Teclistas, tocadores de concertina e bandas que animam os bailes e romarias de verão viram o seu principal rendimento desaparecer. Sem perspetivas de qualquer rendimento, há quem já pense em mudar de profissão.
Não são os grandes nomes que normalmente compõem os cartazes das grandes festas, mas são parte fundamental de uma máquina que ajuda a dar forma aos bailes e romarias que se realizam um pouco por todo o país durante o verão.
Para todos os artistas contactados pela agência Lusa, o verão é a altura do ano de maior faturação, sendo que a perspetiva agora é de rendimento quase zero até ao final do ano.
“Eu trabalho todo o ano, mas no inverno é só para manter e aparecer”, explicou à agência Lusa Graciano Ricardo, músico de 44 anos de Pombal, que há dez vive exclusivamente da música e que normalmente dá cerca de 80 concertos na zona Centro entre maio e setembro.
O último concerto que Graciano deu foi em Paris, em 14 de março, sendo que o segundo que ia dar na capital francesa, no dia seguinte, já não se realizou devido à pandemia da covid-19.
Mesmo a receber o apoio da Segurança Social para recibos verdes, Graciano Ricardo já começa a pensar em procurar trabalho noutra área.
“A partir de junho, tenho que pensar em trabalhar numa outra área, como a pintura na construção civil, onde cheguei a trabalhar quando era mais novo. É incomportável ficar em casa à espera que isto passe”, vincou.
Marco Gomes, jovem acordeonista do Algarve, que vive exclusivamente da música há cerca de quatro anos, diz que desde meados de março que só recebe chamadas para cancelar presenças em bailes de verão.
“Eu meti na minha cabeça que vou esperar mais um mês ou dois. Se continuar assim, atiro-me para outro trabalho para aguentar isto, porque estar parado não dá com nada”, salientou Marco Gomes.
Já o veterano Leonel Nunes, músico da Guarda com mais de 40 anos de carreira, diz que ainda tem meia dúzia de concertos que não foram cancelados, apesar de saber que não se vão realizar.
“Graças a Deus, tinha um verão preenchido”, comentou.
“Agora, tem que se apertar mais o cinto e esperar que para o ano esteja melhor”, disse Leonel Nunes, esperando que, a partir do final de setembro, já possa fazer alguns concertos.
Para Tiago Silva, tocador de concertina da Pampilhosa da Serra, o rombo não foi tão grande, porque tem um ‘part-time’ na Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), onde dá aulas de música.
“Com o ‘part-time’, consigo olhar com um pouco mais de tranquilidade para o futuro. Quando isto passar, espero retomar as festas com o dobro da força para trabalhar naquilo que me dá alento e muito gosto”, afirmou Tiago Silva, que tem aproveitado estes dias também para compor e preparar um novo disco.
Também Álvaro Lopes, líder do grupo Oásis Trio, de Castelo Branco, não vive exclusivamente dos concertos. Porém, o resto do trabalho que tem é ligado à música e, com o setor quase todo parado, a faturação que regista não chega.
“Quando me deito só penso numa alternativa à música, em arranjar um negócio ou trabalho noutra área que não seja esta”, admitiu o único músico do grupo que vivia da música.
Se a maioria dos profissionais a trabalhar nas feiras e bailes têm empresas unipessoais, há também casos de empresas com alguma dimensão que trabalham não apenas a vertente do espetáculo, como toda a área de produção e montagem de palcos associada às romarias.
Em Vila Verde da Raia, Chaves, a Trazmúsica emprega 54 funcionários, entre músicos de quatro bandas, técnicos, pessoal de montagem de palcos e a linha de produção de camiões-palco.
Hoje, os trabalhadores estão em ‘lay-off’ e quase todos aqueles que eram recibos verdes deixaram de receber em abril, contou à agência Lusa o responsável da Trazmúsica, Mário Nuno Teixeira.
“Temos que fazer um plano financeiro muito rigoroso porque serão pelo menos seis meses sem faturação. Custa-me imenso não poder pagar aos colaboradores a recibo verde, mas não há empresa que aguente isto”, justificou.
Ruizinho de Penacova, que conta já com 20 anos de carreira, deixou o emprego de carteiro para se dedicar por inteiro à música a partir de 2006.
“No verão, é tocar, trabalhar e dormir. São quase 90 dias a esgalhar, sem parar”, explicou.
Desde 06 de março que não tem qualquer concerto.
“Eu vou comendo e bebendo do que está dentro da panelinha, mas não dura para sempre. O que é que eu tenho que fazer? Tenho que arregaçar as mangas e trabalhar noutro ramo. Tenho que descer as escadas do estrelato e arranjar outra coisa, nem que seja a roçar silvas”, disse à Lusa o músico.
Graciano Ricardo não tem ilusões em relação ao futuro e acha que mesmo retornando os concertos em outubro ou novembro, serão noutras condições e com ‘cachets’ mais baixos.
Para além disso, há também a discussão sobre o que é cultura e que cultura deve ou não ser apoiada.
“As pessoas esquecem-se que nós também somos cultura. O povo mais velho vai às nossas festas. Deviam ir às aldeias e ver como tiramos os idosos de 80 anos de casa e os pomos a dançar”, realçou.
Apesar da esperança que no verão de 2021 já tudo esteja relativamente normalizado, Graciano Ricardo tem dificuldade em olhar para o futuro.
Só na semana passada, dois meses após o último concerto que deu, é que teve coragem de tirar os teclados da caixa e ensaiar.
“As pessoas conheciam a minha alegria no palco e querem diretos, mas não tenho sentido motivação para isso. A frustração é tão grande para quem gosta disto, para quem deixa a pele no palco”, afirmou Graciano Ricardo.
Lusa