Devido a um motivo de saúde, estou há já largos meses em casa a recuperar. Como há dois anos fui bafejado com o milagre da vida pela segunda vez, fiquei a tomar conta da minha filha mais nova – e ainda bem. Porque existem momentos irrepetíveis na vida de cada um… e este é um deles. Logo, há que aproveitar.
Além de muita brincadeira etc., também temos visto alguma televisão. E como a minha pequena ainda não aprecia os laivos temperamentais de Al Pacino na trilogia do “Padrinho” – de Francis Ford Coppola, ou os filmes que compõem essa epopeia dos tempos modernos – “O Senhor dos Anéis” de Peter Jackson e muito menos Robert De Niro em obras como – “O Touro Enraivecido”, temos visto programas infantis. Muitos dos quais através da TV Cabo.
De todos os que já vimos, gostaria de destacar o programa “Bluey” – que é emitido diariamente na “Disney Junior”. Trata-se de uma série infantil australiana, de 2020, da autoria de Joe Brumm, com produção da Ludo Studio, transmitido pela emissora pública – “Australian Broadcasting Corporation” e pela BBC – “British Broadcasting Corporation”. Ao olhar para o trama narratológico, tem como contexto a cidade australiana de Brisbane e segue as peripécias Bluey, uma cadela antropomórfica, “Blue Heeler”, de seis anos de idade, que é filha de uma família da mesma raça – que é composta pelo pai – “Bandit”, mãe – Chilli e a irmã mais nova – “Bingo”. Para além destas personagens principais, destacam-se as primas “Muffin” e “Socks” e os amigos: Chloe (da raça dálmata), Lucky (“Golden Retriever”), Honey (“Beagle”), Mackenzie (“Border Collie”), Coco (“Poodle”) Snickers (“Dachshund”), Jack (“Jack Russell”), Rusty (“Kelpie Australiano”) e Indy (uma galgo).
Nesta série enfatizam-se temas como a importância da vida familiar vivida em harmonia, a compreensão da aplicação de valores construtivos como: empatia, convívio, compreensão, solidariedade, a importância da partilha de tarefas repartidas entre todos, defesa do ambiente e uma parentalidade assente na promoção de reforços positivos constantes por parte dos pais. Cada programa culmina sempre com a transmissão de um dos valores supramencionados. Isto é – há sempre um valor moral no final de cada episódio.
Ao ver esta série, fui imediatamente transportado para o imaginário televisivo dos dois canais que serviram de lareira catódica à minha infância. Recordei programas como a “Rua Sésamo” (transmitida na RTP entre – 1989 e 1996), “Os Amigos de Gaspar” (transmitida na RTP entre 1986 – 1989) etc.
Porém, mais do que estes programas de excelência, lembrei-me de um que via regularmente nos Estados Unidos da América – o “Mister Rogers Neighborhood” (1968 – 2001) da emissora do estado de Pensilvânia (WQED) que faz parte do serviço público de televisão norte – americana pública – PBS (“Public Broadcasting Service”). Trata-se de uma série infantil, de cariz educacional, criada, produzida e apresentada por Fred Rogers (1928 – 2003) pedagogo, animador, apresentador e ministro da Igreja Presbiteriana.
Este programa passava uma mensagem de cariz social, sublinhava a importância da vida em comunidade. Falava da importância de termos amor próprio. Reiterava que não é necessário aspirar a ser outra coisa só para sermos aceites. Proponha que se olhasse para o mundo com curiosidade, apreço e admiração. E dizia que a missão mais importante que temos era a de fazer o mundo um lugar melhor. “Nós vivemos em um mundo onde nós precisamos compartilhar a responsabilidade que cada um tem”, disse Fred Rogers em 1994 acerca do papel que cada um de nós tem que desempenhar na vida em sociedade.
Num momento em que os processos de desumanização estão novamente num auge- aliás, basta ver a forma, quase autómata – que recorda a frieza metálica da andróide Maria do filme “Metropolis”, de 1927, de Fritz Lang, como temos lidado com a crise sanitária que se abateu sobre nós, é bom vermos que há programação destinada aos mais novos que olha para além do materialismo, individualismo, entretenimento fácil, da violência e da intriga para passar uma mensagem que é verdadeiramente estruturante. Aliás, mais do que isso – cumpre com os desideratos do que deve ser um verdadeiro serviço público de média.
De acordo com as propostas para existência de um “Serviço Público de Televisão”, da autoria da UNESCO, e o recente “Manifesto da Serviço Público de Média e de Internet” (2021), é importante recordar o destaque que é dado à responsabilidade que o estado tem em providenciar um serviço mediático que informe, eduque e seja edificante, de uma forma isenta. Nesta ecologia que é cada vez mais comercial, é importante tratar todos os consumidores como cidadãos e não como consumidores. E em programas como a “Bluey” sublinha-se a importância que a programação televisiva deve ter enquanto agente de socialização desde a mais tenra idade. Este tipo de programa destaca uma dimensão educativa e de transmissão de valores sócio-culturais que deviam pautar cada vez mais este tipo de programação para estas faixas etárias.
Luís Miguel Pato
Docente e Profissional em Comunicação”