09.4.2023 –
“Boas festas, aleluia! Aleluia! Cristo ressuscitou, aleluia!”, costumam saudar-se os cristãos uns aos outros no Domingo de Páscoa. Nesta atmosfera saúdo cristãos e não cristãos também!
A tristeza e a alegria andam juntas e complementam-se. O paleontólogo e teólogo Teilhard de Chardin convida-nos à reflexão constatando que, tal como no cristianismo das origens, “A cruz não é apenas um símbolo do lado obscuro e regressivo…, mas sobretudo do lado sublime e luminoso do universo em formação”.
De facto, a cruz une os polos, as forças opostas e as contradições contidas nela congregam e libertam as mais altas potencialidades e possibilidades da e para a vida. Na cruz está resumida a cruz da humanidade e a cruz da realidade (do mundo físico). De facto, poderíamos considerar a cruz como a grande fórmula da Realidade imanente e transcendente no cadinho da vida em efervescência. Segundo Alfons Rosenberg não se trata de imitar a cruz, mas de se “tornar a cruz”. Na cruz o encontro da polaridade refuta a visão dualista da vida (maniqueísmo) de nos fixarmos no bem ou no mal. Na cruz e na pessoa de Jesus Cristo podemos ver juntas as polaridades do mundo e da humanidade numa dinâmica semelhante ao símbolo de Yin-Yang do oriente. Na existência fazemos a experiência de que muito dela é cruzada ou riscada com a consequente experiência do fracasso, mas ao mesmo tempo lá está o eixo vertical a apontar para a transcendência. Espiritualidade e corporalidade precisam de equilíbrio. A linha transcendental da vida cruza a linha horizontal da mesma para que nossa existência seja correta e equilibradamente elevada. A nossa forma humana revela-nos como sendo portadores da estrutura da cruz. Em termos de simbologia, o eixo transversal da cruz mostra a conexão com a terra e com o corpo acentuando o eixo feminino (vida existencial, irmandade solidariedade), o aspecto biológico da vida, enquanto a acentuação do vertical, o eixo masculino (vida abstraída) acentua a verticalidade. A demasiada acentuação de um ou outro eixo (ou de um dos quatro braços) pode criar desequilíbrios críticos na vida humana. Assim a demasiada acentuação do eixo vertical pode corresponder a uma análoga dessensualização do pensamento e pode conduzir à falta de relacionamento na área humana (Jesus é o exemplo ou protótipo humano do equilíbrio das diferentes forças). Na sociedade humana corre-se o perigo de se acentuar demasiadamente o factor racional/abstracto em desfavor de o humano. Alfons Rosenberg (judeu convertido ao catolicismo) na sua meditação da cruz, ao descrever o significado da acentuação dos quatro braços dela, diz que a cruz latina, ao contrário de outras cruzes, acentua o masculino-patriarcal através do eixo vertical prolongado. Revela uma certa discrepância entre o aspecto místico da cruz e o aspecto da igreja institucionalizada. Importante é estar-se consciente da dinâmica e tensão criada na acentuação de um dos braços na existência real e na vida pessoal.
A cruz de braços estendidos envia o fluxo de vida para o mundo numa espécie de ciclo vital que tudo envolve incluindo o fluxo de vida dos seres humanos.
A cruz une o espírito e a matéria, o humano e a natureza tal como Jesus Cristo reúne e une nele a divindade, a humanidade, o espírito e a matéria.
Romano Guardini (1885-1968) grande teólogo e filósofo diz que o sinal da cruz “É o sinal do universo e é o sinal da salvação”. De facto, no cristianismo dos princípios, a cruz representava o “sinal do filho do homem „ que aparecerá nas nuvens do céu para a renovação do mundo. A fixação do significado da cruz na cruz da gólgota (Cristo crucificado), tão importante na piedade popular, não deve ser reduzido a tal e deixar esquecida a extensão cósmica da cruz que tem um significado que envolve toda a natureza (até a física quântica). Neste sentido é de recordar a teologia do “Cristo Cósmico” de Teilhard de Chardin!
Fazer o sinal da cruz (persignar-se e benzer) é um gesto importantíssimo da fé e muito efectivo, se for realizado com interioridade (presença vivencial de Deus, da humanidade e do universo), para ser-se abençoado e abençoar; abençoar o próximo, animais e a natureza com o sinal da cruz é um gesto salutar para o próprio e para os outros (pode ser efectuado de forma reservada!) Naturalmente, como sinal do universo pode ser usado por cristãos e não cristãos!
O sinal da cruz expressa resumidamente a fé cristã no Deus Triúno e é símbolo de salvação por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Fazer o sinal da cruz não é apenas um gesto externo, mas expressa uma atitude interior do coração. É uma expressão de humildade e vontade de carregar e seguir a cruz de Jesus Cristo. Nesse sentido, o sinal da cruz é um símbolo de devoção e confiança em Deus.
Na cruz temos a perspectiva de Deus, do humano e do mundo; nela está consagrada também a corporalidade do homem e de todas as coisas.
Também o orar de braços abertos afirma a corporalidade aberta em cruz que poderíamos sentir como ressonância de Deus e do universo em nós e de nós em Deus e no universo. Como disse são gestos que podem também ser feitos por pessoas não cristãs e ao fazê-lo sentirão o aspecto benéfico no espírito e no corpo. Para quem nunca o fez pode experimentar fazê-lo, por exemplo, ao pôr do sol, ao levantar do sol, numa noite de céu estrelado, junto ao mar ou ao ouvir uma música envolvente que passa a habitar em nós. Importante será criar em nós um espaço recolhido para entrar numa atitude de admiração, apreço e respeito e ao mesmo tempo fazer o exercício de inspirar o amor que tudo une e expirar-se algo que nos fere ou preocupa. Nesse inspirar e expirar pode ser que se tenha a dita de se sentir interiormente a morte e ressurreição (uma espécie de osmose espiritual entre o divino e o humano provocadora de uma vivência da unidade do todo que envolve a paixão e a ressurreição num aleluia exuberante que poderia até expressar-se como orgasmo da alma).
António CD Justo – Teólogo e Pedagogo – “Pegadas do Tempo”