OPINIÃO QUE CONTA: “A presença da propaganda na comunicação institucional” (Luís Miguel Pato)

“Quando olho para as campanhas publicitárias de alguns partidos mais extremistas assiste-se, tal como no passado, à colocação em causa do sistema democrático que está implementado. Aliás, basta recorrer à ascensão de recentes fenómenos políticos, como os de Jair Balsonaro, Donald Trump, Viktor Orbán, Nicolás Maduro ou até o processo do Brexit e é possível ver-se que a sua essência se ergue sobre a difamação constante do sistema político dominante. Para isso, os seus promotores servem-se normalmente de clichés. Isto é, pegam em parangonas (títulos vistosos), presentes na imprensa diária, e criam mensagens de fácil apreensão. Veja-se, por exemplo, o: “Make America Great Again” (fazer com que a América seja grande outra vez) de Trump, ou o: “chega de tachos e corrupção”, da campanha às próximas eleições presidenciais de André Ventura.  

Para compreender este fenómeno é necessário abordar o que se entende por propaganda. No entanto, primeiro, é necessário compreender o que é persuasão. E aqui, tal como ocorre com a propaganda, também se está perante uma estratégia comunicacional que é erguida sobre a retórica – isto é, a arte de comunicar de forma efetiva e devidamente contextualizada embora sem a conotação depreciativa da anterior modalidade.   

Para que seja efetiva, é necessário que ocorra uma mudança de crenças, valores, comportamentos e consequentes atitudes, por parte da audiência. No entanto, tal só ocorre quando se impõe uma “ideia âncora”. Isto é, um assunto, ou um tema, que é importante para o público alvo. Normalmente, é algo que resulta num benefício pessoal para cada elemento que compõe uma determinada audiência. Tradicionalmente, são bens tangíveis, ou que se podem manifestar como tal. Pode ser, por exemplo, uma promessa de emprego; cuidados de saúde mais acessíveis, uma assistência social mais justa ou até uma maior celeridade das responsabilidades do estado. Não discuto a justiça e a necessidade destas medidas. No entanto, neste momento, o que é importante compreender é que na maior parte dos casos, tal não é verdade. Acabam por ser promessas que não se cumprem. Veja-se, por exemplo, o ideário, sistemicamente regurgitado, da pureza da raça. Primeiro, na Alemanha, depois na Sérvia, Síria, no Ruanda, em Cabo Delgado (Moçambique) etc. Setenta anos depois das trevas do Holocausto, periodicamente, em tempos mais conturbados a humanidade teima em insistir em soluções extremistas que não funcionam. A história já mostrou isto vezes sem conta. E mesmo hoje é possível assistir a genocídios emitidos em 4K e em tempo real.

Neste momento, impõe-se compreender – como é que tal ocorre? Em tempos de desespero, em que a qualidade de vida de cada um é colocada em causa, como o que estamos a viver com a atual pandemia, a imposição de um sistema de expectativas é relativamente fácil. Trata-se de um ladrilho que se manifesta simbolicamente sobre as necessidades imediatas da população. Trata-se de uma retórica que se ergue sobre o desespero da sociedade que acaba por regular os seus comportamentos através do cumprimento destes ditames falaciosos. É, no fundo, a imposição de uma “dialética do desejo” (Rodrigues, 2011). E é sobre a quebra desses laços propostos pela persuasão que esta passa a ser propaganda.

Nesta proposta de estratégia de comunicação, a ampliação dos assuntos tratados é essencial. As mensagens transmitidas estão assentes sobre a evocação de valores como – interesses sociais, questões de cariz religioso, saúde pública, assuntos económicos e um nacionalismo fervoroso. Para além destes assuntos, tal como ocorria nos regimes absolutistas, assiste-se também ao aclamar do culto da personalidade do líder. Porém, está-se perante uma estratégia que visa apenas impor um enviesamento da opinião pública de modo a cumprir com a agenda, muito pessoal, de quem está no poder (Soules, 2015). Para que tal ocorra, é necessário que estes temas já tenham sido assumidos pela população. Pois, só assim os efeitos nefastos da propaganda parecem normais; aliás, apresentam-se mesmo como sendo quase do domínio senso comum…

