Luanda Leaks: Investigação internacional mostra como Isabel dos Santos construiu a sua fortuna. Empresária desmente e fala de racismo e preconceito

Uma fuga de informação de mais de 715 mil ficheiros partilhada com o Consórcio Internacional de Jornalistas e o PPLAAF, uma plataforma de proteção a whistleblowers em África, revela como Isabel dos Santos construiu a sua fortuna. Entre as informações reveladas é noticiado um desvio de 100 milhões de dólares da Sonangol para o Dubai. Empresária fala em “racismo” e “preconceito” e diz investigação é acente em documentos e informação falsa.

O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists ICIJ) revelou hoje mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família. O ICIJ, que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.

Durante a investigação foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.

Revelam ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.

Os dados divulgados indicam quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira (administradora não-executiva da NOS e diretora de uma empresa offshore no Dubai), Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia (administrador financeiro da Sonangol).

Com uma fortuna estimada em 2,2 mil milhões de dólares, Isabel dos Santos sempre negou que tal resultasse do poder do pai enquanto presidente da Angola ou de corrupção. E voltou a negar já esta tarde em múltiplas publicações na conta de Twitter e também em declarações prévias à BBC África.

“As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o ‘Governo Angolano’ (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?”, reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter, acrescentando “#icij #mentiras”.

 

Racismo e preconceito, afirma Isabel dos Santos

A filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos dirige também ataques diretos à Sic e ao Expresso, os dois media portugueses que integram a investigação do consórcio internacional,  considerando que está a ser alvo de “racismo” e “preconceito” por parte da SIC- Expresso: “A minha “fortuna” nasceu com meu caracter, minha inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança.Hoje com tristeza continuo a ver o “racismo” e “preconceito”da Sic-Expresso, fazendo recordar a era das “colônias” em que nenhum Áfricano pode valer o mesmo que um “Europeu””, escreveu.

“Os ‘leaks’ são autênticos? Quem sabe? Ninguém… estranho mesmo é ver a PGR [Procuradoria-Geral da República] de Angola a dar entrevistas à SIC-Expresso. Procurador Geral de Angola a Angola a dar entrevistas… a canais portugueses!”, escreveu a empresária, numa dessas mensagens

Isabel dos Santos comentou ainda: “Consórcio ICIJ recebeu fuga de informação das ‘autoridades angolanas’??!! Interessante ver o estado angolano a fazer ‘leaks’ [fugas] jornalistas e para a SIC-Expresso e depois vir dizer que isto não é um ataque político?”.

Num outro ‘tweet’, escreve que “o povo de Portugal é amigo do povo de Angola e não podemos deixar que ‘alguns’ interesses isolados ‘agitem’ a amizade e respeito que conseguimos conquistar e construir juntos”.

A empresária e o marido afirmam também que os computadores de pessoas que empregam, nomeadamente consultores legais, foram alvo de ataques e que são o alvo de uma caça às bruxas com motivações políticas por parte do novo presidente de Angola, João Lourenço. “Há um ataque orquestrado pelo atual governo que é completamente motivado por razões políticas, é completamente infundado”, afirmou Isabel dos Santos à BBC África. “Posso dizer que as minhas ‘holdings’ são comerciais, não resultam de contratos ou contratos públicos ou dinheiro que tenha sido desviado de outros fundos”.

Também o marido de Isabel dos Santos, o colecionador de arte Sindika Dokolo, descreveu a ação do governo angolano como um “armageddon” e um “risco para a economia” uma vez que, afirma, ele e a mulher empregam milhares de pessoas em Angola e estão entre os principais contribuintes do país. “Temos trabalhado e investido neste país, mais que muitos outros”, afirmou.

Numa carta aberta, o ex-presidente José Eduardo dos Santos rejeitou todas as acusações de comportamento indevido, afirmando que “não transferiu para si ou qualquer outra entidade dinheiro do Estado”.

A empresária, que passa muito do seu tempo em Londres, tem interesses em várias regiões do globo, de África à Europa, e em vários setores, incluindo banca, telecomunicações, televisão, diamantes, supermercados e imobiliário.

