Um mirense a fazer furor no Marialvas e um gafanhense a dar cartas no Domus Nostra…

Dentre as inúmeras consequências derivadas da decisão da FPF ter encerrado “todos os campeonatos nacionais não profissionais”, existem duas histórias ligadas a treinadores sobejamente conhecidos por terras gandaresas: João Facão, nos juvenis do CF os Marialvas e Daniel Vilarinho, nos seniores do Clube Domus Nostra. O Jornal Mira Online falou com ambos e deixa, aqui, as suas memórias de uma época que teve começo e meio… mas, não teve fim!

JOÃO FACÃO

 

Um homem às direitas como diz o povo, ou um grande zua como dizem os seus concidadãos da Praia de Mira. João Facão por onde anda deixa a sua marca de eterno jovem de espírito mesmo que a idade – felizmente – insista em andar para a frente.

CF Os Marialvas foi buscá-lo, quando já estavam decorridas 7 jornadas do Nacional de Juvenis e a equipa tinha zero pontos. Como consequência desta chicotada psicológica, o clube cantanhedense obteve 4 pontos em 4 jogos e começou a sonhar com algo de bom na prova que disputava.

É certo que, aquando da determinação da quarentena o campeonato já havia acabado e os marialvinos tinham descido para os Distritais e acabaram por ser beneficiados pela decisão da FPF, mas só desceriam por conta de uma fórmula que João Facão, por mais que tenha tentado, nunca conseguiu compreender. “Faz-me confusão” – assume o treinador – “mesmo, muita confusão, na fase que decide o campeão, recomeçarem todos do zero e na fase de manutenção, as equipas recomeçarem com os mesmos pontos com que terminaram a primeira parte do campeonato. Ora, como a diferença era muito grande, obviamente não conseguimos a manutenção, embora tivéssemos vinte pontos na ponta final do campeonato… uma marca espantosa para quem olhasse somente para a pontuação e não estivesse por dentro de todo um trabalho enorme desenvolvido pela direção e pelos jogadores que, com a equipa técnica, deram tudo por tudo para conquistar o objetivo final!”

Mesmo condicionado pela saída de “muitos bons jogadores, que vão sendo captados pelas grandes equipas até ao final de Fevereiro” o CF Os Marialvas, “um dos históricos de Coimbra” vai procurando dar “as melhores condições possíveis para quem lá trabalha”. Com um projeto para ter “instalações espetaculares” que será, provavelmente, adiado por conta da falta de dinheiro no momento de uma crise que ninguém estava a espera, Facão terá de analisar bem o futuro pessoal, também ele atingido pelo encerramento abrupto de todas as atividades desportivas… incluindo o curso de treinador nível 3 que estava a frequentar.

Com a certeza de que os dirigentes do clube querem a sua continuidade na formação, João Facão assume uma outra preferência para a sua carreira. “Tudo está em stand by por agora. Gosto muito do clube, de quem o dirige e de quem o acompanha como adepto. Gosto dos miúdos, mas na formação há “entraves” que nós sentimos e que nos obriga a termos de atuar fora daquilo para o qual devíamos estar realmente concentrados: nos treinos e nos jogos!”.

Assumindo ter sido “Fantástico estar nos Nacionais, vendo as condições exemplares de alguns clubes” o treinador admite que esta experiência deu-lhe “uma outra perspectiva em relação ao desporto que amo de paixão, o futebol”. Dono de uma personalidade que não lhe permite encarar a sua atividade profissional de uma forma que não seja séria, com frontalidade assume que gostava de trabalhar com uma equipa de seniores que pudesse assumir frontalmente o objetivo de uma subida aos Nacionais na época 2021/2022, passando pela próxima época de uma forma em que pudesse estruturar-se para tal objetivo.

Mas, este homem que jogou tantos anos e trabalhou como treinador nas Associações de Futebol de Coimbra e de Aveiro, deixou para o final, um sentimento que poderá incomodar a muitos, mas que a experiência vivida lhe obriga a falar com frontalidade: “Poderei não ser politicamente correto, mas tenho de assumir que, para quem já vivenciou os trabalhos da AFC e da AFA, é incomparavelmente mais “profissional” o que se faz na Associação de Aveiro. Lá, vejo muitas mais capacidades – e, estou a falar de Associações, não de clubes – para se fazer um trabalho bastante mais profissional, como eu ambiciono. Porquê? Penso que o motivo principal seja de os dirigentes da AFC estarem há muito tempo nos seus lugares e acabaram por estagnar, sem ambições de maior, o que acaba por se refletir no próprio campo de jogo. A competitividade da AFA é extremamente superior à de Coimbra e, com tristeza – pois sou deste Distrito – acabo por ver que o futebol de Coimbra tem “desaparecido” do panorama nacional ano após ano… era preciso haver uma grande mexida em toda esta estrutura”.

