Vasco Espinhal Otero: Um cantanhedense com “arte nas veias”

30.5.2023 –

Homem de muitos projetos artísticos, Vasco Espinhal Otero e as pessoas que o acompanham estão sempre prontos a novas ideias, em nome da arte da Gândara. Uma entrevista que vale a pena ser lida até ao fim, para sentir que a boa arte não precisa estar nos grandes centros urbanos…

MO – Antes de mais, conte-nos quem é Vasco Espinhal Otero.

 VEO – Sou natural de Cantanhede, psicólogo das organizações e orientação vocacional. Formado em Coimbra, trabalho na área de Gestão de Eventos Culturais no Município de Cantanhede, faço rádio na RUC em Coimbra e escrevo artigos de opinião há duas décadas. Componho e integro vários grupos musicais como “Pirata Grau” e “Sins of a Man”. Sou homem dos 5 continentes, adoro viajar, sou co-fundador do projeto “Conversa de Viajantes”. Também sou o cinéfilo responsável pelas “4ª Clássicas” que vai no oitavo ano de programação, criador do projeto “Cabra Cor de Rosa” e realizador de cinema com o filme “Epopeia Gandareza” com produção do Cineclub Bairrada, entre outros…

MO – O cinema é, claramente, uma paixão sua. Consegue recordar-se do(s) momento(s) em que a sétima arte “entrou” em si?

VEO – Desde muito novo que aprecio a magia do cinema, em especial em sala. Sou apaixonado pela história do cinema e sempre gostei muito dos detalhes de ligação entre o som e imagem, entre o filme e a sua banda sonora. Fui refinando este gosto com o meu irmão e alguns amigos cinéfilos.

Entretanto entrei na Rádio Universidade de Coimbra em 2003 e lá fiz, entre outros, programas sobre cinema e bandas sonoras, assim como sessões de DJ set desta temática com o projeto Cinemusicorium. Cheguei até a organizar e apresentar um concerto com a Orquestra Clássica do Centro só com músicas de filmes! Sempre fui um apreciador, nunca pensei em ser criador, mas depois houve um “clik” decorrente de um certo contexto cultural e artístico se gerou na nossa região…

Ora, há quase uma década atrás, gerou-se um movimento artístico e cultural no concelho de Cantanhede, do qual fiz parte, denominado Coletivo Artístico Efervescente, formado por pessoas ligadas a várias artes e ofícios nascidos e/ou residentes no nosso concelho que queriam cruzar conhecimentos e criar produtos artísticos originais aqui e com recursos de cá.

Quisemos contrariar a lógica de termos de ir lá para fora para se poder assistir e/ou criar espetáculos diferentes e que, paradoxalmente, só mais tarde já consagrados são recebidos por regiões como a nossa. A visão foi e continua a ser poder “gerar e depois exportar” a arte gerada no nosso concelho, ligando tradição e inovação de forma genuína, arrojada e diferenciadora e, assim, acrescentar referências a Cantanhede no mapa.

Projetos como a Lúcia Lima Associação Cultural em Cadima, a Festa da Anaia na Pena, os cine-concertos das “4ª Clássicas”, o próprio Cineclub Bairrada, o Festival da Catraia na Praia da Tocha, entre outros têm, de uma forma ou de outra, essa origem e inspiração comum que continua a dar frutos.

Também a realização da longa-metragem “Epopeia Gandareza” nasce precisamente neste processo e neste contexto, não é um evento isolado…

MO – Fale-nos do projeto “4ªs Clássicas”. Parece estar a crescer para outros centros… até onde podemos esperar que ele chegue?

As sessões de cinema e de cine-concertos das “4ª Clássicas” ocorrem em Cantanhede mensalmente desde 2016, estando o projeto no seu oitavo ano de programação, com várias dezenas de apresentadores de filmes, muitos músicos da região a criarem cine-concertos muito interessantes e que têm sido bastante elogiados.

Esta iniciativa em Cantanhede decorre com a curadoria e organização do Cineclub Bairrada (cuja Secção de Cantanhede está sediada na Lúcia Lima Associação Cultural – Cadima) e da Associação fotografARTE, contando com o apoio do Município de Cantanhede, União de Freguesias Cantanhede e Pocariça, Caixa de Crédito Agrícola de Cantanhede e Mira, Unidade Pastoral de Cantanhede, Cinemusicorium e Coletivo Artístico Efervescente.

Contudo desde 2019 que se iniciou um processo de expansão regional do projeto para os concelhos de Anadia, Mealhada, Águeda, Oliveira do Bairro e brevemente ainda em mais concelhos da região da Bairrada, como por exemplo Mira, no âmbito da intervenção cultural estruturada do Cineclub Bairrada.

Este nosso cineclube, que celebra este ano o seu quarto ano de existência, é o único cineclube regional em Portugal e é motivo de muito orgulho, tendo como objetivo geral a divulgação do Cinema, contribuindo com todos os meios para o desenvolvimento da cultura, dos estudos históricos, da técnica e da arte cinematográfica.

Congrega associações culturais dos vários concelhos da região da Bairrada e tem vindo a apostar na formação, programação e produção, com especial interesse no registo do património imaterial (projeto Herança Docs Bairrada) e no apoio a novos criadores da região. A lógica é unir esforços para poder pensar em grande, ganhar escala e assumir a força da Bairrada como território cinematográfico.

