Crónica de uma demissão anunciada. Quem vai suceder a May? E como é feita a escolha?

O processo para eleger o próximo líder do Partido Conservador, que também ficará à frente do Governo britânico, deverá começar a 10 de junho. Só não se sabe quando vai terminar.

O tiro de partida para a corrida à liderança do Partido Conservador – e, por acréscimo, do atual Governo britânico – ouviu-se esta sexta-feira em Londres, quando Theresa May surgiu, emocionada, frente ao número 10 de Downing Street para anunciar que vai abandonar os cargos de líder partidária e de primeira-ministra no próximo dia 7 de junho.

O processo para a sua substituição interna começará na segunda-feira seguinte, 10 de junho. Há vários candidatos ao lugar, muitos deles a preparar terreno para a corrida há já algum tempo, desde que os primeiros rumores de demissão começaram a surgir perante as dificuldades em ver o seu acordo de Brexit aprovado no Parlamento.

Ontem, em vésperas do anúncio da despedida, o Governo de May desistiu de levar o acordo a votos pela quarta vez no dia 3 de junho, como estava previsto até agora. Ainda não é certo quando é que essa votação acontecerá.

Até lá, as atenções estão focadas no potencial sucessor de May. De acordo com os analistas britânicos, são nove os candidatos ao lugar deixado vago pela primeira-ministra que nunca quis o Brexit e que acabou por cair por causa dele.

Veja abaixo quem são e como vai ser o processo de substituição:

Matt Hancock, 40 anos

O atual ministro da Saúde ainda não confirmou se pretende candidatar-se à liderança do Partido Conservador. Mais importante, não se afastou da corrida, dizendo apenas que tem “uma opinião forte sobre o tipo de líder de que o partido precisa”.

Esther McVey, 51 anos

A ex-ministra do Trabalho e das Pensões diz acreditar que o próximo líder dos conservadores tem de ser alguém que “acredita no Brexit”, dando a entender que pretende candidatar-se.

Foi por causa do Brexit que abandonou o Governo de May em novembro passado. Defende que é “essencial” que o Reino Unido abandone a União Europeia na data atualmente definida, a 31 de outubro.

Sajid Javid, 49 anos

O ministro do Interior foi um dos primeiros a reconhecer que “não faltariam candidatos” ao lugar de May no partido no dia em que a primeira-ministra cedesse às pressões e abandonasse o cargo.

Antes do anúncio desta sexta-feira, e sobre uma sua potencial candidatura, disse apenas “teremos de esperar para ver”. É um dos mais bem colocados na lista, pela popularidade que angaria dentro do Partido Conservador.

Boris Johnson, 54 anos

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May foi um dos primeiros a anunciar claramente as suas pretensões, uma semana antes do anúncio da primeira-ministra.

Esta sexta-feira, voltou a sublinhar: “Claro que sou candidato.” Tido como um dos favoritos na corrida, lidera nas casas de apostas mas não angaria o apoio de todos os conservadores. Pouco depois do anúncio de May esta manhã, Mark Francois, uma das grandes figuras do grupo de deputados conservadores pró-Brexit (ERC), disse que não vai apoiá-lo, optando pelo defensor de linha dura Steve Baker.

Amber Rudd, 55 anos

A atual ministra do Trabalho e das Pensões ainda não confirmou se pretende candidatar-se, embora tenha dito que ia “deixar a porta ligeiramente aberta” a essa possibilidade.

Uma das conservadoras mais populares no partido, conseguiu reerguer-se dentro do Governo de May no rescaldo do escândalo que a viu abandonar o cargo de ministra do Interior em abril de 2018.

Rory Stewart, 46 anos

O secretário de Estado para o Desenvolvimento Internacional expressou a sua vontade de substituir May numa entrevista ao jornal “The Spectator” em abril.

“Se querem alguém que realmente gosta de fazer coisas e que adora o Governo e que tem muito orgulho neste país, eu sou esse entusiasta”, disse.

Andrea Leadsom, 56 anos

Talvez Leadsom já suspeitasse da intenção de May quando, na passada quarta-feira, se demitiu do Governo por não concordar com os planos da primeira-ministra para o Brexit.

Antes disso, a ex-ministra dos Assuntos Parlamentares já tinha revelado que estava a “considerar seriamente” uma candidatura à liderança do Partido Conservador. Considera a pertença à UE “revoltante” e defende que com um primeiro-ministro eurocético a saída do Reino Unido da UE já estaria resolvida.

Jeremy Hunt, 52 anos

Tal como May, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, fez campanha pela permanência na UE antes do referendo de 2016. Por esse motivo, antecipa-se que será um dos candidatos mais moderados no que toca ao Brexit.

Liz Truss, 43 anos

A chanceler do Tesouro está entre os poucos deputados britânicos que usaram as redes sociais para dar a entender que pretende ser candidata a líder dos conservadores, dizendo que o partido precisa de se “reinventar”.

