A Câmara de Lisboa reagiu esta manhã à notícia sobre o envio de dados de manifestantes anti-Putin à Rússia. A autarquia confirma a partilha de informação, diz que agiu “conforme procedimento geral adotado para manifestações”, mas reconhece que não foi a melhor opção, tendo alterado procedimentos. A CML rejeita “de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo”.
O Expresso avançou ontem que a Câmara de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três manifestantes russos que, em janeiro, participaram num protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do governo de Putin.
Hoje, em comunicado, a autarquia confirmou que os dados dos três organizadores da manifestação foram remetidos “pelos serviços técnicos da CML para a PSP/MAI e à entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações”.
No entanto, depois da analise de uma “reclamação” apresentada ao município, “foi comunicado, ao abrigo da legislação em vigor, que as entidades recetoras deveriam proceder à eliminação dos dados”.
Acrescenta ainda a CML que “na sequência dessa análise, foram alterados os procedimentos internos desde 18 de abril e, nas manifestações subsequentes para as quais foi recebida comunicação (Israel, Cuba e Angola) não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas”.
“A CML lamenta que a reprodução de procedimentos instituídos para situações de normal funcionamento democrático não se tenha revelado adequada neste contexto” e “ciente dessa realidade, os procedimentos foram desde logo alterados”.
Por fim, a autarquia “rejeita de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo”.
Carlos Moedas, candidato do PSD à Câmara de Lisboa, pediu esta quarta-feira a demissão de Fernando Medina, na sequência deste caso: “A confirmar-se, Fernando Medina só terá uma saída: a demissão”, afirmou Carlos Moedas, numa publicação na rede social Twitter.
Knesia Ashrafullina, uma das ativistas ouvidas pelo semanário, “descobriu por acaso” o envio destes dados para a Rússia.
“Na troca de emails sobre as regras da manifestação apareceu uma mensagem reencaminhada, com o meu nome e email e um ficheiro PDF em anexo com os dados das três pessoas que se tinham proposto a organizar a manifestação. Não quis acreditar quando vi que o documento tinha sido enviado para embaixada e o Ministério, na Rússia”, afirmou ao jornal.
“É muito grave. Nunca participei em manifestações lá, mas agora que os meus dados foram passados ao MNE, a probabilidade de isto fazer disparar um algoritmo, um aviso num aeroporto, é grande. Não posso voltar ao meu país. É terrorismo de Estado, terrorismo é quando não se sabe quem será a vítima, é aleatório”, explica.
Leia aqui o comunicado da CML na íntegra:
No seguimento de notícias várias, sobre o “envio para a Rússia de dados pessoais de ativistas russos”, a Câmara Municipal de Lisboa esclarece o seguinte:
1. No dia 18 de janeiro 2021, o município de Lisboa rececionou uma comunicação respeitante à intenção de levar a cabo uma manifestação designada “Concentração em Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata”.
2. Conforme previsto na Lei (Decreto-Lei n.º 406/74), foram rececionados os dados dos três organizadores. Essa informação foi remetida pelos serviços técnicos da CML para a PSP/MAI e à entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações.
3. Na sequência do reencaminhamento desses dados foi rececionada uma reclamação junto do município em que se solicitava:
a) Ao abrigo do artigo 17º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), o apagamento dos nossos dados pessoais relativamente à Embaixada Russa/serviços consulares e outras;
b) Ao abrigo do artigo 15º do mesmo Regulamento, o acesso aos dados pessoais existentes no sentido de aferir a existência de partilha com outras entidades.
4. Foram desencadeados os procedimentos internos com vista à análise da situação, nomeadamente provocada a intervenção do Encarregado de Proteção de Dados.
5. Na sequência da intervenção deste Encarregado e dando-se sequência ao solicitado pelos requerentes:
a) Foi comunicado, ao abrigo da legislação em vigor, que as entidades recetoras deveriam proceder à eliminação dos dados;
b) Procedeu-se à eliminação dos dados pessoais, nos termos da Lei.
6. Na sequência dessa análise, foram alterados os procedimentos internos desde 18 de abril e, nas manifestações subsequentes para as quais foi recebida comunicação (Israel, Cuba e Angola) não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas.
7. A CML tem cumprido de forma homogénea a Lei portuguesa, aplicando os mesmos procedimentos a todo o tipo de manifestações, independentemente do promotor e do destinatário da mesma.
8. A CML lamenta que a reprodução de procedimentos instituídos para situações de normal funcionamento democrático não se tenha revelado adequada neste contexto. Ciente dessa realidade, os procedimentos foram desde logo alterados, em conformidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados, para melhor proteção do direito à manifestação e à liberdade de expressão, pilares fundamentais do Portugal democrático.
9. A CML rejeita de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo, a maioria das quais tem apenas como propósito o óbvio aproveitamento político a partir de um procedimento dos serviços da autarquia.
Madremedia