“Gosto de pensar que na origem toda a música é sacra”

“Entrevista do organista João Santos ao Jornal Mira Online

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João Santos, 36 anos, é compositor, organista e professor. O “espartilho da educação levou-o a palcos internacionais. Para ele, música é tentar chegar ao inatingível. Considera-se um organista “low-profile” embora “sendo um português que algumas vezes vai ao estrangeiro”.

Como é que vê a valorização da música em Portugal?

Eu já fui professor, mas agora não dou aulas porque não preciso. Ultimamente tem-se assistido a uma desvalorização da música a nível nacional, nomeadamente nos apoios às escolas de música. Salvo algumas pessoas de boa vontade que continuam a ser chatas e a conseguir levar as coisas para a frente, mas a música já teve melhores dias em Portugal.

A cultura no geral também?

Sim, isto faz tudo parte do mesmo bolo. Há muito tempo que não tínhamos um ministério da cultura e agora temos um Secretário de Estado da Cultura [Jorge Barreto Xavier]. A cultura é uma das coisas mais importantes que um país pode ter. Sem cultura não há identidade.

No estrangeiro dão mais importância à cultura do que Portugal?

Vendo de fora à partida diria que sim, mas de certeza que lá [no estrangeiro] também há dificuldades, embora não como aqui [em Portugal]. Sendo eu um português que algumas vezes vai ao estrangeiro, diria que sim. [risos]

Como surgiu o gosto pela música?

Já é um pouco familiar. O meu pai era músico amador e quis a certa altura que eu tocasse guitarra, mas depois não conseguiu porque eu ainda era muito pequeno para tal. Depois só comecei a desenvolver essa vertente quando fui para o Seminário de Leiria, em 1992.

Em 1996 ingressou na Escola de Música do Orfeão de Leiria.

Sim. Nessa altura já estava a estudar no Seminário de Leiria onde tínhamos aulas de piano. Dentro do Seminário havia mesmo aulas de música e foi importante essa formação inicial. Gostei tanto que no primeiro ano que estive no seminário chumbei de ano e a partir daí nunca mais tive negativas. Às vezes é bom ter um ponto de viragem desse tipo.

Disse numa entrevista ao Região de Leiria, em 2013, que “tocar órgão era atingir o inalcançável” (C1).

Já não me lembro em que contexto o disse, mas é possível, porque a música é uma arte simbólica e indizível. Para mim, música só instrumental é muito mais eloquente do que a que tem palavras. Um bom compositor define-se por conseguir transmitir sensações que de outra forma não conseguiria transmitir.

Principalmente quando falamos de música sacra tentasse atingir esse inalcançável, esse nível de perfeição, de transcendência.

Só toca música sacra?

Não, toco de tudo. Também toco piano, já dirigi orquestras e coros. Claro que o meu instrumento é o órgão, mas existe muita música que não é sacra. Se bem que a diferença entre música sacra e profana só faz sentido quando a mesma é composta com o objetivo de ser uma música sacra, litúrgica ou religiosa. Gosto de pensar que na origem toda a música é sacra, porque se Deus deu aos compositores dons para comporem, só por causa de ser um dom de Deus já é música sacra. As sinfonias de Beethoven não são música sacra mas são tão geniais que têm sempre um transcendente.

De organista passou a compositor.

Compositor é um acidente de percurso. Eu gosto de compor, mas para isso é preciso muita disponibilidade bem como alguma investigação e neste momento estou mais vocacionado para o órgão, concertos e às vezes utilizo músicas que já existem e faço arranjos musicais. Gosto de criar algo que nunca foi feito, mas também gosto de dar uma nova roupagem aos cânticos.

Já compôs quantas músicas? [risos] Já perdeu a conta?

Não compus um opus porque não são muitas. Já fiz bastantes arranjos e cerca de dez composições.

Concorreu com elas a concurso?

Sim, algumas [composições] concorri. Tenho agora duas obras corais que vão ser editadas numa revista na Alemanha. São duas obras que tenho em gaveta já há algum tempo. Uma delas já tinha sido finalista num concurso nos Estados Unidos. Ambas ficaram finalistas entre as melhores 15 e o diretor do concurso perguntou-me se eu aceitava que fossem editadas numa publicação especial para o concurso e estou à espera de receber um contrato para a edição daquilo.

Através dos concursos tem então conseguido chegar a vários pontos do mundo.

Concursos principalmente de órgão. Quando acabei o curso de órgão comecei a dar aulas e quando se começa a lecionar há um risco muito grande de ficar abandalhado. Então comecei a pensar em concursos para manter a forma. Em 2007 fui a Alkmaar, na Holanda, à primeira fase e só entravam doze. Em Freiberg (2009) e em Innsbruck (2010) consegui ir à segunda fase.

Ter de tocar em concurso é sempre diferente do que num concerto normal. É preciso uma adaptação muito rápida aos instrumentos. Neste momento já não posso ir a mais nenhum porque já passou a idade.

Já passou a idade?

Sim, têm um limite de idade. Até aos 30 ou 35 anos. Tenho 36.

Em maio deste ano deu um concerto no grande órgão da catedral de Notre-Dame, em Paris, uma das mais importantes catedrais da Europa. «Todos os sábados há concertos de órgão com grandes organistas internacionalmente conhecidos» (C2).

Eles agora estão a dar a oportunidade a mais pessoas. Eu tive sorte de ter pedido na altura certa. Para organistas que ainda são “low-profile” é bom ter isso no “curriculum”.

Então considera-se um organista low-profile?

Ao nível internacional ninguém me conhece. Não me considero um organista suprassumo.

O que agora pretende continuar a fazer?

Vou continuar a fazer concertos, a ser organista titular da Sé de Leiria [toca uma vez por mês] e do Santuário de Fátima. Fátima é a minha fábrica.

 

Citações

C1 – http://www.regiaodeleiria.pt/blog/2013/04/10/joao-santos-o-homem-por-detras-do-orgao-de-tubos-do-santuario/

C2 – http://www.conexaoparis.com.br/2015/04/05/notre-dame-de-paris-porque-e-como-visita-la/

Por: Cláudia Pereira

Estudante de Jornalismo da UC