Um agente da PSP da Amadora foi condenado por ter dado uma chapada “de mão aberta” a um jovem. O tribunal não acreditou na versão de quatro polícias e o agente foi condenado por ofensa à integridade física qualificada
Grisa Iosif Luchian, de uns 20 anos, passeava na sua bicicleta, em plena luz do dia, numa rua da Amadora. Atirou uma beata de cigarro para o chão e, nesse momento, foi parado por um grupo de quatro agentes fardados da PSP. No momento da abordagem, um dos polícias, Vítor Bárcia, na altura dos acontecimentos (2016) com 27 anos, a prestar serviço no comando da Amadora, “sem que qualquer motivo o justificasse, desferiu uma chapada, de mão aberta, na face esquerda” de Grisa.
Esta foi a versão que o tribunal da Amadora considerou verdadeira e por isso condenou o agente Bárcia a uma pena de prisão de três meses, convertida em 680 euros de multa, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. A sentença foi lida no dia 5 deste mês.
A versão de Vítor Bárcia, corroborada pelos três agentes que o acompanhavam na patrulha, foi considerada “não provada” pelos juízes: que Grisa Luchian, “numa atitude agressiva e provocatória, encostou a sua cabeça à cabeça” do agente, “tendo este último empurrado o corpo daquele na zona da cara, o que fez apenas com o intuito de salvaguardar a sua integridade física”.
Apesar de ter sido “corroborada, no essencial”, pelos três agentes que estavam com Bárcia, o tribunal concluiu que “a versão apresentada pelo arguido, para além de não ter resistido no confronto com a demais prova produzida no julgamento”, surgiu como “verdadeiramente inverosímil”.
Para o tribunal, segundo é escrito na sentença, “não faz sentido que um indivíduo de cerca de 20 anos, com a compleição física do queixoso e que foi diretamente constatada pelo tribunal em sede de audiência de julgamento, fosse ter a conduta em causa para com um agente da polícia, desafiando-o e procurando com o mesmo ter contacto físico, quando se encontravam presentes no local pelo menos três outros agentes da autoridade (para além daqueles que chegaram ao local na carrinha policial) e que, naturalmente, nessa sequência, poderiam atuar e detê-lo”. Os testemunhos dos agentes foram considerados como mentiras. “Uma certeza exagerada, como pormenores muito coincidentes, num relato algo forçado e, por isso, próprio de quem quer convencer de uma realidade que não ocorreu. (…) A postura corporal, os silêncios e concreta verbalização do discurso apresentado pelas testemunhas de defesa não foi de molde a convencer o tribunal da realidade por si relatada.”
Em contrapartida, as testemunhas de Grisa foram “perentórias” em confirmar a versão deste e garantiram não ter “presenciado qualquer movimento provocatório” contra o polícia. “Depuseram com naturalidade, objetividade e espontaneidade”, é sublinhado na sentença.
Em relação a Grisa Iosif Luchian – que o DN apurou ser o melhor aluno da sua turma quando frequentou o Agrupamento de Escolas de Alfornelos -, é salientado que este “se apresentou em audiência de julgamento com uma postura correta, depondo com seriedade e segurança, respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas com espontaneidade e assertividade, sem nunca vacilar, razão pela qual concedemos inteira credibilidade ao seu depoimento”. A intervenção de Grisa foi feita “de forma descomprometida e com contenção, num discurso conciso, circunstanciado e verosímil”.
Os magistrados lamentam que, na altura do julgamento, cerca de dois anos depois do incidente, o agente da PSP, cuja conduta consideram “inaceitável” e causadora de “alarme social”, não se tenha mostrado arrependido. A localização geográfica do incidente também foi tida em conta na censura, o concelho da Amadora, onde tem havido outros casos de queixas de agressões, como a que envolveu os 18 polícias da esquadra de Alfragide, acusados de tortura e racismo.
O tribunal entendeu que o agente Vítor Bárcia não podia “desconhecer” que a sua atitude, desde logo na área da comarca de Amadora, onde a intervenção policial tem um papel preponderante, suscitava “forte reprovação e desvalor social”.
Valentina Marcelino / DN