OPINIÃO QUE CONTA: “O papel dos agregadores de notícias” (Luís Miguel Pato)

“Serão um perigo para o enquadramento noticioso?

Há já algum tempo temos assistido a uma presença crescente de espaços na “Internet” que têm funcionado como agregadores noticiosos. Ora, na génese, um agregador de notícias é um modelo de negócio mediático que converge e apresenta conteúdos noticiosos a partir de inúmeras fontes de informação num só espaço (Isabel et. al., 2010).

Existem várias modalidades deste tipo de acesso a informação. Tanto podem ser:

  1. Portais – como o Google Notícias (um agregador de “feeds”);
  2. Motores de pesquisa (que tematizam, organizam e apresentam as buscas do utilizador);
  3. Sítios na “Internet” e aplicações para dispositivos móveis (“apps”), em que para além, de partilhar informações de outros órgãos de comunicação também propõem produção de informação própria;
  4. E espaços nas redes sociais (como por exemplo no “Facebook”) que, em muitos casos, partem de iniciativas do cidadão – esta é a modalidade que impera atualmente.

No que concerne à gestão de conteúdos noticiosos na “Internet”, para além da, já mencionada, agregação de conteúdos, há ainda a sindicância. Trata-se de uma metodologia em que são os próprios promotores de conteúdos tentam compreender os interesses do público através da partilha de notícias previamente selecionadas. Por fim, existe a curadoria de conteúdos noticiosos. Neste caso, são os próprios responsáveis dos agregadores de notícias a incumbirem-se da responsabilidade apresentarem os conteúdos que selecionaram. Às vezes até através de um pequeno texto introdutório. E é aqui que reside o o perigo supramencionado. Porque, como se irá ainda ver, por vezes, é com esta apresentação que se pode enviesar a intenção original da peça informativa que se está a partilhar. Ou seja, pode manipular-se a noticiabilidade (o ângulo pretendido originalmente pelo jornalista) de assunto tratado. 

Ao partir de pressuposto de que a maior parte dos espaços noticiosos hoje são pagos, poder-se-ia dizer que estes espaços – quando norteados com ética, deontologia e correção – poderão até ter um papel edificante no exercício de uma cidadania ativa. Logo, poderão desempenhar um papel positivo na sociedade. Para que tal seja possível, é essencial que se cumpra com o enquadramento original do autor da notícia partilhada de uma forma imaculada.

De acordo com Gradim (2016), ao fundamentar-se em Robert Entmen, por enquadramento (“framing”) entende-se a apresentação de um assunto como sendo a: “seleção de da realidade percebida”. Isto é, trata-se de destacar uma determinada informação da globalidade do assunto que está a ser tratado, de modo a torná-la mais relevante. É o ângulo da notícia; trata-se do destaque que é originalmente dado pelo jornalista ao acontecimento que está a ser tratado. 

Ao partilhar uma notícia, pode ver-se que a importância de manter a intenção narratológica original da peça está relacionada com o pressuposto de que a escolha das palavras, expressões, ideias e a restante organização textual que têm como intenção moldar a receção e posterior compreensão que o público tem acerca de um determinado assunto (Goffman, 1986; Bateson, 1955). Isto ocorre porque estas escolhas editoriais evidenciam alguns elementos de um acontecimento, sobrepondo-os a outros – o que determina a interpretação que o público detém. Logo, como se trata de uma realidade que condiciona as atitudes e as crenças dos cidadãos em relação a um determinado assunto, estamos perante um dos alicerces da opinião pública e consequentemente da vida em sociedade. Veja-se acerca deste propósito, por exemplo, o impacto representado pela mobilização social mundial que ocorreu devido à ampliação mediática da morte de Goerge Floyd ocorrida recentemente nos EUA.

Nesta abordagem, considera-se que a informação funciona como janela através da qual nós percecionamos a realidade tratada previamente pelo profissional de comunicação. Logo, conforma a nossa opinião. É por isso, que se considera que o essencial, não é a realidade em si, mas a forma como ela é apresentada pelos média e interpretada pelo público (ibid., 1986).

Ao olhar para alguns agregadores de conteúdos presentes nas redes sociais, pode ver-se que nestes meios, se assiste à presença de uma construção de um sentido opinativo que é, cada vez mais, predeterminado não pelo autor da peça partilhada, mas por quem a partilha. Neste contexto, sabe-se antecipadamente que a leitura textual na Internet se resume a uma fração de segundos e de carateres. Parte-se do principio que o leitor nem sequer irá consultar a peça noticiosa que está a ser distribuída. Por isso, o sentido original do conteúdo partilhado ficará por conferir. Logo, o conhecimento que o leitor irá criar acerca do assunto será sustentado nos pequenos textos introdutórios que apresentam as notícias que são partilhadas. E é aí que ocorre o enviesamento da opinião pública porque a maior parte dos seus utilizadores consideram erradamente estes espaços como sendo disseminadores de conhecimento.

 Em muitos casos, pode ver-se que esta manipulação de informação não é inocente. Está ao serviço de um enquadramento viciado. Tem intenções políticas, económicas e até impulsos puramente materialistas. Visa dar aos seus promotores visibilidade numa esfera afastada da promoção de conhecimento, de informação idónea e isenta acerca de um determinado assunto. Estes pilares do jornalismo são suprimidos propositadamente. Trata-se de um processo que passa por reorganizar o sentido opinativo do leitor, tanto em termos semânticos como semióticos, agregando-lhe valores, remodelando-lhe o enquadramento e a sua noção de valores acerca de um determinado assunto, à luz de interesses muito pessoais. É, no fundo, uma ação que facilmente poderá ser alicerçada nas estratégias manipulativas das campanhas de propaganda, dos regimes totalitários, que usa as notícias dos meios de comunicação fidedignos como engodo para ludibriar o público que acaba por ser vítima de um logro. E às vezes com resultados catastróficos. Veja-se o impacto que estes meios tiveram nos EUA, na Hungria e no Brasil. Nada nasce ao acaso… 

 

Luís Miguel Pato

Profissional e docente em Ciências da Comunicação”