“A nacionalidade não é um bem de luxo, é um direito”. Reveja as principais ideias discutidas no debate da lei da nacionalidade

A Lei da Nacionalidade voltou hoje à Assembleia da República, cerca de um ano depois de terem entrado em vigor as últimas alterações. Em discussão estiveram os projetos de lei do BE, PCP, PAN e Livre. Da necessidade de reconhecer “um sentimento de pertença” a uma lei que corre o risco de ser “a la carte”, os partidos não se entenderam quanto às propostas apresentadas. Alvo de maior discórdia são as propostas do BE, do PCP e do Livre. Já a proposta do PAN reúne a simpatia da maioria dos partidos.

A Lei da Nacionalidade já sofreu várias alterações e a última foi em julho de 2018, quando foi alargado o acesso à nacionalidade originária aos filhos e filhas de imigrantes que residam há dois anos em Portugal.

No entanto, há quatro partidos que pediram que o tema voltasse a ser discutido no parlamento. BE, PCP, PAN e Livre apresentaram projetos de lei (veja mais abaixo o que propõe cada partido), e hoje o plenário reuniu-se para os debater.

Quanto às propostas do BE, PCP e Livre, os outros partidos não se mostraram favoráveis à sua aprovação. Já o projeto de lei do PAN reúne o possível apoio do PS e do PSD, uma vez que “resolve um problema histórico”, disse no debate a socialista Constança Urbano de Sousa.

As propostas serão votadas amanhã.

O momento mais aceso do debate foi a discussão entre a deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, e o democrata-cristão Telmo Correia.

Reveja os principais pontos do debate:

  • O debate começou com a apresentação, em poucos minutos, das propostas de cada partido.
  • “A nacionalidade não é um bem de luxo, é um direito”. Beatriz Gomes Dias, deputada do Bloco de Esquerda, abriu assim a discussão. O BE pretende a atribuição da nacionalidade portuguesa a todas as pessoas nascidas em Portugal a partir de 1981 e critica a concessão de nacionalidade por via dos vistos gold.

  • Logo de seguida, foi a vez de Inês Sousa Real. Para a deputada do PAN, as alterações que o partido sugere são “da mais elementar justiça” e devidas a quem tem um “sentimento de pertença” ao país. Para o partido, a atual lei gera um “situação socialmente delicada, uma vez que em muitos casos deu origem a situações de não documentação que contribuíram para uma grave ostracização” das pessoas nascidas em Portugal após o 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da lei da nacionalidade.