 

Galp: comprada por 11 milhões, avaliada em 750 milhões. O que mostram os documentos do Luanda Leaks

O conjunto de documentos a que as equipas dos vários jornais do consórcio internacional tiveram acesso exigiram um trabalho de cerca de sete meses. A sua análise levanta questões sobre negócios preferenciais e operações lucrativas com o governo angolano avaliadas em centenas de milhões de euros a partir de  uma teia constituída por mais de 400 empresas, muitas em off-shores.

No seu artigo, o Guardian destaca algumas das operações:

– a venda ao casal dos Santos pela petrolífera estatal angolana Sonangol de uma participação na petrolífera portuguesa Galp, atualmente valorizada em 750 milhões de euros e que foi adquirida mediante um pagamento inicial de 11 milhões de euros; esta participação é hoje estimada como um dos ativos mais valiosos do casal;

– uma soma total de 115 milhões de dólares paga a consultoras foi ordenada enquanto Isabel dos Santos era presidente da Sonangol, tendo os pagamentos sido realizados através de uma empresa sediada no Dubai e controlada pela empresária e pelos seus associados

–  Um negócio com Angola Selling Corp., que ficou a deter a partir de 1999, licença exclusiva para vender diamantes angolanos, resultou numa dívida pública de 200 milhões de dólares e ajudou a impulsionar um marca de jóias suíça detida em parte pelo marido de Isabel dos Santos;

– Duas empresas do casal e de empresas sub-contratas angariaram 500 milhões de dólares em licenças a uma companhia de promoção imobiliária do Dubai para atuar em Luanda, licença cancelada pelo novo presidente angolano por “sobre-faturação” e “compensação desproporcionada”;

Ana Gomes pede demissão de Carlos Costa e Teixeira dos Santos

Em Portugal, a ex-eurodeputada Ana Gomes, que esta semana foi ilibada do processo que lhe tinha sido interposto por Isabel dos Santos, pediu já a demissão de todos os portugueses implicados neste Luanda Leaks, nomeadamente o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos, agora administrador do Eurobic.

Além de Carlos Costa e de Teixeira dos Santos, Ana Gomes defende que é preciso agir também em relação ao que designa como “tugas cúmplices ativos”, aqueles que “deviam ter agido e não agiram” e os “cúmplices passivos” em “sucessivos governos, no Banco de Portugal, na CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] e até na PGR/ DCIAP [Procuradoria-Geral da República/Investigação e Ação Penal]”.

Em menos de 24 horas, mais de 57 milhões de dólares “voaram” da conta da Sonangol no Eurobic em Lisboa 

A relação entre a Sonangol e Isabel dos Santos é um dos temas-chave na investigação do Luanda Leaks, Um dos episódios que se evidencia teve lugar em Lisboa no dia a seguir a ser publicada a notícia da exoneração do conselho de administração da Sonangol, o que significava o afastamento de Isabel dos Santos e da sua equipa.

Conta o Expresso, jornal português que integra o consórcio internacional de jornalistas, que a conta da petrolífera angolana no banco português Eurobic, no qual Isabel dos Santos é a maior acionista, tinha 57,4 milhões de dólares a 15 de novembro, dia do anúncio das mudanças na gestão da Sonangol; no dia seguinte a mesma conta assinalava um saldo negativo de 451 mil euros. Os registos de um e outro dia no estrato bancário são um dos documentos que fazem parte dos 715 mil ficheiros do Luanda Leaks.

Uma transferência de 38 milhões de dólares foi feita da conta do Eurobic para uma conta no Dubai e a que o Ministério Público de Angola abrisse um inquérito-crime, por suspeitas de ter sido ordenada depois de Isabel dos Santos e do seu administrador financeiro Sarju Raikundalia terem sido exonerados pelo novo presidente de Angola.

Essa foi uma das operações realizadas na conta nesse dia. Outras duas transferências tiveram lugar também a 16 de novembro de 2017  saindo da conta da Sonangol no Eurobic e entrando numa conta em nome de Emirates NBD titulada pela Matter Business Consulting DMCC, uma companhia offshore controlada por Jorge Brito Pereira, advogado de Isabel dos Santos, e gerida pelo seu braço direito, Mário Leite da Silva.

A conta foi assim esvaída, passando de um saldo de mais de 57 milhões de dólares a um descoberto de mais de 400 mil dólares.

Madremedia