Uma amarga despedida, sem ouro nem glória, no fim da era de Bolt

Melhor velocista de sempre não teve o desfecho com que sonhava: lesionado, acabou a carreira a mancar, num esgar de dor, ultrapassado por todos os rivais, na final da estafeta 4×100 m, ganha pelo Reino Unido.

Não podia haver desfecho mais inesperado, dramático, amargo e antagónico da era que agora termina. O relâmpago sorridente, descontraído e imperturbável, que repetiu as suas descargas elétricas uma e outra vez, passando de forma imbatível e imparável por quase todas as finais de grandes competições em que participou, esgotou-se. A carreira de Usain Bolt extinguiu-se, num esgar de dor do jamaicano, a mancar, deixado para trás por todos os rivais, como nunca lhe acontecera: ontem, saiu sem medalhas nem glória da final da estafeta 4×100 metros dos Mundiais de atletismo (que hoje terminam, em Londres).

A despedida da maior lenda do atletismo no século XXI, o homem que pulverizou os recordes mundiais de 100 e 200 metros (9,58 e 19,19 segundos, respetivamente) e marcou uma era na modalidade, não foi, de todo, o que ele sonhou. “Usain Bolt despediu-se imbatível nas provas individuais. Pode ser essa a manchete: imbatível, imparável. Podem tomar nota”, disse o jamaicano, sorridente, antes dos Mundiais, quando convidado a imaginar as primeiras páginas dos jornais, no dia depois do adeus. No entanto, o sonho transformou-se em pesadelo – com Lightning Bolt a acabar lesionado, numa final ganha, surpreendentemente, pelo Reino Unido.

O velocista jamaicano, de 30 anos, não conseguiu despedir-se das grandes competições conservando a aura de invencibilidade que exibiu ao longo de toda a carreira – tricampeão olímpico de 100 e 200 metros, bicampeão de 4×100 metros (perdeu o tri devido a desqualificação do colega Nesta Carter, por doping, em Pequim 2008) e 11 vezes medalhado de ouro em Mundiais (mais duas pratas e um bronze) nas três disciplinas. Bolt abdicou dos 200 metros, onde a vitória foi, com surpresa, para Ramil Gulyev, turco de origem azeri. Falhou nos 100, perdendo a tal imbatibilidade em provas individuais: ficou-se pelo 3.º lugar e medalha de bronze, atrás do estado-unidense Tyson Gay. E terminou com estrondo, uma semana depois, nos 4×100 metros.

A tarefa já parecia difícil. Apesar da prova de vida dada pela estafeta jamaicana nas meias-finais – onde fez 37,95 segundos, melhor marca dos caribenhos neste ano -, EUA e Reino Unido partiam como favoritos e rapidamente se destacaram na frente, na final. Bolt recebeu o testemunho para o último segmento no 3.º lugar, atrás de norte–americanos e britânicos. E, quando tentou forçar o andamento na aproximação à meta, esboçou um esgar de dor, agarrou-se à coxa e ficou a mancar: uma lesão muscular roubou-lhe a hipótese de lutar pela última medalha da carreira (mesmo que na altura o ouro já parecesse uma miragem).

O jamaicano deixou-se cair no chão, desolado, enquanto os britânicos celebravam um impactante triunfo (37,47 segundos), à frente dos EUA (37,52) e do surpreendente Japão (38,04). A custo, e já sem contar para a classificação oficial, lá cortou a meta, apoiado pelos colegas de equipa. E, rejeitando a oferta de uma cadeira de rodas (para não forçar ou agravar a lesão) saiu de pé – longe da glória sonhada e da ambicionada 15.ª medalha em Mundiais (esse recorde ficou ontem na mão da estado-unidense Allyson Felix, ouro na estafeta 4×100 metros feminina).

No adeus, os compatriotas tentavam relativizar a desilusão. “Isto são os campeonatos mundiais. E, no fim de contas, ele é humano”, notou Julian Forte, um dos membros da estafeta jamaicana. “Ele deu o seu melhor e nós apoiamo–lo”, acrescentou o velocista.

O apoio foi visível (e audível) no momento em que Bolt deixou a pista do Estádio Olímpico de Londres, como o fora em cada segundo que o jamaicano passou em prova desde que se tornou uma estrela mundial (ao pulverizar pela primeira vez os recordes de 100 e 200 metros), nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. Afinal, o desfecho foi amargo mas o legado é mesmo inesquecível.

 

Fonte: DN