Sérgio Negrão: “Minha passagem para a vida polítca ativa foi natural…”

13.2.2023 –

Numa altura em que o Mira Online celebra mais um aniversário, resolvemos falar com as forças vivas da comunidade. Cantanhede é uma das regiões que retratamos e das quais fazemos questão de trazer aos nossos leitores notícias, projetos e opiniões sobre o que realmente acontece.

O nosso entrevistado de hoje nasceu em Cantanhede há pouco menos de 47 anos, tem formação na área do ensino e a vida encaminhou-o para a área comercial, nomeadamente como Export Manager de uma empresa do setor alimentar.

Desde as últimas eleições autárquicas, em setembro de 2021, que o especialista em mercados externos assume a responsabilidade de ser uma das vozes que procura servir a população do concelho de Cantanhede, desta feita na vereação da Câmara Municipal daquele concelho, eleito pelo principal partido da oposição, o Partido Socialista.

Hoje falamos com Sérgio Negrão

Mira Online: Tem assento na vereação da Câmara de Cantanhede desde 2021 mas o seu histórico de serviço à comunidade é mais antigo, tendo estado, inclusivamente, ligado de forma indelével ao associativismo do concelho. Como foi essa experiência? O que faz uma pessoa abraçar o associativismo de forma tão apaixonada?

SN: Antes de mais muito obrigado pelo convite para esta simpática conversa e permita-me que apresente os meus sinceros parabéns pelos 9 anos de atividade do Miraonline e deixar expresso o meu desejo de que muitos mais se concretizem no futuro. Quanto à questão que me coloca, a resposta é simples, basta dizer que o que me move é sempre uma paixão e dedicação sem limites à minha comunidade. Em tempos alguém me disse que eu padecia de uma “limitação geográfica” e que dificilmente sairia de Cantanhede. Hoje sou um especialista em mercados externos, o que me “obriga” a viajar de uma forma regular para múltiplas geografias do globo, mas a minha casa é SEMPRE em Cantanhede! Desde os tempos de ensino Secundário, com alguns amigos à data, sempre me senti estimulado por ser parte ativa na comunidade e desde aí até hoje, de uma forma ou de outra, penso que posso concluir que não mais parei… Padeço, isso sim, da “vertigem do fazer”…

Mira Online: A sua saída do movimento associativo foi, pelo que vimos e, acima de tudo, pelo que pudemos ouvir, foi algo inesperada, até pelo caminho que estava a ser percorrido…

SN: Percebo o seu interesse nessa questão… A minha saída do Clube de Futebol “Os Marialvas”, é isso a que se refere, foi, de facto, uma saída além de inesperada, pouco simpática. Na vida tudo tem duas faces, uma melhor outra menos boa, neste caso calhou-me a face menos boa, menos simpática, da política! Sim, disse política porque a minha saída foi clara e objetivamente uma saída com contornos políticos, pouco aconselháveis a pessoas de bem. Como deve compreender não pretendo falar mais sobre o assunto a não ser no fórum adequado, ou seja, nas Assembleias de sócios do clube, como já fiz no passado recente.

Mira Online: E a passagem para a vida política ativa? Foi natural? Como foi esse processo?

SN: Sim, posso considerar que foi natural. Sem nunca ter participado muito ativamente na vida do Partido Socialista, sempre acompanhei de perto as suas vicissitudes, pelo que muitas das potenciais novidades não passaram apenas de constatações, umas boas outras menos… Uma coisa posso garantir-lhe, não me arrependo de ter tomado a decisão de acompanhar a Cristina de Jesus em 2021 no último processo autárquico, e considero que a responsabilidade que tenho hoje é de tal forma importante que não tenho condições de abdicar dela. Ser oposição, ao contrário do que muitos julgam é uma função de uma nobreza ímpar. É à oposição que cabe o papel de escrutinar, numa primeira instância, a ação de quem detêm efetivamente o poder! Hoje posso tranquilamente afirmar que nesse processo de escrutínio, na defesa do superior interesse da comunidade, nunca me resignarei ao silêncio, ao contrário do que outros fizeram em 2013 aquando da “Lei Relvas”.

Mira Online: Certamente a sua vida mudou. Como descreveria essa mudança? O que encontrou quando entrou para a Câmara de Cantanhede?

SN: A minha vida continua a ser a vida de alguém simples que tem como foco principal a sua família (esposa e dois filhos), o seu trabalho, mas que para além disso tem objetivos e ideias concretas para o que defende ser o mais interessante para o futuro deles (família) e restante comunidade. Aquando da entrada na Câmara houve todo um processo, que ainda continua e arriscar-me-ia a dizer que não chegará a terminar, de aprendizagem e perceção de algumas dinâmicas que condicionam o funcionamento diário do maior empregador do concelho de Cantanhede. Nem tudo são rosas, mas nem só de espinhos se faz a Câmara Municipal de Cantanhede. Se por um lado nem sempre existe a agilidade necessária na tomada de decisões e posições, devo realçar que essa debilidade muitas das vezes é “escondida” pela qualidade extrema dos recursos humanos da Câmara que aqui realço convictamente.

