“Falar sobre…” Sustentabilidade em Cantanhede – comércio (Gonçalo Magalhães)

Este é o primeiro texto de uma série de temáticas que abordarei acerca do assunto da sustentabilidade e da aplicação da mesma no Município de Cantanhede. Basicamente, aquilo que se procura é identificar os pontos fracos e as oportunidades que encontramos nestas temáticas cá pelos lados do nosso concelho.

Os textos serão publicados pela seguinte ordem de assuntos: comércio, habitação, mobilidade, saúde, emprego, turismo, segurança e cultura. Em todos estes campos, é possível adotar uma postura sustentável relativamente ao mesmos, e sobretudo integrada e relacionada. Conseguirão identificar que ao abordar cada temática, outras serão abordadas também, isto porque é indispensável que se relacionem todas entre si e que o desenvolvimento de umas acabe, inevitavelmente, por beneficiar as outras.

Mas primeiro importa clarificar o que é isto da sustentabilidade e como ela está relacionada com estes assuntos. Podemos definir a mesma como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Quer isto dizer que cada decisão que tomamos hoje, obviamente ponderada, terá que ser pensada para que no longo prazo não se torne dispendiosa ou inútil para quem vier a seguir. O pensamento integrado da comunidade ajudará a que estas decisões se aproximem dos princípios esperados da sustentabilidade. Que princípios são estes?

Ao falarmos de sustentabilidade podemos pensar em três princípios básicos, indissociáveis, correlacionados e de igual importância: o social, o ambiental e o económico. O social engloba as pessoas e as suas condições de vida como a educação, saúde, segurança, lazer, etc. O ambiental refere-se aos recursos naturais do planeta e a forma como são utilizados pela sociedade, comunidades ou empresas. Finalmente, o económico que está relacionado com a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. A economia deve considerar a questão social e ambiental.

Iremos, portanto, abordar as temáticas descritas inicialmente, tendo como base de pensamento estes princípios. Esta introdução serve apenas para contextualizar uma postura que acredito ser a mais sensata para conseguir intervir na sociedade e no território ao nível da gestão autárquica e da expansão urbana planeada.

Comecemos então por falar do que nos trouxe aqui: O comércio em Cantanhede.

Para clarificar o leitor, passo a explicar como organizarei o meu discurso. Em primeiro lugar, irei falar de quais as posturas de gestão e de intervenção que a autarquia poderá tomar para que o comércio se desenvolva e se mantenha de forma sustentável. De seguida, abordarei também o papel do cidadão e do lojista, pois estes têm um papel ativo, não correndo o risco de adotarem uma postura passiva em que se limitam a esperar que alguém tome decisões por eles. Não é esse o caminho. Finalmente, irei abordar o estado atual do comércio em Cantanhede, seus diversos tipos e como intervir para que caminhemos no sentido das boas práticas e da prosperidade.

Intervir no Comércio

 De forma sucinta, vamos dividir os tipos de intervenção em direta e indireta. A direta, normalmente apresenta consequências de curto prazo, ao passo que a indireta tem tendência a mostrar resultados a longo prazo e que em norma se torna a mais sustentável. Passo a explicar: A intervenção direta tem que ver com a realidade instalada, ou seja, as intervenções que a autarquia fizer, vão causar um impacte direto nas vendas dos comerciantes e na atratividade dos espaços comerciais. Este tipo de intervenção passa pela criação de eventos locais dinamizadores, possivelmente temáticos que atraem o residente e o transeunte. Outro tipo de intervenção passa pela aposta em benefícios aos lojistas ou aos clientes para que estes tenham mais vontade de gastar o seu dinheiro. O problema com esta postura, quando aplicada sozinha é que se torna cara para uma autarquia porque a atratividade é pontual e o pico de produtividade muito curto. Isto obrigaria a autarquia a ter investimento constante neste tipo de medidas, o que não se torna sustentável. Já para não falar, que o comprador fica classificado como ocasional e não como regular. No comércio devemos procurar a frequência de clientes e a sua estabilidade. Desta forma quem investe saberá o que contar e prever melhor as suas opções de investimento. Uma política baseada no evento pontual é cara, insustentável e chega a levar a algum falso deslumbramento.

