Valongo é a primeira cidade inteligente a acolher a edição deste ano da Smart Cities Tour, numa altura em que 136 municípios já integram a rede nacional. Os autarcas trazem este ano para a discussão pública o conceito de coesão inteligente que pretende encontrar respostas para os territórios de baixa densidade, nomeadamente ao nível de fixar pessoas e empresas.
O que faz uma cidade inteligente? A tecnologia será provavelmente a resposta mais imediata, mas para as entidades envolvidas na Smart Cities Tour, uma iniciativa que há quatro anos percorre o país, trata-se de um meio para atingir um objetivo: proporcionar melhor qualidade de vida a quem habita nas cidades. A pergunta que se segue é por onde passa esta qualidade de vida e este tour visa identificar as melhores práticas já em curso nos municípios portugueses – um total de 136 concelhos que integram a rede de cidades inteligentes da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Um número já significativo mas que ainda não representa metade dos 308 concelhos nacionais – o que também significa que há muito trabalho para fazer. E esse é o propósito desta iniciativa que junta a ANMP, a Nova IMS e um conjunto de empresas – Altice Portugal, EDP Distribuição, CTT e Deloitte – num projeto do qual o SAPO24 é também media partner na edição de 2020.
O roteiro desta edição envolve um conjunto de cinco cidades e arranca já na próxima semana, a 12 de fevereiro, em Valongo. Daí segue para Évora (27 de maio ), Covilhã (30 de junho), Monchique (29 de setembro), Oeiras (4 de novembro) e também Campo Maior, concelho que se junta a este périplo no âmbito de uma nova vertente – a da coesão. “Criámos um conceito novo, de smart cohesion, que consiste em pensar como é que, através da inteligência urbana, podemos olhar para os territórios de baixa densidade, como podem fixar pessoas e empresas e como a tecnologia pode ser utilizada para melhorar a qualidade de vida das pessoas e a gestão”, explicou o presidente da Câmara Municipal de Viseu. Campo Maior, concelho que é sede da Delta e que tem sido apontado como exemplo em várias dimensões, foi, nesta nova vertente, a primeira escolha.
Um documento com 30 propostas que resultam das contribuições dos municípios portugueses define o conjunto de prioridades que os autarcas querem ver debatidos com o Governo no âmbito do novo Quadro Financeiro Plurianual Portugal 2030. Repartidas por cinco eixos – identidade, capital humanos, infraestruturas, conetividade e dados – as propostas vão desde temas relacionados com o património, cultura e tradição, à criação de laboratórios vivos de teste e prototipagem de novos produtos e serviços, ao investimento em serviços e infraestruturas mais sustentáveis, ao acesso livre à utilização das redes locais de IoT para ligação de sensores e ao incentivo do uso dos dados abertos em modelos colaborativos de cocriação.
A inteligência urbana enquanto política pública é um “chapéu” que envolve áreas que vão da eficiência energética, à gestão da água, dos resíduos, à monitorização de níveis de poluição e do tráfego rodoviário. Áreas em que a tecnologia tem hoje um potencial de resolver problemas de forma mais eficiente e com poupança de recursos.
É o caso, por exemplo, de Viseu, como disse ao SAPO24 o presidente da autarquia, e também da Secção de Municípios Cidades Inteligentes, da Associação Nacional de Municípios Portugueses , Almeida Henriques. “Ao nível da eficiência energética, por exemplo, conseguimos poupanças de um milhão de euros em Viseu que é um valor que podemos assim libertar para outras áreas da gestão do município”, conta o autarca.
À luz das projeções elaboradas pela IDC, o caso de Viseu não será único. Segundo a consultora, a implementação de sistemas inteligentes nos vários eixos da vida de uma cidade permite, por exemplo, uma poupança de 40% no desperdício de água; 50% nos custos com a iluminação das vias públicas (com um recuperação do investimento em seis anos); e de 40 a 80% na fatura com a coleta de resíduos sólidos urbanos.
