Jogo online ilegal: Grupo movimentou 80 milhões num ano

Unidade de Ação Fiscal da GNR investigou durante um ano grupo com mais de cem pessoas que vendia acessos a sites ilegais onde se podia apostar online em eventos desportivos e em jogos de fortuna e azar. Foram detidas 20 pessoas, uma delas no Luxemburgo.

Na maior operação de sempre em Portugal no âmbito do combate ao jogo ilegal através de plataformas online e jogos de fortuna e azar – que foi batizada como Shadow Game -, a GNR deteve 20 pessoas e pôs fim a um negócio que só no último ano rendeu 80 milhões de euros de receitas ao grupo agora desmantelado.

A investigação da Unidade de Ação Fiscal da Guarda à exploração ilícita de jogo, de apostas online e de apostas desportivas à cota de base territorial durou um ano e culminou com a realização de 146 buscas domiciliárias e não domiciliárias só no primeiro dia da ação – terça-feira, 6. Os resultados finais, que vão incluir as ações desta quarta-feira, devem ser conhecidos até sexta-feira, anunciou a GNR em comunicado.

De acordo com as informações recolhidas, os detidos constituirão o topo de uma rede criminosa que envolveria mais de cem pessoas que, pelo menos desde 2015, atuava em Portugal, Luxemburgo, Suíça, França, Bélgica, Brasil e Moçambique.

Destes, 19 vão ser presentes ao juiz de Instrução Criminal de Setúbal e o 20.º será ouvido por um juiz de instrução criminal do Luxemburgo. País onde foram desligados os servidores utilizados pelo grupo.

Todos estão indiciados, entre outros, pelos crimes de associação criminosa, fraude fiscal e exploração ilícita de jogos, explicou a GNR.

Durante os dois dias da operação os militares efetuaram buscas em habitações, armazéns e, sabe o DN, em escritórios de advogados.

Também no Luxemburgo foram realizadas buscas, neste caso seis a casas. Além da detenção e da apreensão de 114 máquinas de jogo.

As buscas, segundo a GNR, “visaram a organização responsável pela conceção, distribuição e exploração de plataformas de jogo online, desde os responsáveis pela sua conceção e fabrico, aos distribuidores e exploradores do jogo ilícito”.

No primeiro dia da operação foram apreendidos 320 mil euros, 49 carros de média e alta gama, 339 computadores/tablets, 428 periféricos, quatro servidores e dez armas de fogo e munições.

Estiveram envolvidos nesta operação liderada pela UAF da Guarda e pelo comando territorial de Setúbal 677 militares da GNR de Aveiro, Évora, Braga, Faro, Coimbra, Leiria, Guarda, Açores, Porto, Lisboa, Viana do Castelo, Viseu e Vila Real e da Unidade de Intervenção da Guarda.

Nas ações em território nacional, os elementos da GNR foram acompanhados, segundo o comunicado da instituição, por peritos forenses da Europol, por elementos da Autoridade Aduaneira, do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos e da PSP quando a operação aconteceu na sua área de intervenção.

A parte internacional desta operação – as buscas e a detenção – foi realizada sob a coordenação da Europol e da Eurojust.

Comprar login no café

Esta operação liderada pela Unidade de Ação Fiscal da Guarda teve como objetivo colocar fim a uma prática que envolve a possibilidade de apostar em eventos desportivos em sites idênticos aos legalizados pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos mas que são explorados de forma ilegal.

Nestes casos, o jogador compra um login à pessoa que administra a plataforma – por norma são proprietários de estabelecimentos comerciais, como cafés – e fica com a possibilidade de aceder ao site e fazer vários tipos de apostas: resultado final do jogo, golos ao intervalo, etc.

Para conseguir a conta – à qual pode aceder no computador fixo, portátil, num tablet ou smartphone -, o cliente paga entre 10 e 30 euros, verba que depois fica como crédito para as apostas.

Caso acerte na aposta, o jogador dirige-se ao administrador e recebe o dinheiro a que tem direito.

Estas plataformas ilegais por norma usam servidores colocados fora de Portugal, como era o caso do grupo agora desmantelado pela GNR que tinha o servidor instalado no Luxemburgo.

No entanto, na maior parte das vezes essa estrutura até está sediada em países asiáticos onde a legislação referente ao jogo é diferente da nacional.

De acordo com informações prestadas recentemente ao DN pela Unidade de Ação Fiscal da GNR – a unidade que atua nesta área relacionada com fraudes fiscais – são os jovens que mais apostam neste tipo de sites online preferindo os apostadores mais velhos as máquinas que são instaladas nos cafés – como as slot machines.

Este negócio das apostas pela internetem plataformas não autorizadas – em Portugal há 15 casas autorizadas a operar, sendo que sete das licenças são para explorar as apostas desportivas à cota e as restantes para os jogos de fortuna e azar – é uma das preocupações das autoridades fiscais, pois este é um negócio que não paga impostos.