João Facão é assim: sem receios ou papas na língua, aborda os temas de forma frontal e coloca o dedo na ferida daquilo que acha que está menos bem ou, francamente mal. Como ele mesmo assume, não está nem dentro nem fora” do CF Os Marialvas para a próxima época por conta de todas as incertezas do momento, afinal “o desporto nesta hora é o que menos nos move” – assume – deixando apenas uma certeza garantida: “a direção do Marialvas e as suas gentes nos merecem todo o respeito e admiração pela forma abnegada com que se empenharam pelo nosso sucesso, desde a nossa chegada e, seguramente… a perspectiva para o nosso futuro será baseada, e muito, em tudo isso que vivenciamos nestes meses!”

Daniel Vilarinho

No início era um ilustre desconhecido dos adeptos do Clube Domus Nostra. Sentiu algumas dificuldades iniciais – normalíssimas, por sinal – de adaptação ao clube e este aos seus métodos. Hoje, Daniel Vilarinho confessa-se “mais um adepto” de um clube que primeiro estranha-se e depois, entranha-se de tal forma que se torna um amor para a vida toda…

O treinador dos seniores do Domus terá sido, quiçá, um dos maiores beneficiados da sua classe a nível nacional, no que se refere ao Futsal. A segunda fase da competição, onde se definiriam os candidatos à subida ao escalão principal  e os que desceriam para os Distritais acabou por ser cancelada, devido a uma epidemia que assolou o planeta e, em última análise a cabeça de cada um de nós. “Não equacionava sequer outro desfecho” assume Daniel Vilarinho embora reconheça que “não era nada disso que desejávamos”. Mas, não havendo outra alternativa – segundo a FPF – os campeonatos encerraram e as mesmas equipas estarão, novamente, a desfilar categoria pelos pavilhões do país na época 2020/2021. Sendo assim, cumpre a todos fazer um balanço efetivo de como decorreu a época até ao momento do seu cancelamento. Vilarinho, tem a palavra, dando-nos a sua perspectiva do trabalho até então realizado.

“O início, assumimos todos com franqueza, foi extremamente complicado. Iniciamos a preparação para a época sem termos conhecimentos mínimos do plantel e sem eles conhecerem os nossos métodos de trabalho. Por isso – e, é mesmo por isso – demoramos muito mais do que poderíamos imaginar, para crescermos como equipa em todos os sentidos” confessa o mister que veio da Gafanha para abanar o Cabanão…

Como um problema nunca vem sozinho, a equipa do Domus Nostra enfrentou uma onda imensa de lesões na primeira parte da época, o que condicionou ainda mais o trabalho realizado. A média de jogadores esteve sempre, naquela fase, entre os 18 e os 23 anos de idade o que é, manifestamente, muito pouco quando é necessário jogar contra atletas bastante experientes e de valor artístico acima da média do que é encontrado nos Distritais.

Com o desenrolar da competição “as nossas ideias foram sendo assimiladas, os jogadores foram se “soltando” ainda mais e as lesões foram diminuindo… o regresso de alguns jogadores acabou por influenciar o rendimento da equipa como um todo e víamos boas perspectivas na próxima fase para lutar, ainda que de forma bastante dura, pela manutenção”.

Confessando ter conversado com a direção “ao telefone” no sentido de continuar o trabalho no clube na próxima época, Daniel Vilarinho refere que “mesmo que não permanecêssemos nos Nacionais, o meu objetivo era o de continuar, pois assumi um projeto tendo em conta o que era o clube e o que gostaria de deixar como minha marca, quando saísse… é assim que funciono e se a direção também me quer, não havia motivo algum para ir embora por esta altura…”. 

Mas, o que o treinador Daniel Vilarinho pretende a partir de agora no seu trabalho no clube? “O que desejo é termos um plantel definido atempadamente e um clube cada vez mais estruturado e organizado, para que possamos diminuir o fosso em relação a outros emblemas concorrentes”. Na opinião dele, “o clube tem crescido de uma forma espantosa e as pessoas são sempre as mesmas… todas imbuídas da maior das boas vontades, mas são sempre necessárias mais pessoas a contribuir para que este crescimento seja acompanhado de resultados ainda mais animadores, que orgulhem sempre, mais e mais, a coletividade e o Concelho!”.

“Como pessoas, não tenho a menor dúvida de que são dos melhores clubes a nível nacional” confirma, reiterando o convite “para que mais pessoas se juntem a este projeto, também elas a dar mais vitalidade ao Domus”.

Em jeito de saída e a brincar, a reportagem perguntou a Daniel Vilarinho se, caso o clube recebesse uma proposta de um concorrente da Primeira Divisão para levá-lo por dez milhões, o que ele pensava que o clube faria? (risos) “oh! não… se isso acontecesse, tenho a certeza que gostam tanto de mim, que pagavam-me dez milhões e um euro para ficar!”. 

Esta é a imagem deste treinador: simples e humilde sempre, brincalhão e sério – muito sério – quando necessário mas, acima de tudo, leal a quem lhe trata bem, ambicioso q.b. e profissional naquilo a que se propõe. A época encerrada de forma inevitável pode ser chamada de ano zero de um projeto que ele e os seus adjuntos e diretores pretendem sejam de crescimento sustentado e digno dos pergaminhos deste pequeno grande clube em Portomar plantado…

Francisco Ferra / Jornal Mira Online