Inquérito à CGD: Vítor Constâncio garante que nada omitiu na Assembleia da República

Vítor Constâncio, antigo governador do Banco de Portugal, garantiu ontem que “nada omitiu” na comissão parlamentar de inquérito à CGD e que o supervisor não tem conhecimento de operações de crédito antes de decididas pelos bancos.

“Como expliquei corretamente na Assembleia da República (AR), o Banco de Portugal (BdP) não tem competência para ter conhecimento de operações de crédito antes de serem decididas pelos bancos, nem muito menos competência para as mandar anular”, afirmou hoje Vítor Constâncio num esclarecimento escrito enviado à Lusa.

“Foi o que esclareci na AR onde não se abordaram questões sobre autorização de participações qualificadas, pelo que nada foi omitido da minha parte”, assegurou o antigo governador do BdP.

O também antigo vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) prestou o esclarecimento na sequência da notícia hoje divulgada pelo Público, segundo a qual Vítor Constâncio teria omitido informações à AR e teria participado, enquanto membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal, na autorização de uma operação de crédito concedida pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao Grupo Berardo.

No esclarecimento enviado à Lusa, Vítor Constâncio salientou que “ambas as coisas são falsas” e acrescentou que “o Banco de Portugal apenas teve de não objetar a que o referido Grupo ultrapassasse a percentagem de 5% que o caracterizaria como acionista qualificado do BCP”.

O antigo governador do BdP indicou ainda que quando aquela “decisão foi tomada já estava assinada a operação de crédito pela CGD”.

Segundo noticiou o jornal Público, “Constâncio deu aval a crédito ruinoso da CGD a Berardo”, já que “a operação foi aprovada em Conselho de Administração do Banco de Portugal”, informação que, de acordo com o jornal, o ex-governador omitiu à Assembleia da República.

Segundo documentos a que a Lusa teve acesso, dois membros da supervisão bancária do BdP, Carlos Nunes e Virgílio Mendes, assinaram uma carta em que se pode ler que “o Conselho de Administração do Banco de Portugal, em sessão de 21 de agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção por parte da Fundação José Berardo de uma participação qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital social do Banco Comercial Português SA e inerentes direitos de voto”.

Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, em 28 de março, em resposta ao deputado do PSD Duarte Marques, que lhe tinha perguntado se “não achou estranho” o “assalto ao BCP com dinheiro da Caixa”, Vítor Constâncio afirmou: “Eu não teria feito essas operações [de concessão de crédito com ações como garantia], mas elas foram legais”.

Na audição, o também ex vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), em resposta ao deputado do PCP Duarte Alves, disse que era “claro” que o Banco de Portugal “só tinha conhecimento delas [das operações] depois”.

“Como é óbvio. É natural. Essa ideia de que pode conhecer antes é impossível”, disse então Vítor Constâncio, acrescentando que o supervisor não podia “interferir nessa decisão”, e que não se podia “avaliar as coisas com o conhecimento que se teve depois como admitindo que ele tinha que existir antes. Não poderia existir”, disse então Vítor Constâncio.

Também Pedro Duarte Neves, vice-governador responsável pelo pelouro da supervisão na administração de Vítor Constâncio, rejeitou “qualquer […] comunicação ao Banco [de Portugal] antes da concessão desses créditos”.

Em resposta à deputada do PSD Margarida Mano, disse que “não houve qualquer […] comunicação ao Banco [de Portugal] antes da concessão desses créditos”, e que “as decisões de crédito são tomadas sem consulta ao Banco de Portugal”.

Numa carta ao Banco de Portugal, datada de 07 de agosto de 2007, a Fundação José Berardo comunicou ao supervisor que “a aquisição de ações [do BCP] será feita com recurso a fundos disponibilizados pela Caixa Geral de Depósitos [CGD], através do contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 28 de maio de 2007, até ao montante de € 350.000.000 (trezentos e cinquenta milhões de euros)”.

Anteriormente, o Banco de Portugal tinha pedido à Fundação José Berardo “uma descrição detalhada das fontes e forma de financiamento da aquisição da participação em apreço […], nomeadamente com a cópia das condições contratuais da linha de crédito aberta junto da Caixa Geral de Depósitos”, algo que a fundação presidida pelo empresário José Berardo anexou na carta enviada a 07 de agosto de 2007.

Em 2015, segundo uma auditoria da EY à Caixa Geral de Depósitos (CGD), a exposição do banco público à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, depois de uma concessão de crédito de 350 milhões de euros para compra de ações no BCP, dando como garantia as próprias ações, que desvalorizaram consideravelmente e geraram grandes perdas para o banco.

Lusa