35 milhões de receita bruta

A provar a importância deste negócio estão as operações efetuadas pela GNR entre 2016 e 2017 em que desmantelou três organizações que, em conjunto, conseguiram obter 35 milhões de euros de receita bruta.

Só uma, num ano, teve 17 milhões de euros de rendimento a partir da exploração do jogo ilícito.

A disponibilização deste tipo de jogo ilegal está espalhada por todo o país bastando existir uma ligação àinternet para ser viável.

E há exemplos que mostram a rentabilidade do mesmo. “Numa aldeia no Alentejo havia uma máquina que conseguia dois mil euros por dia. Agora, a grande maioria existe nos grandes centros urbanos, de norte a sul, sendo os lucros muito difíceis de projetar”, explicou recentemente ao DN fonte da Unidade de Ação Fiscal da GNR.

Estas organizações são muito profissionais – podem até explorar empresas com atividades legais, como uma que foi desmantelada pela GNR e que operava em Santarém, Lisboa, Évora e Algarve e que tinha como negócio legítimo fornecer matraquilhos e jogos de setas para cafés – e prestam todo o apoio aos seus distribuidores. “Até lhes garantem proteção jurídica. Dizem aos donos das casas que se lhes apreenderem as máquinas, ou um computador, eles colocam outro.”

A questão jurídica é, aliás, um dos temas mais complexos que envolve o combate ao jogo ilegal. Na grande maioria dos casos, as pessoas que são presentes a tribunal acabam por pagar uma multa pouco expressiva para os valores envolvidos neste negócio. “O lucro é muito grande e as coimas pequenas. Por vezes rondam os 500/600 euros”, acrescentou a fonte do DN.

Apostas de milhões de euros por dia

Esta oferta de jogos ilegais online aproveita a apetência que os portugueses têm pelas apostas.

Segundo dados publicados pelo DN a 13 de setembro, nos primeiros meses do ano foram investidos mais de 1500 milhões de euros nas várias ofertas disponibilizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e mais mil milhões nos sites legais.

Ou seja, no primeiro semestre foram gastos diariamente mais de 14 milhões de euros nas várias categorias de jogos legais existentes no país. Assim, cada português, em média, apostou 1,4 euros/dia.

A Raspadinha é a preferida no que diz respeito aos jogos sociais da SCML num panorama em que os dados fornecidos ao DN confirmaram que nunca se gastou tanto dinheiro em apostas como no primeiro semestre deste ano.

Segundo a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa adiantou em setembro, entre janeiro e junho foram investidos 1571 milhões de euros no jogo, o valor mais alto desde 2013 – nesse ano foram 890 milhões.

No período homólogo do ano passado foram apostados 1487 milhões de euros.

Os três jogos da responsabilidade da SCML de eleição para os portugueses são a Raspadinha (806 milhões de euros); Euromilhões (363 milhões, mas do pódio é o único a descer nas preferências dos apostadores) e Placard (268 milhões).

Os números referentes aos primeiros seis meses do ano mostram uma tendência bastante diferente da que estava a acontecer desde 2013: na primeira metade de 2018, o desinteresse das pessoas só recaiu em três jogos – além do já referido Euromilhões, o Totobola e o M1lhão.

Todas as outras ofertas da SCML subiram no valor de apostas, interrompendo a tendência decrescente que vinham a registar-se nos períodos homólogos.

Com a curiosidade de a Lotaria Clássica ter passado de um valor de cerca de 15 milhões no ano passado para 20 milhões entre janeiro e junho.

Em sentido contrário surgem o Totobola (perde cerca de 1,2 milhões de euros) e o Euromilhões (perto de dois milhões a menos).

Como o Placard, no sistema de entrega das apostas nos mediadores, mantém uma trajetória ascendente desde o seu lançamento, a 9 de setembro de 2015 – neste primeiro semestre foram apostados 268 milhões de euros que comparam com os 256 milhões do período homologo -, a leitura que se pode fazer é que há uma transferência do interesse dos apostadores para este jogo.

Apostas online também a subir

O gosto nacional pelas apostas fica também visível no relatório sobre a “Atividade do jogo online em Portugal”, da responsabilidade do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos.

Segundo os dados referentes ao primeiro semestre do ano, o volume das apostas desportivas à cota foi de 190 milhões de euros, valor que dispara quando se refere aos jogos de fortuna e azar: 909 milhões de euros.

Estes valores foram registados pelas oito entidades que estão autorizadas a explorar jogos e apostas online em Portugal, havendo 13 licenças distribuídas: seis para apostas desportivas à cota e sete para jogos de fortuna ou azar.

No caso das apostas desportivas, o documento releva o facto de, em comparação com os primeiros seis meses do ano passado, existirem agora mais três licenças.

Quanto às modalidades preferidas dos apostadores, o futebol lidera com muito vantagem (74,4%), seguindo-se o ténis (14,2%) e o basquetebol (7,2%)

DN