Coleção de António Cardoso está patente ao público na Casa da Cultura de Cantanhede

Quem por estes dias visitar a Casa Municipal da Cultura de Cantanhede é imediatamente transportado para um cativante universo de referências do quotidiano de antigas gerações. É um universo facilmente reconhecível, faz parte de um certo imaginário coletivo associado à vida dos avós e bisavós, fazendo emergir a nostalgia de um tempo ainda não subjugado aos ditames dos produtos descartáveis. Em exposição estão cerca de duas centenas de utensílios, artefactos, ferramentas de ofícios tradicionais e antigas máquinas de uso doméstico, louças e bordados, telefonias, relógios, bicicletas e alfaias, enfim um acervo bem representativo de contextos sociais do concelho,noutras épocas.

Em todo o caso, trata-se apenas de uma pequena parte da vastíssima coleção de António Cardoso, um apaixonado pelo colecionismo de antiguidades que durante várias décadas reuniu e recuperou meticulosamente um amplamente reconhecido e valioso espólio, algumas delas autênticas relíquias de antanho.

A exposição está organizada por conjuntos temáticos, por sua vez distribuídos pelas várias salas da Casa Municipal da Cultura de Cantanhede, em cujo núcleo central estão algumas das peças mais nobres, desde rádios dos primórdios da eletricidade, relógios de sala e de bolso, despertadores e máquinas de costura, passando por um lote de antiguidades relacionadas com a 1.ª Grande Guerra Mundial.

No compartimento contíguo a sul podem ser vistos variadíssimos equipamentos de cozinha, fogões a petróleo, panelas cafeteiras de esmalte e de cobre, louças, ferros de engomar  a brasas, aparelhos médicos e utensílios de iluminação, como candeias, lampiões, gasómetros e candeeiros a petróleo.

O percurso de visita inclui passagem por um espaço com bicicletas pasteleiras e ciclomotores antigos, algumas peças para restauro que fazem o contraponto com as já restauradas, bem como acessórios e ferramentas usadas noutros tempos no conserto desse tipo de veículos, além de  pintura a óleo e colagem da autoria do professor José Pedrosa e alusiva a esta temática.

Outras duas salas são dedicadas a alfaias agrícolas, uma delas com os aprestos para sementeiras com tração animal, como a charrua, o arado, grade de dentes de ferro, cangas para o gado, apeaças, cofinhos, chavelhas, malhos, etc, havendo ainda um exemplar dos primórdios da “mecanização” da lavoura, designadamente um de rega que veio substituir os arcaicos modos de irrigação, como a picota ou cegonha e o engenho de alcatruzes puxado por animais.

Nesta vertente há ainda utensílios ligados ao trabalho da vinha, como a máquina de sulfatar, o regador, a enxofradeira (torpilha) e ferramentas de poda e empa, etc.

Na abertura da exposição  esteve o vereador da Cultura, Pedro Cardoso, que perante o colecionador e os mais de 60 convidados presentes,  enalteceu o exemplo de trabalho, a tenacidade  e a perseverança do Senhor António Cardoso nesta atividade que exige uma sensibilidade muito especial. Quando olhamos para a coleção tomamos consciência de que se trata de alguém que sabe devolver o valor a coisas a que a generalidade das pessoas não sabe valorizar, o que sendo um atributo singular, tem associada uma assinalável vertente pedagógica da parte de quem, como podemos avaliar, se tem dedicado a escrever um capítulo importante no Traçar a Memória do Concelho de Cantanhede».

Emocionado, o colecionador agradeceu «as amáveis palavras do vereador Pedro Cardoso» e manifestou o seu «reconhecimento à Câmara Municipal pela forma especialmente empenhada como acolheu e organizou a exposição». António Cardoso reafirmou ainda que é com «muito gosto e satisfação» que doará ao Município de Cantanhede a coleção, «para que seja exposta num local onde as gerações futuras tenham contacto com a realidade de outros tempos. Um dos meus maiores desejos é que tudo isto possa ser apreciado», declarou.

Nascido em 1937 no lugar do Bolho, António Cardoso, desde muito novo que sentiu «a paixão de colecionar», o que começou a fazer «no início da vida adulta». Apesar das limitações financeiras, foi nessa fase que iniciou a sua coleção, «adquirindo e guardando algumas peças emblemáticas, no princípio mais ligadas à dureza dos trabalhos agrícolas, à rudeza da forma de viver do tempo da minha infância e juventude, mas logo depois passei a recolher também objetos de uso doméstico e outros relacionados com certas profissões».

Desde a mais tenra idade que o seu quotidiano se dividia entre a escola, durante a manhã, e as tarefas no campo, à tarde, para ajudar a família, de origem modesta, a obter o sustento das terras que amanhava. Terminado ensino primário, intensificou-se o trabalho agrícola, a que se seguiu o serviço militar em Coimbra e, após o regresso, o casamento.

Na década de 1960, já casado, e a trabalhar arduamente nos campos concluiu que não se perspetivavam promessas de futuro risonho em Portugal, pelo que decidiu emigrar com a esposa, Maria Adelaide, e as duas filhas ainda crianças, para os Estados Unidos da América. Aí viveu  durante cerca de 25 anos, no Estado de Connecticut, onde chegou a trabalhar quinze horas por dia, muitas vezes na condição de duplo emprego, para amealhar o suficiente para criar o seu próprio negócio, objetivo que perseguia desde que partira. Conseguiu e assim conquistou o desafogo económico que lhe permitiu regressar a Portugal e dedicar-se ainda com mais entusiasmo à sua paixão de sempre: o colecionismo.

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