OPINIÃO QUE CONTA: Uma ministra sem condições – António Esteves (RTP)

“A culpa do que aconteceu este verão, com mais de cem vítimas mortais nos incêndios, não pode ser atribuída a este governo em exclusivo. É o resultado de anos e anos de políticas erradas de gestão da florestal, de ordenamento do território, de falta de prevenção adequada, de cedências aos lóbis do combate aos incêndios, de nomeações absurdas de pessoas sem preparação para cargos de responsabilidade na Protecção Civil, de incúria humana e comportamentos irresponsáveis e suicidas que já vêm de tempos ancestrais, de decisões políticas desastrosas – sim, do anterior governo e em especial do CDS também – e de falta de vontade para investir numa área que até há pouco tempo dava poucos votos aos partidos. Tudo isto é verdade, mas há erros de palmatória que impedem que a ministra da Administração Interna e o topo do comando da Protecção Civil se mantenham nos cargos. Por respeito às vítimas e porque a responsabilidade política não pode morrer solteira.”

Quando aceitamos um lugar de liderança somos responsáveis pelos liderados, pela estratégia, pela acção, pelos resultados. Se tudo correr bem é a nós, líderes, que devem ser em primeira instância dados os parabéns, atribuídos os louros, as palmadinhas nas costas e os elogios. Só depois à equipa. Se tudo correr mal somos os primeiros responsáveis. Nenhuma dúvida.

Não é o ministro das Finanças que tem reclamado o mérito pelos resultados alcançados na economia nacional, e por maioria de razão o primeiro-ministro?

Não é o governo que reclama permanentemente que estes resultados só foram alcançados porque a estratégia económica e financeira da geringonça está correcta e está a ter resultados?

Não é António Costa um homem permanentemente satisfeito quando diz que afinal havia outro caminho, para além da austeridade em que se vivia, e que esse caminho foi decidido pelo governo e por ele próprio?

Então que sentido faz que no caso da ministra da Administração Interna (MAI) esteja a ser tão difícil ao chefe do Governo admitir que Constança Urbano de Sousa tem uma responsabilidade, política e não criminal obviamente, que deve assumir e abandonar o lugar? Ao continuar no Governo a MAI não está apenas a desgastar-se ainda mais, física e psicologicamente, está a desgastar todo um governo em nome de uma teimosia dificilmente defensável.

António Costa é amigo de Constança Urbano de Sousa, trabalham juntos há vários anos, mas os estados de alma de um primeiro-ministro não podem sobrepor-se à saúde e vitalidade política de um Governo, e muito menos à capacidade e as condições objectivas para desempenhar um cargo.

A culpa do que aconteceu este verão, com mais de cem vítimas mortais nos incêndios, não pode ser atribuída a este Governo em exclusivo. É o resultado de anos e anos de políticas erradas de gestão da florestal, de ordenamento do território, de falta de prevenção adequada, de cedências aos lóbis do combate aos incêndios, de nomeações absurdas de pessoas sem preparação para cargos de responsabilidade na Protecção Civil, de incúria humana e comportamentos irresponsáveis e suicidas que já vêm de tempos ancestrais, de decisões políticas desastrosas – sim, do anterior Governo e em especial do CDS também – e de falta de vontade para investir numa área que até há pouco tempo dava poucos votos aos partidos.

Tudo isto é verdade, mas há erros de palmatória que impedem que a ministra da Administração Interna e o topo do comando da Protecção Civil se mantenham nos cargos. Por respeito às vítimas e porque a responsabilidade política não pode morrer solteira.

O pouco que se conhece do muito que falta saber prova a impossibilidade da MAI permanecer no cargo. Constança Urbano de Sousa fez nomeações para cúpula do comando da Protecção Civil a poucos meses da época dos fogos, as pessoas nomeadas cometeram erros estratégicos desastrosos e comprometedores de um combate eficaz às chamas – a confusão e o caos no terreno foram denunciados pelos várias entidades -, o SIRESP falhou quando não podia falhar tendo-se permitido que a manutenção de alguns dos equipamentos fosse feita numa altura em que a prontidão era já necessária e obrigatória, parte do dispositivo de postos de vigilância foi desactivado de forma administrativa a 30 de setembro quando devia ter sido mantido em funcionamento – depois de muita pressão foi reactivado -, grande parte dos meios aéreos foram dispensados e nos incêndios de 15 de outubro já não estavam disponíveis, e os alertas meteorológicos foram mais uma vez ignorados não se colocando em prontidão e de forma preventiva no terreno os equipamentos necessários para garantir a segurança das população, pelos relatos que nos chegam, mais uma vez a GNR foi impotente para fechar de imediato as estradas de maior risco, ou por falta de efectivos ou por falta de planeamento, logo se verá.

Não há segurança total nem risco zero quando há incêndios, mas há medidas preventivas obrigatórias que devem ser implementadas e que não foram. Uma coisa é morrerem pessoas porque não havia mais nada a fazer depois de esgotados todos os recursos, outra coisa é morrerem pessoas por incompetência de quem deve cuidar por manifesta incapacidade de liderança, de coordenação e de planeamento.

Constança Urbano de Sousa é por estes dias um farrapo humano do ponto de vista emocional e um destroço em termos políticos. As últimas declarações que fez são desastrosas. Tem de se demitir ou ser demitida. Por respeito a todos nós, incluindo ela própria.

António Esteves / RTP