi a pior viagem que fiz. Todos queriam apanhar o mesmo comboio”, recorda. Memórias de Katja Lange-Müller e Mónica Maron, duas escritoras que estão em Portugal no âmbito do programa “Transliterata”, promovido pelo Goethe Institut para dar a conhecer a literatura alemã contemporânea.