A fadista Amália Rodrigues, que chegou a ser acusada de estar ao serviço do Estado Novo, financiou presos políticos e apoiou a causa antifascista durante a ditadura, revela uma investigação publicada hoje pela revista Visão Biografia.
Numa altura em que se assinalam os vinte anos da morte da fadista, aquela publicação revela uma investigação do jornalista Miguel Carvalho sobre a forma como Amália Rodrigues lidou com as pressões do regime de Oliveira Salazar e, ao mesmo tempo, manteve relações clandestinas com a oposição, apoiando intelectuais oposicionistas.
Na investigação, feita com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, são apresentados documentos oficiais que tanto confirmam que Amália Rodrigues foi vigiada pela PIDE, a polícia política da ditadura do Estado Novo, por suspeita de apoio aos comunistas, como revelam que manteve atitudes ambíguas com o regime.
Entre os documentos revelados está um registo dos serviços centrais da PIDE com o pedido de bilhete de identidade de Amália Rodrigues, de 1957, e um relatório de 1939 que incluía o nome da fadista na denominada “Organização Comunista no Fado”.
É ainda revelada uma carta do arquivo de Oliveira Salazar, “até hoje inédita”, que Amália Rodrigues lhe escreveu dias antes da inauguração da atual ponte 25 de Abril, em 1966, e na qual, escreve o jornalista Miguel Carvalho, a artista “se derrete de orgulho pátrio e elogios ao destinatário”.
Na Visão Biografia, lê-se que Amália Rodrigues foi “capaz de dançar ao som da música do regime”, enquanto ajudou e deu dinheiro a quem lutou e sofreu para o derrotar.
Cruzando depoimentos recolhidos para esta investigação, factos históricos, depoimentos de arquivo, recortes de imprensa e várias entrevistas de Amália Rodrigues, a investigação jornalística junta pontas soltas sobre as relações políticas e privadas da fadista, que morreu em 1999.
Um dos testemunhos recolhidos é o do histórico político do PCP Domingos Abrantes que afirma ser “um facto confirmadíssimo” que Amália Rodrigues, por exemplo, ajudou o MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática).
“Ela sabia para o que estava a dar”, garantiu Domingos Abrantes, 83 anos. “E nessa época de grande repressão, tudo o que era mais ou menos organizado estava ligado ao PCP. O resto é conversa”, opinou.
Os testemunhos reunidos convergem na ideia de que Amália Rodrigues apoiou por diversas vezes, com dinheiro, portugueses exilados, protegeu amigos antifascistas e tentou influenciar a libertação de presos políticos, nomeadamente de Alain Oulman, o compositor com quem colaborou nas décadas de 1960/1970, com quem fez os álbuns “Busto” (1962) e “Com que Voz” (1970), e com quem cantou o poema “Por teu livre pensamento”, de David Mourão-Ferreira, no fado “Abandono”, numa alusão direta à prisão do Forte de Peniche.
Sobre as ambiguidades apontadas à fadista, é citada uma conversa, gravada em vídeo, feita em 1989 na sua casa no Alentejo, em que diz: “Quando convinha, eu era comunista, quando não convinha, eu era fascista”.
Acreditando que Amália Rodrigues tinha “um fundo conservador”, David Ferreira – antigo editor discográfico e filho do poeta David Mourão-Ferreira – afirma na reportagem da Visão Biografia que a fadista “era uma grande inteligência, um espírito aberto. E os espíritos abertos têm a atração natural da liberdade e não aceitam que seja de outra maneira”.
Em 2020 assinalam-se os cem anos do nascimento de Amália Rodrigues.
Lusa / Madremedia