OPINIÃO QUE CONTA: “O olhar que evoluiu para derreter o nosso coração” (Joana Lima – CianMira)

Quem consegue resistir ao olhar de um cãozinho? Aquele olhar que pede atenção ou pede para não ir ao banho ou mesmo para lhe dar um bocadinho de bolo que não deve comer?

Pois, ninguém. E tudo isso, graças à evolução. Um estudo recente publicado na revista Proceedings of National Academy of Sciences sugere que os cães desenvolveram especificamente os “puppy eyes” para cativar os humanos.

Os investigadores descobriram que os cães possuem um músculo chamado levator anguli oculi medialis (músculo levantador medial do ângulo do olho) que eleva as sobrancelhas internas e os ajuda a produzir os clássicos olhos de cachorrinho. Essa expressão é semelhante à expressão que os humanos fazem quando estão tristes e é ela que nos impede de dizer “não” ao nosso cão.

No estudo, os pesquisadores analisaram a anatomia de 6 cães, todos eles de raças diferentes, e de 4 lobos cinzentos. Descobriram que os cães domésticos possuíam este músculo mas que os lobos não, o que sugere que o músculo foi uma das características que evoluiu quando os cães e os humanos criaram laços, há dezenas de milhares de anos. Um estudo de 2017 comprova mesmo isto: os cães só usam esse olhar ao interagir com o ser humano. (Inteligentes, hum?)

Essa ligação entre o Homem e o cão é tão forte quanto a de um pai e um filho. É o que nos diz a ciência: um estudo publicado em 2015, na revista Science, concluiu que tanto o Homem como o cão produzem oxitocina (também conhecida por hormona do amor) quando experienciam contacto visual um com o outro. É a mesma coisa que acontece quando os humanos mantêm contacto visual com alguém que amam, como uma mãe a olhar para o seu filho. Esta descoberta surpreendeu os investigadores, uma vez que o contacto visual é sentido por muitos animais selvagens como sinal de ameaça. Mas parece que os cães são excepção à regra.

Por muito estranho que possa parecer, um estudo de 2014 revelou que quando as mulheres viam uma fotografia do seu cão, os seus cérebros respondiam de forma semelhante a se estivessem a ver uma fotografia do seu filho. A reacção ao seu cão era mais forte do que quando olhavam para uma fotografia de uma criança desconhecida.

Como o cão se tornou o melhor amigo do Homem é uma questão que ainda suscita algumas dúvidas mas há estudos que nos ajudam a perceber que a ligação Homem-cão é antiga e estreita. Em 2013, foi publicado na revista Nature, um estudo que insinua que os cães tornaram-se domesticados há cerca de 32000 anos. Esse estudo também notou que o Homem e o cão desenvolveram várias características em paralelo, durante a evolução, incluindo certos genes para a digestão e metabolismo. Isto porque os cientistas acreditam que os humanos, quando se mudaram para locais mais populosos, tiveram que mudar a sua dieta e como os cães alimentavam-se dos restos da comida do seu dono, a sua dieta também modificou. A nossa relação com os cães é tão próxima e longa que evoluímos juntos e a amizade está escrita no nosso DNA.

Mas como é que os lobos se tornaram cães? Os investigadores do Duke University’s Canine Cognition Center pensam que tenha acontecido isto: os lobos competiam com o Homem por recursos alimentares. Mas descobriram que conseguiam mais alimento se aproveitassem os restos dos humanos, pelo que começaram a rondar as povoações humanas. E não só: também entenderam que se fossem agressivos com o Homem, a probabilidade de serem mortos era grande, pelo que preferiram ser mansos. Com o tempo, estes lobos domesticados evoluíram no sentido de serem mais atraentes para os humanos, adquirindo orelhas caídas, feições simpáticas e aqueles icónicos olhos de cãozinho.

Porém, um artigo publicado ainda este mês, na revista iScience, por cientistas da Universidade de Estocolmo revela que esta comunicação do Homem com o cão surgiu antes de este ser domesticado e provavelmente ainda enquanto lobo. A equipa estudou o comportamento de 13 crias de lobo com 8 semanas, criadas por humanos, mas que nunca tinham sido treinadas. Alguém que estas desconheciam atirava uma bola para o outro lado da sala e pedia-lhes para a irem buscar e a devolverem. E a surpresa surgiu: das 13 crias, houve 3 que pelo menos duas vezes devolveram a bola. Uma destas fê-lo das três vezes que lhe pediram. Uma das investigadoras referiu que “isso significa que durante a domesticação, o comportamento lúdico dos lobos poderá ter sido um factor potencial para as pressões selectivas que desde cedo foram exercidas pelos humanos”.

E assim, se deu início a uma bonita amizade.

Joana Lima, CianMira