As escolas estão fechadas há mais de um mês e as aulas são em casa, mas para as famílias mais carenciadas, algumas com a situação financeira agravada pela pandemia de covid-19, as refeições da cantina são uma “ajuda valiosa”.
Os ponteiros do relógio ainda se estão a aproximar do meio-dia e os primeiros pais já começam a entrar pelo portão da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Carnaxide, concelho de Oeiras, de sacos vazios na mão, em direção ao espaço da cantina, vazio e silencioso, além do movimento da cozinha.
Ao balcão, as refeições daquela sexta-feira e já a contar também com o fim de semana aguardam, embaladas e organizadas, prontas para serem guardadas nos sacos, antes vazios, e levadas para casa dos alunos que mais delas precisam.
José Silva foi o primeiro a chegar e, mal passou o portão da escola, já as funcionárias riscavam o seu nome da lista e separavam as embalagens que ia levar. Reconheceram-no mesmo à distância e de máscara, como a todos os que por ali passaram. Afinal, veem-se todos os dias.
Quando os estabelecimentos de ensino encerraram pela primeira vez devido à pandemia da covid-19, há cerca de um ano, cerca de 700 escolas mantiveram-se abertas para assegurar as refeições a todos os alunos do escalão A da ação social escolar, mais tarde alargadas também ao escalão B.
Para muitas famílias, estas refeições foram, desde essa altura, uma autêntica boia de salvamento. É o caso de José Silva, que já em março ia diariamente à Camilo Castelo Branco buscar o almoço para o filho.
“É uma grande ajuda, porque com o meu rendimento… Para o meu filho e tudo, não dá”, contou à Lusa, explicando que com os “200 e tal euros” que recebe do rendimento social de inserção e as contas para pagar, as dificuldades são muitas.
“Chega a um ponto, que nem para comer tenho”, admitiu.
Do refeitório daquela escola saem diariamente cerca de uma centena de refeições, algumas com destino às outras escolas do agrupamento, que estão abertas para os filhos de trabalhadores essenciais, alunos com necessidades educativas especiais e aqueles para quem o ensino a distância não é uma opção viável.
“As outras refeições as famílias vêm aqui à sede [do agrupamento] buscar em ‘take-away'”, explicou o diretor, António Seixas, precisando que são cerca de 50 as refeições que todos os dias estão reservadas para os alunos dos escalões A e B.
Além das refeições que são ali cozinhadas de segunda a sexta-feira, a autarquia juntou-se ao apoio às famílias, assegurando que durante o fim de semana também têm almoço.
Por isso, à sexta-feira, parte das refeições disponibilizadas pela Câmara Municipal de Oeiras para os serviços municipais, e que são recolhidas todos os dias na escola pela Polícia Municipal, estão reservadas para os alunos.
Pouco tempo depois, chega Eva. É o último dia que vai ali buscar o almoço para a filha mais nova, do 2.º ano, que já regressa à escola na segunda-feira.
Ao contrário de muitas famílias, a pandemia não lhe roubou o emprego e Eva conta que a situação financeira lá em casa não sofreu muito no último ano, mas com dois filhos já antes as contas eram difíceis de gerir e, por isso, agradece as refeições escolares, que permitem “equilibra algumas contas”.
De acordo com dados do Ministério da Educação, as escolas de acolhimento estão a servir uma média de 45 mil refeições diárias, sendo que na semana passada foram ultrapassadas as 46 mil em alguns dias. São cerca de 40% das refeições servidas em janeiro, quando o ensino ainda era presencial.
Este número incluiu os cerca de 19.500 alunos que vão diariamente à escola (7,5 mil filhos de trabalhadores essenciais, sete mil para quem o ensino a distância não é eficaz e cinco mil da educação inclusiva), mas as contas são simples.
Assim, nesta semana foram servidas, em média, 25,5 mil refeições diárias em ‘take-away’ para os alunos carenciados, o que representa um aumento de mais de 40% em comparação com o final de abril do ano passado, quando eram servidas em média 18 mil refeições.
Este aumento pode ser um sinal dos efeitos socioeconómicos devastadores que a pandemia teve na vida das famílias e Aida é um dos vários nomes na lista de pessoas a quem a covid-19 passou a perna.
Funcionária numa escola, o ensino a distância que dura há mais de um mês voltou a empurrá-la para o ‘lay-off’, como já tinha acontecido no ano passado.
“No trabalho do meu marido as coisas estão complicadas, também devido à pandemia, e eu parei”, explicou, acrescendo que lhes faz “muita falta esta ajuda”.
Ao lado, Yara, que está no 5.º ano, só tem uma queixa: as aulas ‘online’ “estão a ser uma seca”. Sobre a comida da cantina, confirma que é boa.
Logo a seguir sai Fernando Carmo, com um saco em cada mão, cheios daquilo que descreve como “uma ajuda valiosa”, para si e para os três filhos. O último ano tem sido particularmente difícil, admite, contando que é trabalhadora independente e que a área em que trabalhar, praticamente, parou.
Na segunda-feira, dois dos seus filhos voltam à escola, mas a cantina vai continuar a servir refeições para os alunos que ainda ficam em casa até à Páscoa e Fernando pode voltar para ir buscar o almoço da mais velha. Nessa altura, o saco já vai mais leve.
Lusa