A taxa de esforço média das famílias sobre endividadas apoiadas pela Deco desde início da pandemia situava-se no final de setembro nos 80%, valor que a associação considera “muito preocupante” quando muitas beneficiam ainda de moratórias de crédito.
“Esta taxa de esforço é contabilizada sem os créditos que estão a ser objeto de moratória, pública ou privada, portanto imagine-se quando tiverem de os pagar”, salientou a coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Deco, Natália Nunes, em declarações à agência Lusa.
Numa altura em que começam a terminar algumas das moratórias concedidas no âmbito da pandemia de covid-19, nomeadamente as da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC), a responsável da Deco alerta que, “este mês, já há famílias que vão ter mais dificuldades em pagar as prestações” dos créditos contraídos.
“As moratórias têm sido uns balões do oxigénio para as famílias, porque lhes permitem adiar o pagamento de prestações de crédito, mas há algumas que terminaram em 30 setembro e já temos vários pedidos, este mês, de pessoas que terminaram as moratórias privadas e estão com muitas dificuldades em retomar o seu pagamento”, disse Natália Nunes.
De acordo com os dados do GPF da associação de defesa de consumidor, considerando o período de 18 de março (véspera da declaração do estado de emergência em Portugal) até 30 de setembro, as famílias tinham, em média, prestações mensais de crédito de 880 euros e rendimentos líquidos de 1.100 euros, o que corresponde a uma taxa de esforço de 80%.
Estes números representam um agravamento face a 30 de junho, em que a taxa de esforço se situava nos 75%, em resultado de prestações médias mensais de crédito de 750 euros e rendimentos líquidos de 1.000 euros.
Para a Deco, esta situação justifica que se pense “numa medida alternativa”, sendo que a associação “desde o início defendeu que não fazia sentido criar uma moratória legal apenas para o crédito hipotecário e para o crédito à habitação”, mas antes uma moratória que “deveria incluir todos os créditos”.
“Porque, em bom rigor, as responsabilidades dos consumidores dizem respeito ao crédito à habitação, aos créditos pessoais e aos cartões de crédito, pelo que, se tivesse sido contemplada uma medida global, possivelmente as famílias não teriam os problemas que vão começar a ter a partir deste mês”, sustentou Natália Nunes.
Segundo os dados hoje divulgados, a perda de rendimentos, o desemprego, a doença e o divórcio/separação são as três principais causas das dificuldades financeiras dos 1.017 processos de intervenção (através dos quais é dado apoio na renegociação de dívidas, entre outras medidas) que deram entrada na Deco entre 18 de março e 30 de setembro, com um peso de 29%, 25%, 19% e 11%, respetivamente.
A maioria das situações afeta trabalhadores do setor privado (43%), sendo 22% do setor público, 19% desempregados, 9% trabalhadores por conta própria e 7% reformados.
Em termos de escolaridade, 44% dos intervenientes nos processos que a Deco tem em mãos completaram o ensino secundário, 24% possuem uma licenciatura e 23% concluíram o 3.º ciclo, sendo que 41% são casados ou vivem em união de facto, 35% são solteiros, 21% são divorciados/separados e 3% são viúvos.
Desde 18 de março até final de setembro, a associação diz ter recebido um total de 14.400 pedidos de aconselhamento financeiro de famílias, a maioria dos quais (51%) com vista à reestruturação dos respetivos créditos, acima dos 45% reportados pela Deco em 30 de junho passado.
Seguiram-se os pedidos de ajuda relativamente às medidas tomadas pelo Governo no âmbito da pandemia (representativos de 17% do total em 30 de setembro, abaixo dos 26% de 30 de junho), a penhoras de bens e rendimentos (13% em setembro, contra 8% em junho), à insolvência das famílias (5% em setembro contra 4% em junho) e à cobrança/recuperação de créditos (4% em setembro e 5% em junho).
Na origem das dificuldades financeiras das famílias que pediram aconselhamento estão sobretudo o desemprego e a perda de rendimentos (em 26% e 25% dos casos, respetivamente), seguidos da precariedade laboral (12%) e da penhora de rendimentos e divórcio/separação (8% em ambos os casos).
Lusa