O derradeiro exemplo dos resultados desastrosos da imposição destas estratégias está presente no livro: “Eichmann em Jerusalém – um relato acerca da banalidade do mal”, de Hannah Arendt (1963). Nesta obra, ao analisar o discurso de Adolf Eichmann – um dos principais responsáveis pelo Holocausto – esta filósofa repara na presença de termos provenientes de um vocabulário administrativo para falar das deportações de milhões de judeus para a sua morte nos campos de extermínio. Há, portanto, uma normalização do processo. Neste caso, na organização de um genocídio. Portanto, impõe-se a questão – como é que estes regimes propagam estas soluções? Pior, e, como já se viu, como é que são considerados normais? Simples – assiste-se a um apelo, por parte do promotor, através dos meios de comunicação que tem ao seu dispor, que determina que o apoio a estas causas através deste ângulo, é a única opção sensata que resta à população. Aliás, é apresentada, através dos meios de comunicação, como sendo uma opção quase lógica. E nesta era em que a interação e os processos de socialização humana estão reduzidos à “mera” transferência de dados, é importante compreender que também a propaganda se adapta.

Jacques Ellul (1973) divide a propaganda em quatro modalidades. Para se falar de algumas das estratégias de comunicação institucional, deste alinhamento, destacam-se a “vertical” (proveniente de um determinado agente de poder) e a “política” (é organizada com uma intenção claramente partidária e ideológica). E é à luz destes postulados, que se pode ver que há já muito tempo que a comunicação institucional de algumas câmaras é norteada por intenções claramente ideológicas. Não com os efeitos trágicos dos exemplos citados anteriormente, é claro. Nem sequer tal se propõe. Porém, a essência comunicacional está presente. Ou seja, é a ideologia do partido dominante direta ou indiretamente a impor-se sobre quase tudo o que é do domínio da comunicação institucional. Uma das posturas que evidencia este tipo de estratégia está presente, por exemplo, nas constantes omissões a que os partidos da oposição são sujeitos. Tenta-se omitir a sua presença tanto no órgão executivo (vereação), como no deliberativo (assembleia municipal). A culpa não é de quem trabalha nesses espaços, mas sim de quem lidera a edilidade. Pois, trata-se de uma opção, e não de uma obrigação.  

Ao olhar para as estratégias é importante sublinhar o cariz público dos gabinetes de comunicação destas instituições. Isto é, são financiadas com o erário público. Logo, não estão ao serviço de um partido, mas sim de uma comunidade. Por isso, a sua ação deve ser pautada com o máximo rigor, ética e transparência. Aliás, na sua essência, a comunicação institucional está ao serviço da instituição e não de um determinado partido. E num estado de direito, estes órgãos, por norma, têm representantes de várias ideologias políticas. Afinal, é para isso que existem eleições. Portanto, com este tipo de postura, assiste-se a uma tentativa de enviesar a opinião pública impondo uma presença falaciosa de omnipresença de quem está no poder. O pior é que o recente contexto pandêmico veio acentuar ainda mais esta tendência quase propagandista. Pois, não há semana que passe em que a ampliação de ações meramente residuais não estejam presentes ora nos meios impressos, como nos digitais – páginas camarárias e contas em redes sociais destas instituições.  

Aliás, ainda há pouco tempo, assistiu-se à transformação de uma conta de uma rede social que promovia – e bem – ações locais numa conta oficial de uma edilidade. Assim, é fácil – num primeiro momento, omitem-se as intenções, desenvolve-se uma identidade, cria-se a audiência e depois, passados uns tempos, mostram-se as verdadeiras intenções. Não é que seja ilegal, não é disso que se trata. Porém, é altamente questionável.

Por fim, recentemente, um hospital local foi premiado com um prémio internacional pela resposta inovadora que teve perante o Covid19 e até hoje a edilidade local ainda não se pronunciou.

Aliás, esta situação já tinha sido denunciada por um blogue (em: https://mordendoacauda.wordpress.com/2020/12/17/ha-premios-e-premios/). Estranho, já passou mais de uma semana. Não deve ser ideologia, deve ser mesmo distração… 

Luís Miguel Pato

Líder da Bancada do Partido Socialista na Assembleia Municipal de Cantanhede”