OPINIÃO QUE CONTA: “A Vida Na Toca”: qualidade televisiva produzida em Cantanhede (L. Miguel Pato)

Há já muitos anos que trabalho em meios de comunicação – nomeadamente, televisão. Recordo que, quando comecei na já extinta TV Saúde de Coimbra (canal monotemático sobre saúde transmitido na TV Cabo), que o processo de produção de televisão era caríssimo. Os equipamentos técnicos, que eram ainda analógicos, eram pesados. O processo editorial linear (máquina – a – máquina) era demorado. No entanto, a maior dificuldade era a possibilidade de difundir. Porém, apesar disto tudo, o prazer de ser possível produzir TV fora dos grandes centros (Lisboa e Porto) suplantava estas dificuldades. Era uma produtora local a descentralizar um processo que até aí tinha sido quase exclusivo dos grandes centros urbanos nacionais (Lisboa, Porto).

Até então, haviam alguns exemplos – como os canais locais, quase bairristas – NTV (Porto), CNL (Lisboa) e alguns projetos de universidades e de outras instituições de ensino superior que produziam conteúdos para a Internet. Sendo, que a maioria destes conteúdos eram de natureza pedagógica. No entanto, mesmo assim, também contribuíam para o alargar da geografia da ecologia mediática da TV em Portugal.

Com a imposição da revolução digital, assistiu-se à desfragmentação desta realidade. Os equipamentos reduziram o seu tamanho e ficaram mais potentes. A democratização digital, imposta pela Internet, fez com que o processo de emissão ficasse mais acessível. E a possibilidade de cada um de nós ser simultaneamente produtor e emissor de conteúdos mediáticos é agora uma realidade. Trata-se da imposição de uma cultura participativa que é quase epidérmica na nossa sociedade.

Hoje, fazemos parte de paradigma social que hoje se descreve como sendo a: sociedade dos ecrãs. Trata-se de um mundo imersivo; é uma existência em que o “lúdico” e o “sério” convergem e divergem. É vida vivida nos ecrãs e com os ecrãs. É e através da sua omnipresença que uma parte considerável da nossa vida atual se organiza.

Ao olhar para o meio televisivo atual, pode ver-se que este meio é um suporte para a transmissão de conteúdos culturais identitários de uma determinada localidade. Acerca deste propósito, pode ver-se, por exemplo, o serviço público de televisão (RTP) – onde há a obrigação de manter independência, assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de ideias. Só assim, é possível cumprir com o desiderato para o qual foi criado – manter uma esfera pública saudável. Com o apogeu da Internet, a plataforma é um suporte global e nunca como hoje houve tanta disponibilidade de meios expressivos digitais (registo, edição e emissão) – este é um dos pontos basilares do teorema “media life”, cunhado por Mark Deuze.

Com tal disposição, pode ver-se que a cultura participativa é uma realidade. Existem projetos de televisão para a Internet com uma periodicidade diária. Aliás, até as promoções expostas nos ecrãs das farmácias são “TV”. Isto leva à pergunta: o que é hoje TV? Mas isso, é uma outra discussão. O que importa neste momento, é que o alcance global da plataforma permitiu a “glocalidade” – isto é, quando o que é produzido e emitido “localmente” tem a capacidade de assumir proporções globais (Castells, 2009).

Há dias, tive prazer de assistir a um programa produzido em Cantanhede chamado – “A Vida na Toca” (https://www.facebook.com/avidanatoca). Trata-se de um “talkshow” do estilo “late night” – na linha do “Tonight Show” de Steve Allen, Jack Parr, Johnny Carson, Jay Leno, Conan O’Brien, Jimmy Fallon etc., ou do “Late Night” de David Letterman. Em Portugal, para além de Herman José (HermanSIC), encontram-se paralelismos nos programas “5 para a Meia Noite” (RTP), algumas produções de Júlio Isidro e de Ricardo Araújo Pereira etc.

É um género televisivo de entretenimento; uma rúbrica quase informativa em que um grupo de personalidades, conduzidas por um entrevistador, abordam vários tipos assuntos. Normalmente, é uma conversa acerca de temas relacionados com os convidados e com a agenda dominante. A sua abordagem é leve, às vezes quase lúdica. O único formalismo deste programa poderá estar no guião com perguntas para o entrevistador fazer aos seus convidados. O resto, é uma conversa resultante de um processo de produção…

Depois dos meios impressos locais, a quem presto a minha sincera e grata homenagem, é com grande agrado que assisto à produção de um programa televisivo, com qualidade feito em Cantanhede, por gente de Cantanhede e também acerca de pessoas de Cantanhede.

Parabéns a toda a equipa de produção do “A Vida Na Toca”.

Luís Miguel Pato – Profissional e docente em Ciências da Comunicação