Mira Online: Isso certamente também terá mudado a sua forma de olhar para Cantanhede. Que evoluções tem visto e como descreve a sua ação na mudança?

SN: Sim, de facto hoje olho para Cantanhede de uma forma diferente, olho com os olhos de quem quer efetivamente mais, de quem julga que Cantanhede tem tudo para poder ter mais e fundamentalmente reúne as condições base para poder ser melhor! Repare que na última década e meia Cantanhede entrou claramente numa curva descendente ao nível da preponderância e respetiva notoriedade ao nível nacional. Cantanhede, ao contrário do que seria expectável “apenas” consegue estar representado nos órgãos do poder central por pessoas ligadas ao partido da oposição local (PS). Alguém já perdeu uns minutos a pensar porquê? Já alguém reparou que Cantanhede hoje apenas é falado a nível nacional por dois motivos? A saber BIOCANT e Hospital Arcebispo João Crisóstomo!… Deixo aqui estes pontos de partida para respetivas reflexões… O meu papel tem sido mais de ouvinte e observador porque tenho para mim que apenas devo intervir quando tenho certezas de que não falto ou à verdade ou aos interesses que a minha comunidade almeja. O povo ensina-nos que nascemos com uma boca e dois ouvidos… por alguma razão será! Deixo aqui esse conselho para quem nos ler…

Mira Online: E o poder central, ou seja, o governo. Que papel vê ser assumido por este órgão no rumo que Cantanhede tem vindo a tomar?

SN: “Poder central”, “Governo”, ora aí está uma coisa que tenho muito gosto em falar. Como imaginará, estou constantemente debaixo de “fogo” relativamente a estes dois conceitos, arrisco-me a dizer que fundamentalmente porque hoje falar do poder central ou do governo, para a grande maioria é falar-se do PS. Pois bem, nada mais errado! Se há coisa que não podemos esquecer é que não conseguimos viver com um mínimo de organização sem a existência de um Governo que exerça o seu poder, a nível central, da forma que acha mais adequada. O mesmo acontece nos municípios, e em ambos os casos existem sempre mecanismos de escrutínio para acompanhar a ação dos governantes perante os governados. Por isto digo convictamente que falar-se de um Governo, seja ele qual for, nunca será falar do partido que o sustenta na Assembleia da República.

Deixe-me dar-lhe um exemplo de algo positivo que advém da ação direta do poder central e de, neste caso, dois municípios. A construção da conhecida ETAR das Cochadas, pelos vistos finalmente começa a ver a luz ao fundo do túnel! Trata-se de uma obra que irá indelevelmente aumentar a qualidade de vida das populações atingidas. Nota de destaque para os Executivos de Cantanhede e Mira que sempre tudo fizeram para que o “poder central”, através das suas múltiplas plataformas, conseguisse também agilizar as soluções efetivas que dessem origem à resolução dos problemas concretos das populações.  E assim se criou a solução…

Mira Online: Isso reflete-se na sua atuação?

SN: Quando diz “isso” refere-se ao poder central, certo?

Mira Online: Sim, sim

SN: Pois bem, de todo! Na minha perspetiva genérica julgo que, erradamente, os partidos políticos caminham cada vez mais para uma lógica de unanimidade e unanimismo. Eu continuo a defender a individualidade enquanto primeiro passo para o concretizar de um caminho em conjunto. As grandes conquistas civilizacionais nasceram sempre da diversidade! Na minha leitura mais local, sou um socialista convicto, mas antes sou um orgulhoso cantanhedense! A minha bandeira será sempre a de Cantanhede. Obviamente que não escondo que considero que o ideário socialista, que me faz assumir esta identificação ao partido, é o genericamente mais interessante para os interesses globais do concelho de Cantanhede. Costumo até dizer que, com total certeza, morrerei socialista, mesmo que isso implique que eu mude de partido…

Mira Online: Um dos grandes temas de que se fala em Cantanhede é a saúde. A câmara luta por uma consulta aberta ou por um serviço de urgência, está prevista a integração dos dois hospitais do concelho no Centro Hospitalar de Coimbra. Qual a sua visão sobre este assunto? Há soluções? Ou, pelo menos, entende que existem possíveis soluções para este problema? Estão ou não a ser dados passos no caminho certo para solucionar tudo isto?

