O número de anúncios de empresas de que pensam deslocar os seus negócios para fora do Reino Unido por causa do ‘Brexit’ abrandou, e algumas empresas já começaram a mudar de estratégia.
O boletim do índice de monitorização da consultora Ernst & Young (EY) de janeiro observou uma “pausa dos anúncios de mudanças dos seus negócios em resposta ao ‘Brexit’ entre julho e dezembro, período que coincide com a entrada em funções do atual primeiro-ministro, Boris Johnson.
“O silêncio sobre novos anúncios ao nível operacional contrasta com o aumento de empresas que fizeram anúncios públicos com objetivos específicos durante as negociações do ‘Brexit’, constatam os autores da análise.
O boletim recorda que das 222 empresas de serviços financeiros, como bancos, seguradoras e gestoras de fundos, que o índice acompanha, 41% afirmaram que planeavam mudar operações ou funcionários para a União Europeia (UE) para manter o acesso ao mercado único.
A consultora estimou em 7.000 o número de postos de trabalho que poderão ser transferidos do centro financeiro de Londres para a UE e em 1 bilião de libras (1,2 biliões de euros) o valor dos ativos que poderão acompanhá-los.
Dublin, Frankfurt ou Luxemburgo são os principais destinos destas empresas, cujo setor representa 6,9% do Produto Interno Bruto (PIB) britânico, 1,1 milhões de postos de trabalho e 29 mil milhões de libras (34,4 mil milhões de euros) em receitas fiscais.
Ainda em novembro, o grupo Allianz Global, que gere cerca de 557 mil milhões de euros, substituiu o presidente-executivo Andreas Utermann, que estava nos escritórios de Londres, por Tobias Pross, que se divide entre o quartel-general, em Munique, e Frankfurt.
Desde o referendo de 2016, várias empresas responsabilizaram o ‘Brexit’, direta ou indiretamente, pelo mau desempenho e resultados financeiros, redução de trabalhadores ou deslocação dos negócios para outros países, em particular aquelas dependentes de linhas de produção sincronizadas com a entrega de componentes vindos da Europa.
O grupo PSA, que inclui as marcas Vauxhall (Opel), Peugeot e Citroen, anunciou uma interrupção do investimento no Reino Unido até conhecer o impacto de um novo acordo de comércio pós-‘Brexit’, a Nissan desistiu de fazer o modelo X-Trail na fábrica em Sunderland, a BMW admitiu a redução da produção se forem impostas tarifas sobre os automóveis exportados, e a Honda resolveu simplesmente fechar a fábrica em Swindon.
A Agência de Comércio e Investimento alemã revelou na quinta-feira ter sido informada por cerca de 24 empresas britânicas de que iriam abrir representações no país, mas Portugal, Holanda e França foram outros dos países que registaram um influxo de empresas tecnológicas.
Mas, agora que o Reino Unido vai sair da União Europeia (UE) de forma ordenada, com um acordo que garante uma transição até ao final de 2020, algumas empresas já começaram a fazer inversão de marcha.
Um exemplo é a construtora de aviões Airbus, cujo presidente-executivo, Tom Enders, divulgou um vídeo em janeiro do ano passado, num sinal de frustração com o processo do ‘Brexit’, chamando aos deputados “uma desgraça” e ameaçando com uma saída do país.
“Não tenham dúvidas, há muitos países por aí que gostariam de construir as asas para os aviões da Airbus”, garantiu, confiante de que o emprego de 14 mil pessoas e a grande contribuição para o PIB poderiam influenciar e até inverter o rumo.
Doze meses depois, o sucessor de Enders, Guillaume Faury, assegurou à ministra da Economia, Andrea Leadsom, no início do ano, que a Airbus está “empenhada no Reino Unido e empenhada em trabalhar com o novo governo para ser um parceiro-chave de uma ambiciosa estratégia industrial”.
Citado pelo Daily Telegraph, acrescentou que via potencial para “melhorar e expandir” as operações país ainda em 2020.
Esta tendência parece ser confirmada por um estudo da consultora Bovill, que descobriu que mais de 1.400 empresas europeias estão a fazer o trajeto inverso à fuga causada pelo ‘Brexit’ e a abrir escritórios no Reino Unido.
O consultor Michael Johnson considera que “estes números mostram claramente que muitas empresas veem o Reino Unido como o principal centro dos serviços financeiros na Europa”.
AICEP considera que empresas portuguesas “estão claramente a par dos riscos”
O presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) disse à Lusa que as empresas portuguesas “estão claramente a par dos riscos” do ‘Brexit’ e reiterou que estas devem ter uma “estratégia de diversificação” preparada.
Sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, mais conhecida por ‘Brexit’, Luís Castro Henriques sublinhou que a AICEP fez “um conjunto de atividades muito grande e de divulgação durante todo este período pelo país fora, com associações e diversos setores”.
Por isso, “creio que as empresas estão claramente a par dos riscos que estão em cima da mesa”, considerou o responsável.
Luís Castro Henriques apontou três aspetos a que as empresas devem estar atentas no âmbito do ‘Brexit’.
“O primeiro aspeto fundamental é qual vai ser o enquadramento tarifário futuro”, ou seja, dentro de dois anos, quando o processo acabar, como se espera.
“E que impacto é que isso terá para mim”, enquanto empresa, prosseguiu.
O segundo aspeto “que é preciso ter em conta é qual a perspetiva que se faz da evolução da economia britânica e que impacto é que isso tem para a libra”, salientou.
Isto porque as empresas vão estar a receber em libras. Além disso, é preciso não esquecer que, “há dois anos, quando começou a andar o processo, com alguma turbulência, houve muitas empresas portuguesas que tiverem efeito de câmbio”, recordou Luís Castro Henriques.
Por último, o terceiro aspeto, ao qual a AICEP “tem dado a maior tónica de todas” e que é “absolutamente fundamental”, é ter “uma estratégia de diversificação preparada e pronta”.
Este é um caminho “que hoje em dia muitas empresas já o fazem”, sublinhou o gestor.
Acima de tudo, é “fundamental que as empresas tenham preparado o seu plano de diversificação” perante a eventualidade de um Reino Unido que venha a atravessar “um período menos certo” em termos de padrão de consumo e comportamento económico, rematou.
As exportações de bens portugueses para o Reino Unido abrandaram 0,2% até novembro, face a igual período de 2018, para 3.383 milhões de euros, enquanto as importações subiram 13,2% para 1.972 milhões de euros.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), até novembro do ano passado, o saldo da balança comercial era positivo para Portugal em 1.411 milhões de euros.
O Reino Unido é o quarto cliente de Portugal e o seu oitavo fornecedor.
Portugal é o 31.º cliente do Reino Unido e seu 27.º fornecedor, de acordo com dados do ITC – International Trade Centre.
Em 2018, havia 3.033 empresas portuguesas a exportar para o Reino Unido, mais 129 (2.904) do que em 2017, seguindo a tendência dos últimos anos.
A saída do Reino Unido da UE está prevista para 31 de janeiro, às 23:00 locais (mesma hora em Lisboa), iniciando-se então um período de transição até 31 de dezembro de 2020, durante o qual os britânicos continuarão a aplicar e a beneficiar das regras europeias, mas sem estarem representados nas instituições europeias.
Em 15 de janeiro de 2019, o Governo anunciou que iria disponibilizar 50 milhões de euros para apoiar as empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido, para mitigar o impacto da saída do país da União Europeia.