Falta ainda concretizar o processo em Mira e Vagos, mas as coisas estão em andamento. No caso de Mira, eu pessoalmente sonho com filmes e cine-concertos ao ar livre na Praia de Mira no Verão por exemplo. Vamos ver se isso se concretiza e também outras iniciativas em recinto fechado claro. Sinceramente, acho que Mira merece.

MO -O filme “Epopeia Gandareza” tem recebido prémios internacionais. Qual a sua “relação” com esta obra? Como ela nasceu e foi sendo construída?

Esta “teimosia” que começou a ser desenvolvida em 2016, de forma independente e depois com produção do Cineclub Bairrada, através do projeto “Cabra Cor de Rosa”, cujo conceito passa pela construção de bandas sonoras para cenários projetados, imaginários ou reais, a solo ou com banda. Música, sonoplastia, poesia, entre outros ambientes sonoros servem de companhia para cinema, vídeo, fotografia, pintura, entre outras formas de expressão.

O filme “Epopeia Gandareza” comporta elementos de vários géneros cinematográficos: filme manifesto, artístico, experimental, musical, ambiental, documental e ficção científica. Tem excertos de poesia de grande escritor Carlos de Oliveira (que continuo a achar que é muito mais do que um neo-realista). A edição esteve a cargo de Paulo Fajardo, Samuel Filipe e Vanessa Rodrigues, com filmagens de drone do João Amorim e com a banda sonora a ficar a cargo de músicos como Sylvain Barreto, João Toscano, Vasco Faim, Gabriel Salvador, Vasco Carvalho, Francisco Saldanha, Carolina Pessoa, Paulo Viegas, José Miguel Pires, Carlos Pilu e eu próprio, entre outros com a produção musical feita por Sylvain Barreto.

Nesta epopeia, o espectador é convidado a adotar a visão de uma narrador divino ou extra-terrestre, vindo dos confins do Cosmos e do início microscópico da vida, que chega ao nosso planeta até chegar à região da Gândara, em Portugal… No entanto, o filme não se fecha nesta região geográfica, ela é apenas uma referência, um ponto de passagem, uma cultura própria e única, mas entre muitas desta aldeia global. Daí também o adotar do conceito de epopeia, um pouco como Camões fez com “Os Lusíadas”. Os desafios ambientais também são abordados, a ameaça de oblívio da humanidade, mas há também um apontar de soluções na diversidade cultural, partilha emocional e arte científica.

Para o espetador / ouvinte trata-se, no fundo, de uma experiência sensorial e intuitiva, uma viagem guiada ao longo dos vários capítulos, embalada pela música. É este o seu propósito principal. Pausar, sentir, incomodar, deliciar, confrontar, refletir e transpor para um plano de meta-análise. O seu ritmo e tom são estabelecidos pela justaposição intencional de imagens e som, é esta a sua linguagem, provavelmente universal.

O reconhecimento nacional e internacional tem sido, sem dúvida, uma grande satisfação, tendo em conta que há milhares de filmes a candidatarem-se em todo o mundo e há tantos filmes de excelente qualidade em competição. Obviamente que é bom sentir que valeu a pena. Mas há que ter sempre os pés no chão, pois quando não somos selecionados ou premiados não deixamos de ter valor cultural.

Repare que este filme já foi traduzido para onze línguas diferentes e para mim pessoalmente poder assistir in loco e/ou saber que o filme está a ser mostrado em sala ou ar livre em plateias de países tão distantes como Argentina, Índia, Malásia, Bolívia, África do Sul, Estados Unidos, entre outros é uma grande alegria. Os prémios se vierem ótimo, se não vierem bom na mesma.

No nosso país, foi também muito importante e motivo de orgulho termos feito a estreia oficial do filme no Festival de Cinema de Avanca no ano passado, tendo sido um dos 3 finalistas da competição na categoria “Longa-metragem – Competição Avanca”.

A “Epopeia Gandareza” continuará em exibição em festivais, salas e cine-teatros do país e além-fronteiras, mas a nossa grande aposta passa pela realização da digressão em formato de cine-concerto, com exibição do filme acompanhada com a interpretação ao vivo da sua banda sonora pelo projeto Cabra Cor de Rosa.

Primeiramente queremos cobrir a Região Centro, depois o resto do país e estrangeiro. A estreia vai ser em Cantanhede a 7 de Junho, depois será a vez do Cine-Teatro em Anadia e há mais na agenda. Espero que também passe por Mira, se houver interesse claro.

MO -É um apreciador de vários géneros artísticos ou é só, mesmo, a paixão pelo cinema que o move na arte?

Sou um apreciador de ate e cultura em muitas vertentes. Tenho vários projetos musicais muito diferentes em que participo. Música para crianças com “Pirata Grau & Frinds”, o rock metal dos “Sins of a Man” da Póvoa da Lomba, por exemplo.

Outro projeto no qual quero continuar a apostar e que acredito muito é o foto-concerto “SOM” da “Cabra Cor de Rosa” numa parceria com a Associação fotografARTE de Cantanhede, para o qual faço a banda sonora / sonoplastia específica para cada uma de várias dezenas de 40 fotografias projetas em fachadas de edifícios antigos, espelhos de água, entre outros cenários especiais.

Jornal Mira Online