Um pedaço do muro de Berlim na Cova da Iria. Uma maneira de celebrar a paz e a liberdade religiosa em Fátima

Um pedaço do Muro de Berlim, derrubado em 1989, permanece no Santuário de Fátima para celebrar a paz, 30 anos após um acontecimento que reconfigurou a Europa e mudou o curso da história mundial.

Inaugurado em 1961 para impedir a passagem de cidadãos da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental, o muro caiu 28 anos depois, sob a pressão de milhares de pessoas nas ruas, em 09 de novembro de 1989, o que levou à reunificação do país.

“A leitura de que este pedaço do Muro é um símbolo da liberdade religiosa para um mundo de paz é assumida pelo santuário, desde a sua hierarquia até àqueles que peregrinam neste espaço”, disse à agência Lusa o Diretor do Departamento de Estudos e do Museu do Santuário de Fátima, Marco Daniel Duarte, a propósito os 30 anos da queda do muro de Berlim.

O historiador recordou que, “até à queda do Muro de Berlim, era impossível do outro lado da Cortina de Ferro assumir-se a comunidade como crente, acreditar naquilo que é uma leitura sobrenatural da História”.

Um emigrante português radicado na Alemanha ofereceu um fragmento daquela barreira de betão ao Santuário de Fátima, no concelho de Ourém, distrito de Santarém, o qual depois foi colocado numa das entradas do complexo religioso, fazendo parte de um monumento inaugurado em 1994.

Para Marco Daniel Duarte, o monumento recorda “a mensagem de paz que Fátima tem desde a primeira hora, em 1917, sobretudo quando ela é olhada a partir de uma leitura crente da História”.

“O papa João Paulo II, quando vem aqui em 1999, diz claramente que Fátima está ligada de forma umbilical ao desmoronamento desse império soviético que tinha como leitura da História o pilar do ateísmo”, enfatiza.

Neste contexto, Marco Daniel Duarte admite que “toda a ação humana é política” e que a religião “não pode ser lida” sem ter em conta “o governo da polis”.

“Temos de perceber, dentro daquilo que é a política dos governos das nações, se existe ou não lugar para uma leitura da ação humana a partir dos critérios do sobrenatural”, adianta.

Logo em 1917, as chamadas “aparições marianas” a três crianças que apascentavam ovelhas na Cova da Iria — Lúcia Santos e seus primos Francisco e Jacinta Marto — foram encaradas pela Igreja Católica como “uma mensagem política em ordem à paz mundial”, refere o diretor do Museu de Fátima.

Francisco e Jacinta morreram de doença ainda crianças e foram canonizados pelo papa Francisco, em 2017, no centenário do fenómeno de Fátima.

Lúcia faleceu em 2005, com 97 anos. Sendo recente a sua beatificação, o processo de canonização da terceira vidente de Fátima pode demorar mais alguns anos.

Luciano Guerra era reitor do Santuário de Fátima quando, em 1991, foi contactado por Virgílio Casimiro, residente na Alemanha, para que a instituição recebesse um fragmento do Muro de Berlim que tinha adquirido com outros portugueses.

“Tenho impressão que foi uma promessa que ele fez”, contou à Lusa, recordando ter acolhido a ideia ao verificar que se tratava de “uma iniciativa séria”.

A proposta, defendeu, “tinha a ver com a mensagem de Fátima, que promete a conversão da Rússia”, em 1917, quando a Revolução de Outubro levou ao poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lenin.

Na sua opinião, o emigrante “captou a importância do Muro e a relação que aquilo pode ter com Fátima”, em especial “a liberdade relativamente ao jugo comunista da Rússia”.

Luciano Guerra entende que o Muro de Berlim simboliza uma época de “perseguição religiosa e ao mesmo tempo de enquistamento humano numa autoridade que, se oprimiu os homens, também os oprimiu porque não acreditou em Deus”.

O monumento alusivo ao Muro de Berlim inclui uma lápide com palavras proferidas por João Paulo II, na sua segunda visita a Fátima, em 1991: “Obrigado, celeste pastora, por terdes guiado com carinho os povos para a liberdade”.

Lusa / Madremedia