Michael Gove, 51 anos

Uma das principais figuras da campanha pelo Brexit em 2016, fazia parte do Governo de David Cameron, que se demitiu no dia depois do referendo. Foi candidato na última corrida à liderança, mas foi derrotado por Theresa May. É apontado como um possível candidato, mas ainda não o confirmou.

Dominic Raab, 45 anos

Protagonizou uma das demissões mais polémicas do Governo de Theresa May, quando abandonou o cargo de ministro responsável pelo Brexit em protesto contra o acordo firmado entre o Governo e a União Europeia. Não confirmou a intenção de se candidatar, mas quando lhe foi perguntado se gostaria de ser primeiro-ministro respondeu “nunca digas nunca”.

David Davis, 70 anos

Mais um eurocético, Davis foi ministro do Brexit de Theresa May durante dois anos mas também acabou por renunciar em protesto contra o acordo para a saída. É, de longe, o candidato mais velho apontado pelos media.

Penny Mordaunt, 46 anos

Faz parte do Governo de Theresa May, sendo a primeira mulher a exercer o cargo de ministra da Defesa no Reino Unido. É a favor do Brexit e tem-se mantido em silêncio sobre a sua vontade, ou falta dela, de se candidatar à liderança do Partido Conservador e, consequentemente, a Downing Street.

Justine Greening, 50 anos

Greening coloca-se no campo dos opositores do Brexit e defende a realização de um segundo referendo. Chegou-se a pensar que iria abandonar o Partido Conservador para formar um novo partido pró-União Europeia, mas entretanto já admitiu à televisão inglesa que pondera candidatar-se para suceder a Theresa May.

Graham Brady, 51 anos

Brady preside ao Comité 1922, o nome do grupo parlamentar do Partido Conservador. É o comité que define as regras de sucessão no caso da demissão de um líder. Contudo, Brady não parece muito disposto a candidatar-se, tendo dito que “seria preciso muita gente para me persuadir” a fazê-lo.

Kit Malthouse, 52 anos

Membro do Parlamento desde 2015, a sua carreira política passou antes pela Câmara de Londres, onde foi vice-presidente. Enquanto membro do Governo de Theresa May desempenhou um papel importante no desenvolvimento de uma alternativa a uma fronteira física na Irlanda do Norte, que tem sido um dos principais obstáculos à adoção dos planos do Brexit.

James Cleverly, 49 anos

Já ocupou o cargo de vice-presidente do Partido Conservador e estava agora num cargo menor, mas ligado ao Brexit, no Governo de Theresa May. Segundo o jornal “The Sun”, tenciona candidatar-se à liderança do partido.

Como vai ser escolhido o sucessor?

Sob a supervisão da chamada comissão 1922, que nada mais é do que o grupo parlamentar do Partido Conservador na Câmara dos Comuns, a escolha deverá começar logo a seguir à demissão formal de May, no dia 10 de junho. Eis como:

Nomeação de candidatos

Os membros do partido que queiram candidatar-se precisam de ser propostos por pelo menos dois outros legisladores conservadores. Desta vez, é esperado que um grande número de políticos tentem ficar com o lugar de May.

Votação dos deputados

Os legisladores conservadores deverão cumprir uma série de rondas para reduzir o número de candidatos. A cada ronda têm de escolher o seu candidato favorito, através de votação secreta, para se ir eliminando os candidatos que angariam menos apoios.

Esse processo será repetido até que restem apenas dois candidatos. Em situações semelhantes no passado, estas votações aconteceram sempre às terças e quintas-feiras.

Votação final

Todos os membros do Partido Conservador serão chamados a escolher entre os dois derradeiros candidatos, submetendo o seu voto por correio, com o vencedor a ser anunciado o novo líder do partido, que em março de 2018 tinha tinha 124 mil afiliados.

Não há um calendário fixo para este processo. Nas últimas primárias do Partido Conservador, em 2016, era suposto que a votação tivesse durado nove semanas, mas acabou por durar mais, já que a votação só avançou quando Andrea Leadsom, então opositora de May, desistiu da corrida. Da vez anterior, em 2005, o processo durou cerca de um mês.

Quem ficará à frente do Governo durante o processo?

May deverá continuar como primeira-ministra interina até que o seu sucessor ou sucessora seja escolhido. Alguns analistas consideram, contudo, que no atual contexto é possível que seja escolhido outro líder interino para ficar em funções até à decisão final.

É possível acelerar o processo?

Se May deixar o cargo antes que o acordo do Brexit seja aprovado, é possível que a comissão 1922 proponha uma corrida mais rápida para que a substituição aconteça o mais depressa possível, com o objetivo de não atrasar as potenciais negociações com a UE e de garantir que o Reino Unido sai da UE na data prevista, a 31 de outubro.

Em alternativa, os deputados também podem tentar unir-se em torno de um grupo de candidatos mais reduzido, para acelerar a escolha entre os dois candidatos finais.

Joana Azevedo Viana / RR