“As smart cities não são sobre tecnologia, são sobre pessoas”
Sendo certo que a tecnologia é um facilitador natural destes processos, o papel decisivo nesta transformação passa pelas comunidades. Foi isso que recordou o CEO da Altice na sua intervenção na cerimónia de arranque da Smart Cities Tour. “Pode parecer estranho vindo de uma operadora de telecomunicações, mas as smart cities não são sobre tecnologia, são sobre pessoas. São as pessoas que fazem com que uma cidade seja melhor”, sublinhou Alexandre Fonseca. Na prática, esta premissa traduz-se em vertentes que passam pela criação de condições para fixação de populações fora dos grandes centros urbanos e pela garantia de condições, nomeadamente ao nível do acesso às redes de comunicações, em igualdade de circunstâncias. “Em 2020 vamos ter cobertura a 100% de todo o território o que vai ao encontro de um dos nossos pilares estratégicos que é a proximidade e que já nos levou, em dois anos, a mais de 100 municípios. Temos levado a nossa capacidade tecnológica e as nossas soluções a todo o país e contactado com autarcas, gestores e cidadãos”, acrescentou.
Para melhor compreender a realidade e as necessidades do país, a Nova IMS, através do seu centro de investigação Nova Cidade – Urban Cities Lab, tem rastreado soluções nomeadamente através do seu Radar da Inteligência Urbana, que faz o levantamento das iniciativas nas várias cidades. Miguel Castro Neto, subdiretor da NOVA Information Management School e coordenador da NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, considera que os municípios “portugueses estão no bom caminho”, mas sublinha que há muito trabalho ainda para ser feito. Os indicadores recolhidos mostram que apenas 27,3% dos municípios têm uma estratégia de “inteligência urbana” e que só em 16% é que existe uma plataforma de suporte ao conceito de smart city.
“Portugal dispõe de ótimos exemplos de transformação digital das cidades e o interesse dos municípios portugueses no tema é, sem dúvida, um bom prenúncio do trabalho que ainda pode ser desenvolvido neste contexto. As smart cities são um conceito emergente em todo o mundo e no qual Portugal pode e deve afirmar-se. As nossas cidades dispõem de excelentes condições de desenvolvimento e aplicação das novas plataformas, desde logo, devido às suas dimensões. Este será o próximo passo, a integração horizontal dos vários pilares verticais da inteligência urbana, de forma a que estes possam comunicar e decidir automaticamente entre si”, disse ainda Miguel de Castro Neto.
Um dos motores da transformação das cidades passa pela própria mudança geracional e pela forma como cada vez mais pessoas procuram alternativas à vida nas grandes cidades. Uma tendência que tem de ser suportada em políticas públicas em áreas tão distintas como a criação de emprego, a rede de escolas e de saúde e a oferta cultural, mas que é já percecionada pelos autarcas. “Hoje a maioria das cidades têm um pólo universitário ou estão perto de um e há cada vez mais pessoas, nomeadamente os mais jovens, a valorizar não só a possibilidade de ter um custo de vida mais baixo, nomeadamente ao nível da habitação, como uma questão cada vez mais importante que é o factor tempo, a possibilidade de ir a pé para o trabalho ou de estar a cinco minutos da escola do filho”, referiu Almeida Henriques.
Um dos objetivos para 2020 é, por isso, colocar na agenda do Governo uma estratégia que Almeida Henriques designa como “Autarquias 4.0″. “2020 é o momento certo para debater a programação do novo quadro de financiamento europeu e apoiar a conceção de novas soluções para o necessário investimento dos municípios no desenvolvimento de cidades e vilas inteligentes e sustentáveis. Vamos propor ao Governo a criação de uma estratégia nacional de transformação digital do território, a estratégia Autarquias 4.0, porque consideramos ser uma condição essencial para o seu desenvolvimento e coesão. Ninguém se fixa no interior sem acesso a internet e GSM, por mais incentivos que se anunciem”.
Outro tema prioritário prende-se com a rede de estradas e com a necessidade de recuperar a rede viária do país, nomeadamente as estradas nacionais que, em alguns concelhos, passaram a ter circulação acrescida após a cobrança de portagens nas SCUTS que deslocou tráfego. Neste âmbito, Almeida Henriques considera essencial negociar um empréstimo com o BEI – “num valor nunca inferior a mil milhões de euros” – que permita aos concelhos encetar essa recuperação.
Dedicada ao tema “Desafios e Oportunidades para 2030”, a Smart Cities Tour termina em Coimbra, com a Cimeira dos Autarcas, em novembro.
Madremedia