Se pensarmos em subir a uma árvore para fugirmos de um jacaré parece-nos uma situação caricata e impossível. No entanto, na peça de Cláudio Torres Gonzaga, não há situações impossíveis.
Em “Jacaré”, um guia turístico e uma turista ficam presos no cimo de uma árvore quando tentam escapar da perseguição de um jacaré. Depois de muitos momentos tensos e divertidos chegam à conclusão de que só um poderá sair dali com vida. Mas quem?
Os atores são o humorista António Raminhos e a atriz Abbadhia Vieira, que nos vão falar um pouco acerca da peça.
A peça “Jacaré” estreia no próximo dia 16 de Novembro. O que é que nos podem dizer sobre ela?
Abbadhia: Primeiro, é um processo ricamente cultural, porque a peça original é uma peça totalmente em português brasileiro e essa adaptação para o português de Portugal foi muito curiosa, porque havia palavras que nós não conhecíamos. Eu não conhecia algumas expressões aqui de Portugal e o Raminhos não conhecia algumas palavras que estavam no texto, então, foi muito rico nesse aspeto. Depois, embora seja uma comédia, tratamos questões muito delicadas nesta peça como o valor da vida, quando estamos em perigo e quanto vale a vida de um ser humano.
Raminhos: A peça é sobre um guia turístico e uma cliente que, por acaso, enfrentam uma situação normalíssima, que consiste em ficarem os dois presos em cima de uma árvore, porque lá em baixo está um jacaré e eles não conseguem fugir. A peça acaba por ser quase uma luta entre duas pessoas para perceberem como é que eles podem sair os dois com vida dali. Portanto, é uma comédia ligeira que faz muito mais pensar sobre as decisões que temos de tomar na vida.
Pegando um pouco pelo facto de esta peça unir Brasil com Portugal, como é que surgiu a ideia de juntar a Abbadhia e o Raminhos?
Abbadhia: Nós temos em comum o autor e diretor da peça, Cláudio Torres Gonzaga, que, quando soube que eu estava a caminho de Portugal, me indicou o nome do Raminhos. Eu não conhecia o Raminhos e, quando cheguei a Portugal, apresentei-me e nós fizemos a leitura, conversámos e chegámos à conclusão de que era possível realizarmos esta peça aqui em Portugal. E faz parte dos nossos planos levá-la também ao Brasil.
Raminhos: A Abbadhia veio viver cá para Portugal e o Cláudio Gonzaga, há uns tempos, convidou-me. E eu como tenho aquela atração pelo abismo disse-lhe que sim. Ainda nem sequer tinha lido a peça e já estava a dizer “bora, vamos fazer”. Geralmente, eu tenho esta atração pelo abismo de fazer coisas que não estou habituado a fazer nem que seja para poder dizer “olha, pelo menos isto já fiz”.
Mas, geralmente, tem corrido sempre bem…
Raminhos: Sim, mas há sempre uma primeira vez para tudo! O meu maior medo é, obviamente, esquecer-me de falas ou de deixas. Até porque, eu tenho bem presente que a única peça de teatro que eu fiz foi quando andava no sexto ano. Eu fazia muitas peças e, então, há uma em que há uma fala que era de um ator e que passou para mim e eu só tinha de dizer “desde aqui da cidade do Olimpo, só vemos Barcelona” e eu disse “desde aqui da cidade do Olimpo só vemos Bruxelas” (risos).
O Raminhos está, pela primeira vez, a fazer teatro. Como se está a sair? (risos)
Raminhos: É horrível (risos). Horrível mas não é no mau sentido! O processo em si é gratificante, ou seja, estarmos a ensaiar e vermos as coisas a ganhar forma. No entanto, fazer as coisas muito bem e aprender a fazer as coisas, é horrível nesse sentido, porque é muito exigente. E, para além disso, eu continuo na rádio, tenho os espetáculos, tenho os eventos, tenho que ensaiar, tenho que aturar três miúdas em casa… (risos) Portanto, tudo isto faz puxar muito mais. Mas tem sido muito engraçado ver aquilo que no início são palavras em folhas ganhar forma.
