OPINIÃO QUE CONTA: “Destruição de Património: Nós não aprendemos mesmo nada com o passado” (Luís Miguel Pato)

Que fique claro – eu não sou racista, nem xenófobo e nem sequer homofóbico. Sou apologista do que se determina como: “live and let live” (vive e deixa viver)… Portanto, é munido com profundo estado de choque que assisto à destruição de património histórico em nome da defesa contra o racismo. É, porém, ainda mais chocante ver políticos – como, por exemplo, Nancy Pelosi – Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, pelo Partido Democrático, a cavalgar a espuma nefasta da onda destes acontecimentos – a apelar que se retirem 11 estátuas de figuras e dirigentes confederados do Capitólio em Washington DC. “São uma homenagem ao ódio e não à herança”, afirma esta política. Pois, é precisamente por esse motivo que eu considero estes monumentos devem estar em espaços públicos. Muito para além de ser uma forma decorar ou de ocupar espaços, que noutro contexto poderiam determinar o que Marc Augé (1992) apresenta como sendo um – “não lugar” – isto é, espaços públicos para circulação rápida, despojados de qualquer ligação emocional para quem os usa, servem um propósito comunicativo.

Dentro da esteira de que tudo em nós comunica. Ou seja, nós, enquanto espécie, somos despojados da impossibilidade de não comunicar. Aliás, até o próprio ato de não comunicar, é comunicar (Watzlawick, et., al. 1964). Ao analisar a destruição de património a partir de um axioma balizado nesta ecologia mediática, pergunto: o que estamos a comunicar ao destruir o nosso património? Será uma aclamação à tolerância ou à intolerância? Em tempos já passados, mas que teimam em reaparecer, é-nos possível encontrar respostas para estas inquietações. E elas não são animadoras…

            Acerca deste propósito, recordo Harold Innis – o teórico norte-americano que propôs que na sociedade ocidental existem duas modalidades comunicacionais – as que comunicam pelo “tempo” e as que comunicam pelo “espaço” (ibid., 2006). No que concerne à primeira proposta, enquadram-se monumentos edificados. São exemplos munidos de uma presença secular que fundamentam a sua comunicação na sua monumentalidade intemporal que é revelada geração após geração através da tradição oral e na escrita. Funcionam à semelhança da importância que o “Totemismo” tem nas tribos – recordam tempos já passados (Lévi-Strauss, 1963). 

Já na segunda proposta – a que se baseia no “espaço” – pode ver-se que está relacionada com a leveza do meio usado. Isto é, são meios caraterizados como sendo de transporte fácil e de consumo imediato. Neste caso, encontram-se modalidades de comunicação como o: telegrafo, telefone, livro, filme, a radiofonia, a televisão e a imprensa.

            Ao transportar esta linha de argumentação para a recente destruição de património, pode ver-se que é, em parte, no aproveitamento mediático que se situa esta triste realidade. Há muitas pessoas que estão a lucrar popularidade através da promoção destas ações. No entanto, um pouco à   imagem dos Talibãs, que em 2001 procederam à destruição das estátuas gigantes dos Budas de Bamiyan no Afeganistão (património da UNESCO), também nós, através destas ações, estamos a trilhar esse caminho extremista e perigoso.

Pelos vistos, também não será exagerado dizer-se que as queimas dos livros nazis já estiveram mais longe. Tal pode concluir-se do fato da BBC ter decido censurar alguns episódios do genial “Fawlty Towers” de John Cleese e da HBO ter banido da sua grelha de conteúdos o filme “E Tudo o Vento Levou” de Victor Fleming (1939) devido à presença de racismo na argumentação. No entanto, já que se está a censurar conteúdos, porque não incluir, pelo mesmo motivo, os filmes: “O Nascimento de uma Nação”, de D.W.Griffith (1915), “Jazz Singer” de Alan Crosland (1927) e toda a filmografia western de John Wayne. Já agora, incluíam-se também “A Desaparecida” de John Ford (1965) devido aos insultos aos índios e o “Non ou Vã Glória de Mandar” de Manoel de Oliveira (1990) porque insulta os africanos naturais das nossas ex-colónias. Retirava-se também o filme:“Couraçado Potemkin” de Serguei Eisenstein (1925) devido à presença de um discurso politizado e o “Dr. Jivago” de David Lean (1966) pelo mesmo motivo. Aliás, ao optar-se por este caminho, sou apologista de se acabar com a história de vez e criarmos uma espécie de “Éden Alpino” – um pouco à semelhança do “Música no Coração” de Robert Wise (1965) – para todos vivermos estúpidos, mas felizes e contentes…

Sabem quem é que há 75 anos teve uma ideia destas?

            É importante compreender que estas obras, são grandes obras não só do cinema, como essencialmente da humanidade. Num momento, em que se pode adquirir facilmente o Mein Kampf, de Adof Hitler – a bíblia do movimento nazi, é importante compreender que a solução passa por enquadrar, entender e estudar estas obras de modo a não cometer erros do passado que retratam. Pois, só assim evoluímos como uma sociedade. Veja-se, acerca deste propósito, a libertação os campos de extermínio nazis pelas tropas aliadas. Nesses momentos de incredulidade, houve a preocupação de se registar e documentar tudo não só para constituir prova contra o regime nazi, mas fundamentalmente para que a humanidade nunca pudesse esquecer esses atos tão atrozes. E mesmo assim, com esses inúmeros registos, património erguido etc., há ainda quem tente negar a sua existência. E pior, esses erros do passado já foram cometidos novamente e por inúmeras vezes (Jugoslávia, Ruanda etc.).

             Ora, independentemente de origem do meio, os monumentos servem um propósito de imortalização coletiva da origem da nossa sociedade (LeGoff, 1989). É precisamente sobre a consciencialização da existência de uma história e memória comuns que nós, enquanto espécie, edificamos a nossa identidade. Logo, poder-se-á dizer que, para além de vincular gerações sucessivas, o reconhecimento deste passado comum serve como elo para evitar que se cometam erros do passado…

            Por isso, em suma, pode concluir-se que o problema não está nas obras edificadas, nem na filmografia e bibliografia que hoje existe. Está nas lacunas formativas da nossa sociedade como um todo. São falhas grosseiras que ocorrem nas nossas comunidades, nas famílias, escolas e instituições representativas e religiosas. É importante recordar que uma pessoa não nasce racista, xenófoba, nem homofóbica. É algo que aprende na multiplicidade que compõe o meio que a envolve…

 

Luís Miguel Pato

Profissional e docente em Ciências da Comunicação