“FALAR SOBRE…”: Todas as crianças são iguais… ou deveriam ser (António Girão)

Este texto não tem qualquer pretensão de cientificidade ou profundidade de análise, o que não será muito diferente! Não usaremos palavras que poderiam chocar, seremos breves, leves e objectivos. Utilizaremos um narrador em primeira pessoa…do plural.

“Nós” é como nos trataremos, não porque queiramos ser muitos ao mesmo tempo, mas por cortesia. É o sujeito de cortesia, o falar baixando muitas vezes a cabeça, ou deixando-a cair para o lado, balançando-a, em forma de cumprimento ao “senhor padre”, ao “senhor Doutor Martins”, o médico da minha aldeia na minha infância, ou ao “senhor Raul Décio” que acho que até foi regedor…da minha aldeia, claro! Como muitos se recordarão, já viajámos, a pedalar, por duas vezes, da Holanda para Portugal por causas humanitárias. Viemos pelo caminho mais longo: Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, França e, claro, Espanha. Houve duas instituições que massacrámos com as nossas visitas diárias: escolas e bombeiros. Dormíamos nas instalações dos soldados da paz e parávamos em escolas para descansar uma horita de cada vez, pois Agosto não perdoa, mesmo na Europa mais a norte. As escolas estavam em regime de meia-pensão: as crianças utilizavam-nas para usufruir da parte lúdica desta instituição que é muito respeitada nestes países desenvolvidos. Os pais estavam a trabalhar (há quem trabalhe em Agosto) e, os petizes têm as portas abertas, funcionários a trabalhar, embora em número reduzido (mas, mesmo assim em maior número do que cá em pleno tempo de aulas) e passam por aí muito do seu tempo: jogam, brincam, lêem, descansam, fazem tudo o que se deve fazer e…com moderação, com respeito por uma instituição que ainda se escreve com letra maiúscula. É a Escola.

Entrámos em muitas escolas, utilizámos computadores, lanchámos com as crianças, conversámos com funcionários, com professores, com pais, com avós e comigo. Fizemos muitos monólogos que começavam normalmente com uma questão: -Se fosse em Portugal, as crianças levantar-se-iam e diriam “Bonjour Monsieur, comment ça va?” Achamos que não. Talvez não se levantassem e não nos cumprimentassem. Mas, não por falta de educação, simplesmente porque não estão habituadas. As crianças são miméticas, fazem o que vêem fazer. Estão, desde logo, desculpadas. Não as culpabilizemos para “tirarmos o rabo da seringa”. Se elas cumprem as regras sociais, logo surge a expressão: “claro, é o que vê em casa!”. Nem mais…! Mimetismo é isso mesmo! Cientificamente, é esta a definição: “Mimetismo é o caso em que uma espécie possui características que evoluíram especificamente para se assemelhar com as de outras espécies, um exemplo de evolução convergente”. Ora, as nossas crianças tendem a imitar. As dos outros países, também. São exactamente iguais, no que a este processo evolutivo diz respeito. Talvez sejam diferentes naquilo que copiam. E, não nos venham dizer que “lá fora é a mesma coisa”! Não, não é. Em termos gerais, há muitas diferenças.

Não tentemos colocar milhares de crianças a ir, ordeiramente, para a escola, logo de manhã, de bicicleta. Na Holanda, vão! E, não vimos nenhuma cair, barafustar, atrasar-se, deixar a bicicleta desarrumada, chocar com os outros ciclistas ou passar um semáforo encarnado. Observámos milhares de crianças. Almoçámos muitas vezes em cadeias de comida rápida, com tantas crianças como as nossas e conseguíamos ler o jornal. As pessoas falam baixo e são respeitadoras do espaço comum. Nas escolas, sobretudo na Bélgica e em França, conversámos muito com crianças e adolescentes e, a curiosidade deles é muito bonita e apresentada de uma forma muito interessante: estavam perante alguém de um país em que desconhecem os hábitos. Colocavam questões de forma ordeira, ouviam com um sorriso nos lábios e…agradeciam no final, bem como se despediam de nós com abraços afectuosos. Ouvimos, milhares de vezes, na despedida, esta frase: “Bom courage monsieur! Bonne route”. Saímos, sempre, a sorrir…de olhos humedecidos.

Uma situação que não nos passou despercebida foi (afinal, foram duas situações) serem crianças. Todas as crianças são crianças. A outra situação?! A outra foi, também, muito marcante. Em muitas destas escolinhas, as pessoas sabiam, por antecipação que íamos lá estar nesses dias, muitos pais, avós, irmãos, primos, parentes e amigos estavam lá para ver “Le Maître qui fait du velo pour des enfants” (o professor que pedala pelas crianças). Foi emoção dia após dia. Muita emoção. E, as nossas crianças são exactamente como essas: amorosas!

Deixemos que mimetizem, que copiem, actos, gestos, procedimentos, ambições, saudades, como as outras. Serão, se assim o fizermos, crianças com esperança numa sociedade onde não se coloque o lixo ao lado do contentor, ou na mata, onde não se cuspa para o chão, onde se fale ordeiramente nas esplanadas, onde se utilizem os jardins para passear, onde se vejam adultos a ler nesses jardins, onde se cumprimentem as pessoas e, muito importante, onde façam perguntas para aprender!

Temos esperança nesse dia! Não sabemos é quando virá!

Infelizmente…!