E o facto de ser uma peça onde o humor está incluído não acaba por, também, facilitar um pouco as coisas?
Raminhos: Mais ou menos. Já tive peças que são misturas de stand up com teatro, mas aí eu tenho muito mais liberdade para improvisar. Agora, aqui, trata-se de uma peça de teatro escrita por um autor, neste caso, pelo Cláudio Torres Gonzaga, e ao ser uma peça escrita obriga a que esse improviso não possa ser assim tão grande. Eu tenho de dizer as coisas de determinada forma e com uma determinada intenção, o que acaba por não facilitar muito. Basicamente, eu estou cheio de medo (risos).
Para a Abbadhia, é fácil trabalhar com alguém com um sentido de humor tão apurado? Na medida em que a própria Abbadhia também está relacionada ao humor…
Abbadhia: Sim, sim. É um processo onde a cada ensaio a gente acrescenta alguma coisa de distinto que vai colaborar com a peça no sentido do humor. A dificuldade maior é que o Raminhos é uma pessoa acostumada a estar sozinha no palco. Então o processo mais delicado de adaptação foi fazer com que duas pessoas de humor que estão acostumadas com o humor solo, se adaptem agora a uma coisa de dueto e não um monólogo, que é uma coisa mais solo. Esse é o desafio, mas um desafio bom.
O Raminhos está habituado a atuar sozinho e agora tem de dividir o palco com outra pessoa. É complicado fazer essa divisão?
Raminhos: Não. Só é complicado mesmo nessa parte de termos de dar as deixas. Essa parte poderá, eventualmente, ser mais complicada. Mas nós damo-nos bem, criámos uma química engraçada, a Abbadhia é divertida, então, divertimo-nos bastante.
Voltando um pouco atrás, uma das coisas que a Abbadhia mencionou foi exatamente o facto de haver uma união entre Portugal e Brasil e de, no ensaio, haver uma dificuldade com a questão das palavras. Também sentiu essa dificuldade?
Raminhos: Nós temos mais facilidade porque vemos muitas novelas brasileiras, não é? Eu li a peça e falei com o Cláudio e disse que havia muitas coisas para alterar para o português de Portugal, porque não iam fazer sentido ou nós nem sequer usamos essas expressões. E, ao mesmo tempo, é muito engraçado porque às vezes eu estou a falar com a Abbadhia, fora dos ensaios, e parece que estou a falar com as minhas filhas porque de 30 em 30 segundos eu tenho de lhe estar a explicar o que é que lhe estou a querer dizer, porque há palavras que ela não percebe. Claro que eu lhe ensinei todas as asneiras possíveis e imaginárias (risos).
E, em média, quanto tempo demora uma peça destas a ser devidamente preparada e ensaiada?
Abbadhia: Eu cheguei aqui em Abril e estamos a ensair desde Maio/Junho. Tivemos alguns intervalos porque eu viajei, ele tinha as atividades dele mas, efetivamente, a gente está há três/quatro meses se preparando para isso porque, tanto ele quanto eu, temos outras atividades.
Porque é que as pessoas têm de ir ao teatro ver esta peça?
Abbadhia: Eu aposto 100%, no mínimo, pela curiosidade de ver um português e uma brasileira disputando o palco. Mas, para além disso, é uma experiência quase reflexiva porque vai fazer pensar. O cenário é diferente ao que as pessoas estão acostumadas, a situação não é uma situação comum, por isso, é uma experiência quase sensorial. Aí, somamos a estreia do Raminhos no teatro, uma brasileira que está cá há pouco tempo se acostumando com os sotaques, além de ser um espetáculo muito divertido.
Raminhos: Primeiro, porque é uma produção luso-brasileira muito simples e muito divertida. E, para quem gosta de mim ou tenha curiosidade, é a minha estreia no teatro. Espero que possa matar essa curiosidade nem que seja para me ver espalhar ao comprido (risos).
“Jacaré” é o nome da peça do conhecido humorista, Cláudio Torres Gonzaga, e tem estreia marcada para dia 16 de Novembro, no Teatro Armando Cortez, em Lisboa.
Por Cátia Sofia Barbosa.