“Carlos de Oliveira, uma escrita tatuada” foi o tema do colóquio realizado em 20 de novembro na Biblioteca Municipal de Cantanhede, no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do escritor. Na sessão intervieram investigadores da obra de Carlos de Oliveira e outros académicos, designadamente António Pedro Pita, Osvaldo Silvestre e Sérgio Dias Branco, todos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Rosa Maria Martelo, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Rita Patrício, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e Ida Alves, da Universidade Federal Fluminense – Brasil,
Agradecendo a participação de “tão ilustres palestrantes”, a presidente da autarquia cantanhedense, Helena Teodósio, referiu-se à iniciativa como “o corolário de um vasto programa orientado para a mobilização dos agentes culturais, das escolas e diversas outras entidades parceiras que colaboraram com o Município de Cantanhede na resposta ao grande desafio de honrar a memória e o valiosíssimo legado intelectual, literário e humano de Carlos de Oliveira”.
Segundo a líder do executivo camarário “o alcance pretendido com a celebração da efeméride, desde há quase um ano, vai muito para além da mera evocação do escritor que viveu parte da sua infância e juventude na Gândara, neste território que transpôs para a sua obra num registo muito justamente aclamado pela sua singularidade, força narrativa e qualidade literária superlativa. Em Cantanhede, temos muito orgulho no legado literário que Carlos de Oliveira construiu a partir de uma realidade a que não queremos regressar, obviamente, pois isso representaria um retrocesso insuportável, mas uma realidade que queremos – temos o dever – de guardar enquanto fator identitário que nos ajuda a perceber imensas coisas do nosso quotidiano”, afirmou a autarca.
Para Helena Teodósio, a grandeza da obra do autor de Finisterra e Uma Abelha na Chuva confere “à Gândara um estatuto que de outro modo nunca poderia atingir, um estatuto que coloca a paisagem povoada de que falava o escritor numa posição de destaque na História da Literatura Portuguesa e a projetou além-fronteiras nas traduções de que foi alvo em várias línguas”.
Referindo-se à intervenção cultural que a Câmara Municipal tem desenvolvido para promover o estudo e contribuir na divulgação do universo ficcional e poético de Carlos de Oliveira, a presidente da autarquia lembrou “a institucionalização do prémio literário homónimo em sua homenagem, que vai já na sua sexta edição, a criação da Casa Carlos de Oliveira, na sua habitação de infância, em Febres, e o desenvolvimento de inúmeras ações para motivar públicos de vários níveis etários e diferentes expectativas, sobretudo os mais jovens, para a compreensão de um universo literário distintivo que tem também um precioso valor documental”.
Essas ações foram bastante acentuadas este ano para assinalar o centenário do nascimento do escritor, com destaque para exposições, ciclos de cinema com filmes biográficos e outros adaptados dos seus livros, visitas guiadas a espaços territoriais que surgem na sua obra poética e narrativa, além de lançamentos editoriais e exposições temáticas, a mais importante na Casa Carlos de Oliveira, no que passou a ser o centro nevrálgico de atividades a realizar futuramente.
Digno de destaque é o Ciclo de Conferências “Carlos de Oliveira, 100 anos”, neste caso em parceria com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, e vários outros colóquios, debates e workshops organizados por entidades, algumas delas de grande prestígio, como a Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, o Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias a Universidade de Lisboa, a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a Cátedra Carlos de Oliveira da Universidade de Zurique e a Fundação Dom Luís I.
“Carlos de Oliveira, uma escrita tatuada”, seis leituras sobre a obra de um dos maiores vultos do neorrealismo português
No colóquio “Carlos de Oliveira, uma escrita tatuada”, Osvaldo Manuel Silvestre indagou o sentido da metáfora da tatuagem na obra do escritor e dos seus desdobramentos figurais, a gravação, a inscrição, e toda a uma oscilação entre estruturas de superfície e estruturas de profundidade, e António Pedro Pita apresentou um ensaio de releitura sobre “O Aprendiz de Feiticeiro”, um trabalho de “incorporação de leituras, referências e ressonâncias, depuradas através da sua própria experiência e sedimentadas na complexidade de um ‘ponto de vista’, entre o ‘astrólogo’ e o ‘inventor de jogos’”.
Na sessão realizada em 20 de novembro, Rosa Maria Martelo fez uma comunicação sobre “halos, fulgores e reverberações”, desenvolvendo alguns dos sentidos e amplitudes formais de que podem revestir-se as meditações crepusculares em Carlos de Oliveira, a das visões do crepúsculo presentes em Entre Duas Memórias (1971) e Pastoral (1976), e Rita Patrício partiu da leitura de Descida aos Infernos para analisar a presença de Dante em Carlos de Oliveira, considerando a influência do poeta italiano na poesia portuguesa moderna e contemporânea.
Finalmente, Sérgio Dias Branco falou de Uma Abelha na Chuva, o filme de Fernando Lopes, para evidenciar as suas “qualidades lacónicas” que “contribuem para refazer a narrativa e o tom” do livro “noutra forma artística, já não como literatura, mas como cinema”, e Ida Alves falou “De tatuagens e texturas, modos de ler (em) Carlos de Oliveira”, “considerando sobretudo determinadas escolhas de leitura” do escritor para enfatizar a sua relação com “a imaginação alheia”.