SN: Sobre este tema já deixei clara a minha posição através de um artigo que publiquei no meu blog pessoal e que simpaticamente também publicou aqui no MiraOnline. De grosso modo posso dizer que assumo claramente que a integração dos Hospitais existentes no concelho de Cantanhede, no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra será “a” solução desde que salvaguardadas algumas condições concretas. De uma forma direta assumo que defendo a integração desde que:

  1. Sejam criadas as condições para o incremento das especialidades disponibilizadas aos utentes no Hospital Arcebispo João Crisóstomo em Cantanhede;
  2. Sejam criadas as condições para o aumento das soluções existentes ao nível dos Exames Complementares de Diagnóstico no mesmo Hospital;
  3. Que se concretize a disponibilidade de camas de internamento (Medicina Interna);
  4. Que se crie uma solução que satisfaça as necessidades dos casos agudos, “pouco urgentes” ou “não urgentes”, sem marcação prévia e com horário alargado.

Quanto ao Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais, deverão garantir-se todas as condições para que não haja uma desclassificação da unidade e garantir as condições de qualidade para se manterem hoje os serviços como referência nacional e internacional.

Quanto ao Hospital de Cantanhede, relembro que estamos a falar de um Hospital que poderá dar resposta pública efetiva a cerca de 100 000 utentes. Os concelhos de Cantanhede, Mira, algumas franjas de população de Montemor-o-Velho, Vagos e o concelho da Mealhada passariam a ter uma resposta digna e com um mínimo de qualidade ao nível do SNS. Neste momento existe nestas geografias quase um “deserto” de respostas dignas do SNS, o que não é de todo aceitável. Muito menos quando os indicadores nos dizem que com uma resposta desta ordem, tendo em conta os diferentes custos de um episódio de urgências no CHUC (112€) e o mesmo custo num Serviço Básico de Urgência (51€), o SNS pouparia para num universo de 10 000 utentes/ano mais 600 000€/ano!

O Poder central de que falávamos há pouco tem de ter a capacidade e a sensibilidade de perceber as necessidades efetivas que existem no território. Até ao nível da política partidária, é necessário que haja um conceito de seriedade e honestidade inabaláveis que permita que as estruturas nacionais dos partidos e as suas congéneres locais mantenham relações estáveis. Não escondo que um desfecho “pouco interessante” deste dossiê da Saúde em Cantanhede irá claramente complicar em muito as relações entre as estruturas nacionais e locais do PS.

Mira Online: Mas essa é a sua visão ou a visão do Partido Socialista? e o PSD? Sente que estão todas as forças locais “alinhadas” no mesmo objetivo?

SN: Esta é a minha visão particular mas que, de uma forma genérica, vai ao encontro da visão do Partido Socialista de Cantanhede conforme poderá constatar em publicações na sua página do Facebook, bem como em intervenções apresentadas na Assembleia Municipal. Ainda a título particular acrescento que o não cumprimento das expectativas que foram sendo geradas, darão lugar a um sentimento de total abandono de uma parte da população deste país, com o qual jamais poderei compactuar!

Quanto ao PSD de Cantanhede, essa é uma questão que deverá ser colocada ao seu Presidente da Comissão Política Concelhia de Cantanhede pois eu não conheço nenhum posicionamento oficial do Partido local. Conheço, isso sim, as posições dos vereadores eleitos pelo PSD e com assento no Executivo da Câmara Municipal de Cantanhede, mas não creio que tenha sido isso que me perguntou…

Quanto ao “alinhamento” que também perguntou, não sabendo qual a posição do PSD Cantanhede, não consigo confirmar nem desmentir a existência do mesmo.

Se me permite mais um complemento, gostaria de deixar aqui bem claro que o que me move, neste tema em particular e na minha ação política em geral, é sempre o superior interesse da população do concelho de Cantanhede! Tudo o que for fora deste conceito não faz parte da minha agenda e por isso não me reverei em absoluto!

Mira Online: Termino agradecendo a sua disponibilidade e fazendo uma última questão. Nos últimos anos o PS de Cantanhede tem sido apontado como uma estrutura que apresenta muitas caras diferentes a cada quatro anos. Quais os seus objetivos num futuro próximo?

SN: Honestamente devo responder que ainda não pensei muito nisso. Antes de me preocupar com o comportamento do Partido Socialista irei sempre preocupar-me com o comportamento dos que poderão ter uma palavra a dar no cabal desenvolvimento do nosso território. Como lhe disse tenho-me preocupado mais em ouvir do que em falar e isso, quer queiramos quer não, exige de nós alguma preparação e tempo.

Neste momento atravessamos uma fase de algumas decisões que poderão ser estratégicas para o concelho de Cantanhede e, apesar de algumas abordagens e conversas que tenho mantido com algumas pessoas, terei sempre que analisar friamente a minha posição em função de três expectativas, o que as pessoas esperam de mim, o que eu julgo que poder oferecer às pessoas e, finalmente a potencial capacidade que terei para concretizar. Uma coisa posso garantir a quem nos lê, qualquer desafio que me surja e que eu eventualmente abrace, independentemente do seu modelo, terá sempre, mesmo sempre, como pano de fundo o concelho de Cantanhede Mahatma Gandhi disse que “o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente” …

Jornal Mira Online