  • Para o PCP, as últimas alterações aprovadas no parlamento “deviam ter ido mais longe”. Mas o partido “votou favoralmente pelo progresso que representaram”, disse António Filipe, que terminou afirmando que os comunistas estão “na disposição” de aprovar as propostas que sejam apresentadas.
  • Joacine Katar Moreira, deputada única do Livre, sublinhou que há as pessoas nascidas em Portugal e a viver no país “não deixam de se sentir nacionais”, independentemente de o Estado os reconhecer como tal ou não. O Livre defende a atribuição da nacionalidade aos cidadãos nascidos em Portugal entre 1981 e 2006 “por mero efeito da lei, independentemente da apresentação de prova de residência legal de um dos seus progenitores”.
  • O último a falar ao centro foi José Luís Ferreira, do partidos Os Verdes. O deputado justificou a necessidade de trazer para o debate a lei da nacionalidade, “no contexto dos fluxos migratórios” crescentes que se tem observado. José Luís Ferreira usou o termo “apátridas” para explicar o sentimento que as pessoas que nascem em Portugal têm por não conseguirem obter a nacionalidade.
  • Depois da apresentação das propostas, o debate foi aberto aos restantes partidos.
  • Constança Urbano de Sousa, pela bancada do PS, lembrou que a última alteração à lei já concede o acesso à nacionalidade originária aos filhos e filhas de imigrantes que residam há dois anos em Portugal. A deputada socialista concorda com a proposta do PAN, mas apresentou críticas às restantes propostas. Constança Urbano de Sousa terminou a sua intervenção dizendo que “é uma falácia dizer que a atual lei não consagra” o jus soli [princípio pelo qual uma nacionalidade pode ser atribuída a um indivíduo de acordo com seu lugar de nascimento] e que com as propostas do BE, do PCP e do Livre corremos o risco de estar “a fabricar de forma artificial cidadãos portugueses”.
  • “A atribuição da nacionalidade é importante demais para que ande ao sabor de ventos”, defendeu Catarina Rocha Ferreira, acrescentando que “temos uma das legislações mais amplas da Europa”. À semelhança da deputada do PS, também a deputada social-democrata discorda dos projetos do BE, do Livre e do PCP, e ressalva estar de acordo com o projeto do PAN. Catarina Rocha Ferreira chegou a dizer que a nacionalidade “não pode ser a la carte, sob pena de poder vir a ser um incentivo à imigração ilegal”.
  • De seguida, teve a palavra André Ventura. O deputado do Chega também considera a nacionalidade um tema essencial, manifestando o seu orgulho em ser português, mas discordando das propostas que foram apresentadas, por gerarem “uma espécie de nacionalidade portuguesa em saldos para quem a quiser comprar, e que a esquerda quer vender para fazer de nós um parente pobre da Europa”. “O Chega nunca permitirá que a nacionalidade seja vandalizada”, afirmou André Ventura.
  • A liberdade de escolha como bandeira da Iniciativa Liberal foi também aqui usada por João Cotrim de Figueiredo. A nacionalidade é “um exercício de liberdade de escolha” e não deve ser usado “de forma abusiva”. Para o deputado único da IL, a nacionalidade deve “depender da efetiva ligação do indivíduo a Portugal”, pelo que o partido assume que votará “contrariamente” às propostas apresentadas.
  • Telmo Correia considera que o direito de pertença a uma comunidade deve ser dado a “quem aceita um conjunto de regras comuns” e não a “qualquer pessoas em qualquer circunstância”. O deputado do CDS-PP sublinhou uma questão já antes trazida: a de que as propostas apresentadas correm o risco de contribuir para o aumento da entrada ilegal de pessoas no país. Telmo Correia fez questão de dizer que elementos de um dos partidos que defende a alteração à lei da nacionalidade atacaram a simbologia nacional – o deputado referia-se ao Livre. Joacine Katar Moreira pediu, mais à frente uma intervenção em defesa da honra.
  • Inês Sousa Real, do PAN, pediu para voltar a ter a palavra para reforçar que aquilo que o partido propõe é apenas “uma correção histórica” para incluir “as pessoas que foram deixadas de fora nas sucessivas alterações” à lei. Este é, de resto, um dos poucos pontos com que muitos dos outros partidos concordaram.
  • Chegou, então, a intervenção em defesa da honra (uma figura que está prevista no regimento da Assembleia da República), solicitada por Joacine Katar Moreira. A deputada única do Livre respondeu a Telmo Correia afirmando que considera “inadmissível” ser acusada de andar “em manifestações a atacar qualquer simbologia nacional”. “Em momento algum eu  atentei à simbologia nacional”, sublinhou.
  • Este foi o momento de maior exaltação no debate. Tendo direito de resposta, Telmo Correia tentou esclarecer que as suas palavras não diziam respeito à deputada, mas sim a “pessoas do seu partido que disseram que a bandeira nacional era colonialista”, o que o deputado do CDS-PP considera “inadmissível”. O deputado centrista aproveitou o momento para aludir à falta de entendimento entre Joacine Katar Moreira e o próprio partido.
  • O debate encerrou quase da mesma forma que terminou: Beatriz Gomes Dias, do BE, voltou a pedir a palavra para dizer que “ser português não tem só uma cor e uma origem” e que, onde alguns deputados “veem invasão”, os bloquistas veem “sonhos e ambições”. A deputada terminou jogando de novo a carta da nacionalidade que é comprada por questões de negócio: muitos dos indivíduos a quem hoje é recusada a nacionalidade, “sentem-se portugueses, ao contrário das pessoas que compram os vistos gold que os senhores defendem”, rematou.

