A “chieira”, que no Minho significa orgulho de ser mordoma no desfile que percorre Viana do Castelo, durante a Romaria d’Agonia, deixou de ser um sentimento só das vianenses e “já é de todas as mulheres do mundo”.
“A “chieira” é do mundo completamente. Nós chegamos a toda a parte do mundo com as nossas cores, o nosso ouro, a nossa vaidade em ser vianenses”, afirmou hoje à Lusa Maria João Matos, uma das 630 mordomas que hoje participam no desfile da mordomia, número emblemático das festas da capital do Alto Minho.
Este ano, pela primeira vez, a Comissão de Festas da Senhora d’Agonia criou uma plataforma ‘on-line’ para facilitar o processo de inscrição a todas as interessadas em participar num dos números mais emblemáticos da romaria.
Natural de Afife, freguesia do litoral do concelho, Maria João Matos, de 33 anos começou a participar no desfile aos 14 anos, a idade a partir da qual é permitida a participação no desfile.
A enfermeira, no IPO do Porto, “já contagiou” as colegas de trabalho com “o orgulho e a vaidade” de ser mordoma.
“Sentir ’chieira’ é sentir a tradição. A mistura das cores, o ouro e poder transportar esse orgulho em ser vianense para bem longe”, explicou “ansiosa” pelo início do desfile, indiferente ao calor intenso que se fazia sentir e à espera de quase uma hora para a partida.
É daquele local que partem para percorrer as principais ruas da cidade, deixando um rastro de cor desde a vermelha, verde e amarela dos típicos e garridos do traje à Vianesa, o primeiro do país a conseguir a certificação.
Outra mordoma da Afife, Margarete Couto, de 36 anos está sentada à sombra de uma das árvores do jardim a “aliviar” o calor que se faz sentir, aumentado pelo traje “centenário” que enverga.
Trocou a aldeia natal por Lisboa para trabalhar, mas, desde os 14 anos, só faltou dois anos ao desfile. Este ano, a explicadora trouxe duas jovens, irmãs, da Cova de Santa Iria, que desafiou, durante as explicações, a participarem na tradição.
“Elas pensavam que isto era uma tradição exclusiva das mulheres de Viana, mas não Viana abraça toda a gente e recebe toda a gente com muito carinho”, explicou Margarete.
Para trajar as duas raparigas, explicou, “toda a aldeia se juntou”.
“As pessoas emprestaram os fatos com mais de 100 anos e o ouro. Depois expliquei-lhes um pedacinho de história desta tradição para que sentissem a nossa cultura”, referiu, orgulhando-se de já ter trazido às festas pessoas da Bélgica, da França, entre outros países.
A explicanda, Rita Conceição, de 14 anos, está “incrédula”. Ao lado a irmã mais nova e mais tímida, observa. Só Rita quer falar e diz tratar-se de “experiência única”.
“A nossa explicadora, como é de Viana, convidou-nos a vir desfilar. Achamos que era uma oportunidade única e decidimos aceitar o desafio” disse a jovem, confessando: “Nunca tinha visto tanto ouro junto, tanta gente, tanta cor. Estou a gostar muito”, disse.
Além dos típicos e garridos trajes à Vianesa, os primeiros do país a conseguir a certificação, não faltam também os fatos de noiva mais sóbrios, de cor preta. Neste número, algumas das mulheres chegam a carregar dezenas de quilos de ouro, reunindo as peças de famílias e amigos num único peito, simbolizando a “chieira” e outrora o poder financeiro das famílias.
O traje assume-se como um símbolo tradicional da região, nas suas várias formas, consoante a ocasião e o estatuto da mulher. Em linho e com várias cores características, onde sobressai o vermelho e o preto, era utilizado pelas raparigas das aldeias em redor da cidade de Viana do Castelo.
As características deste traje, como o seu colorido e a profusão de elementos decorativos, permitem identificar facilmente a região de origem, no concelho, motivo pelo qual se transformou, segundo os especialistas, “num símbolo da identidade local”.