Desde 1990 que as barragens não estavam tão vazias

EDP reduziu a produção de eletricidade com recurso às barragens e a REN não afasta subida de preço. Produção agrícola afetada

A pior seca dos últimos 27 anos nas barragens portuguesas levou produtores de arroz a acelerarem o ciclo de crescimento da planta, perdendo rendimento, e desmobilizou a produção de milho. Há populações que podem ficar sem água em casa, enquanto a energia poderá subir de preço no mercado grossista.

Além disso a baixa precipitação reduziu a produção de eletricidade, segundo fonte oficial da EDP. Portugal produz um quarto do seu consumo através de barragens, mas o primeiro semestre de 2017 exibiu condições “muito desfavoráveis”, segundo a REN. As albufeiras atingiram 58% dos valores normais levando a que as centrais térmicas compensassem a falta de energia hidroelétrica. A tendência em períodos secos aponta ao aumento dos preços da energia no mercado grossista, adiantou a REN ao DN.

José Emídio sabia que a barragem de Odivelas (Ferreira do Alentejo) estava à míngua de água, mas desconhecia que o caso fosse tão grave como a situação que testemunhou ontem. “Em maio já estava mal, mas isto só me faz lembrar os inícios da década de 80 quando a água acabou e tivemos de meter bombas no Sado até secarmos o rio”, comentou ao DN.

Emídio é um dos produtores de arroz do vale do Sado onde as dez albufeiras enfrentam a maior escassez de água de que há memória nos últimos 27 anos. A tendência é seguida em outras 44 barragens do país pertencentes ao sistema nacional de recursos hídricos, onde os armazenamentos são inferiores à média registada entre 1990 e 2016. Só as bacias do Lima, Ave e Arade superam os anos anteriores.

Segundo os dados da Agência Portuguesa do Ambiente, a barragem de Odivelas ilustra a escassez de água na região. O armazenamento atual está fixado nos 28,1%, quando o valor médio é de 59,9, mas não muito longe dali encontra-se a barragem do Monte da Rocha, que “lidera” as preocupações. Abastece as populações de Castro Verde, Ourique e Almodôvar, e o seu armazenamento atual está fixado nos 15,5% quando a média em final de junho se devia aproximar dos 60%.

É uma consequência do inverno e primavera secos – abril foi o mês mais quente e seco dos últimos 86 anos – a que se juntou um junho “anormalmente quente e sem chuva”, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, que hoje vai reunir os técnicos para avaliar os impactos da falta de água.

O presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas, Manuel Reis, aciona o alerta. “Temos água para um mês e meio, no máximo”, diz, lamentando que a barragem de Alqueva esteja a fornecer apenas 6 milhões de metros cúbicos mensais e não os 7,5 milhões contratualizados. Com uma reserva atual de 2,2 milhões de metros cúbicos, Manuel Reis receia que a campanha de alguns arrozais não chegue ao fim, porque não há garantias de fornecimento de água aos 600 sócios e mais de 9 mil hectares ativos para os 150 dias do ciclo de crescimento.

Preço ao consumidor não sobe

Foi por isso que José Emídio acelerou o ciclo de crescimento do arroz de 150 para 120 dias quando foi avisado de que teria metade da água disponível para este verão, ao preço de dois cêntimos o metro cúbico, em face das medidas mitigadoras impostas pelo governo. Qual é a diferença? Em lugar das habituais dez toneladas de arroz, este produtor não irá colher mais do que cinco entre os 16 hectares que ocupa junto a Santa Margarida do Sado. “Prefiro ter menos mas fazer alguma coisa do que correr o risco de fazer mais e depois não ter água. Isto ia morre tudo”, justifica, lamentando que apesar da produção ser menor e possivelmente mais cara as regras do mercado único não permitem aumentar o preço do arroz. O mesmo se aplica a outros produtos agrícolas, pois em virtude da abolição de fronteiras os negócios das empresas puderam expandir-se, reforçando a concorrência, o que levou os preços a baixarem.

Foi para precaver cenários como este que a cooperativa Assetarroz, de Palmela, fez um acordo com um dos industriais da região que assegura um valor mínimo, nunca inferior aos 300 euros por tonelada. “O nosso receio já não é como estão a fazer o arroz, mas como o vão acabar”, diz Joaquim Manuel Lopes, técnico agrícola da Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal.

Quem preferiu não se aventurar em face das medidas mitigadoras foram os produtores de milho. Não se avista um só campo deste cereal num raio superior aos cem quilómetros no vale do Sado. “São precisos 10 a 12 mil metros cúbicos por hectare de milho. É inviável com a água que foi disponibilizada”, sublinha o técnico, revelando que este ano as plantações de milho se resumem ao vale do Sorraia e à zona de Alqueva onde à água disponível. “Isto vai ter um impacto na importação de cereais, incluindo no arroz, onde já estamos em cima da autossuficiência”, acrescentou.

Mas Francisco Ferreira, da associação ambientalista ZERO, sustenta que é tempo de tomar “medidas rigorosas”, receando que os próximos meses possam ser de grande carência de água no Sul do país e deixa o aviso contra os furos. “Quando têm água paga em tempo de seca, as pessoas preferem ir buscar água subterrânea para rega e isso está a pôr em causa os recursos que temos nos aquíferos”, ressalva, alertando que a reposição hídrica no subsolo é mais lenta “e se a água falta podemos ter problemas graves em breve”.

 

Fonte: DN

Foto: CARLOS SANTOS / GLOBAL IMAGENS