O que propõe o projeto de lei de cada partido?

O BE considera que os desenvolvimentos de 2018 ficaram “muito aquém”. Agora pretende a atribuição da nacionalidade portuguesa a todas as pessoas nascidas em Portugal a partir de 1981, eliminando-se os critérios de um dos progenitores ter nascido no país e aqui ter residência ao tempo do nascimento da criança.

proposta do BE quer também que se acabe com “a perversa norma que impede a aquisição da nacionalidade portuguesa aos cidadãos estrangeiros que tenham sido condenados a pena de prisão igual ou superior a três anos”.

projeto do Partido Comunista Português (PCP) propõe que possam ser portugueses os cidadãos nascidos em Portugal, “desde que um dos seus progenitores seja residente no nosso país, e que na aquisição da nacionalidade por naturalização, os cidadãos nascidos em Portugal a possam adquirir, sem que isso dependa do tempo de residência em Portugal dos seus progenitores”.

“Faz todo o sentido considerar portugueses de origem todos os filhos de cidadãos não nacionais, nascidos em Portugal, desde que esse nascimento não tenha sido meramente ocasional numa passagem por Portugal de pessoas nem cá residem nem cá querem residir”, defende o partido.

projeto de lei do Partido Animais e Natureza (PAN) alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em Portugal após o 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade.

A proposta do PAN procura assegurar “a correção de uma situação de injustiça que existe relativamente a um conjunto de cidadãos, nomeadamente afrodescendentes nascidos em Portugal, entre 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade, a quem a lei não reconheceu o direito à nacionalidade portuguesa”, sendo uma “situação socialmente delicada, uma vez que em muitos casos deu origem a situações de não documentação que contribuíram para uma grave ostracização destes cidadãos”.

Já o projeto do Livre prevê a atribuição da nacionalidade aos cidadãos nascidos em Portugal entre 1981 e 2006 “por mero efeito da lei, independentemente da apresentação de prova de residência legal de um dos seus progenitores”.

O Livre quer também fazer depender a aquisição da nacionalidade por casamento ou união de facto “por mera declaração” e definir a residência efetiva e não a residência legal no que diz respeito à contagem do tempo para atribuição da nacionalidade portuguesa.

Mas a discussão de hoje esteve para acontecer sem a proposta do Livre, partido que teve na lei da nacionalidade uma bandeira durante a campanha eleitoral. Tudo porque o partido entregou o projeto de lei fora do prazo estipulado.

O que levou ao atraso e porque foi a proposta do Livre afinal incluída no debate?

A deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, entregou o projeto de lei do seu partido ao final do dia 26 de novembro, já fora do prazo limite, 22 de novembro. A entrega só foi feita quatro dias depois, porque “não correu como o esperado” devido a problemas de comunicação, justificou na altura uma assessora do partido ao Público.

A deputada falhou, assim, o prazo estabelecido pelo “acordo de cavalheiros” definido na legislatura anterior, que indica que os partidos devem entregar as suas propostas até à sexta-feira seguinte à conferência de líderes onde se decide sobre o debate.

Havia ainda a hipótese de, por consenso de todos os partidos, a iniciativa tardia do Livre poder ser arrastada para o debate sobre o assunto, mas nem todos concordaram em abrir exceções à tal regra do “acordo de cavalheiros”.

O Bloco de Esquerda confirmou ao SAPO24, no dia 26 de novembro, que deu o seu acordo para a discussão do projeto de lei do Livre. O PAN referiu não ter recebido qualquer requerimento ou contacto formal do partido da papoila. Já o PCP, avançava o jornal Público, ia travar a admissão do projeto de lei do Livre para o debate de 11 de dezembro.

Ferro Rodrigues conseguiu entretanto um consenso entre os partidos para incluir a discussão da proposta de Joacine Katar Moreira. De acordo com fontes parlamentares, o presidente da Assembleia da República contactou os responsáveis das sete bancadas com assento na conferência de líderes e obteve a sua concordância para ultrapassar o impasse gerado.

Madremedia