O outro tipo de intervenção é a indireta, ou seja, são aquelas intervenções que se fazem em outros aspetos que inevitavelmente beneficiam, por consequência, o comércio. A título de exemplo: acredito fortemente que a gestão to território e a gestão de mobilidade está intrinsecamente relacionada com o sucesso do comércio local. Senão vejamos. A cultura portuguesa está baseada na compra em volume, de uma só vez e num único lugar. Esta postura gerou uma dependência forte de centros comerciais e grandes aglomerados de lojas. Temos de compreender então, porque é que estes espaços são atractores de tráfego humano. O automóvel, naturalmente que tem aqui um papel muito importante. Visto que a nossa mobilidade se baseia no transporte privado, temos tendência a procurar esse conforto e a não darmos oportunidade a nós mesmos de explorar outras alternativas. Uma vez estacionado o carro num centro comercial, conseguimos fazer todo o tipo de compras, ter uma refeição, deixar uns casacos numa lavandaria e tudo isto sem apanhar uma gota de chuva. De facto, este conforto é atrativo, no entanto, volto a frisar que perdemos algumas oportunidades. Então se o centro comercial é atrativo, a postura pode passar por aumentar a atratividade dos nossos centros urbanos e respetivo comércio por forma a competir com os grandes centros comerciais.

Dar-vos-ei a minha experiência pessoal: Mudei-me para a cidade de Cantanhede em 2018 e até lá vivia em Febres. Esta alteração de residência provocou fortes mudanças no meu estilo de vida. Visto que trabalho em Cantanhede, eu vinha no meu carro todas as manhãs para a cidade, deixava o carro sempre no mesmo lugar, sensivelmente a 200 metros de onde trabalho. O resto do dia fazia-o a pé. Chegava ao final do dia, dirigia-me ao carro e caso tivesse algo que comprar, passava num sítio de carro e comprava de uma só vez o que necessitava e ia para casa, em Febres.

Atualmente a realidade é outra. Vivendo na cidade, o carro ficou parado. Vivo a 500 metros do meu local de trabalho e desloco-me sempre a pé na cidade. Foi nessa altura que comecei a notar algumas mudanças no meu comportamento de consumidor: Ao andar a pé, para além dos vários benefícios para a saúde e sociais inerentes, tornei-me uma pessoa mais atenta ao que me rodeia e abri-me à oportunidade. O ritmo a que andamos a pé permite-nos olhar para as montras, sonhar com determinado móvel lá para casa, passar numa frutaria, e descobrir lojas e serviços novos, tornando-nos melhores consumidores do comércio local. Hoje dou por mim a fazer compras mais vezes ao fim do dia e em menores quantidades, maioritariamente no comércio local, simplesmente porque passo por ele todos os dias nas minhas deslocações pendulares.

Este exemplo serviu apenas para mostrar que a mobilidade pode influenciar a atratividade do comércio e que o comportamento do consumidor é determinante no sucesso de quaisquer políticas de intervenção

Outra postura que se pode adotar e que influencia o sucesso do comércio local é perceber os fatores de atratividade de um centro comercial e transpô-los para o comércio local. Não podemos ignorar que os centros comerciais exercem uma grande atração sobre os moradores de zonas urbanas, levando o comércio das zonas históricas muitas vezes ao abandono. Cada posto de trabalho criado num centro comercial leva à extinção de quatro nas zonas consolidadas. Deve-se, pois, adotar uma estratégia de reabilitação, em que procure ter em conta os aspetos mais atrativos de um centro comercial.

Numa rua pouco atrativa temos desconforto e insegurança provocados pelo tráfego intenso, passeios estreitos com irregularidades e equipamentos, fachadas descaracterizadas (aparelhos de ar condicionado e cabos pendurados, marquises, etc.), montras pouco atrativas, etc.

Para tornar a rua mais atrativa procuramos imitar algumas características dos centros comerciais, tais como: reduzir e abrandar o tráfego (estabelecendo um só sentido, abrandando a velocidades dos veículos através da sensação de rua estreita), melhorar o conforto dos peões (alargando passeios e colocando faixas de vegetação, uniformizando o pavimento), sombreando a rua com árvores e faixas de lona, protegendo o peão da chuva com toldo uniforme, contínuo e rígido ao longo das montras, tonar as montras mais atrativas (iluminação, tamanho, uniformidade), tornar a rua globalmente mais atrativa através da caracterização das fachadas dos edifícios, por exemplo, e associando a rua globalmente a um nome, como a marca de zona comercial.

Naturalmente que estas decisões terão que ser acompanhadas de: formação dos trabalhadores da zona envolvida, para que os funcionários sejam atenciosos e capazes; ter lojas âncora, como parafarmácias, cabeleireiros, reprodução de chaves ou até take away; procurar que tenha uma caixa de multibanco, etc. Será importante também, garantir boas condições de acessibilidade como parques de estacionamento periféricos, pois devido à escala de Cantanhede, julgo que é importante, para o sustentabilidade do comércio local que a atratividade não se resuma aos residentes locais, mas que se procure aumentar a atratividade das outras localidades limítrofes. Em suma, só é possível ter sucesso na revitalização dos centros das cidades se percebermos o que torna os centros comerciais tão atrativos para as pessoas e motivando ou dando razões para que as pessoas circulem pelas ruas.

À medida que outros textos irão sendo pulicados, todas estas temáticas se relacionarão com mais evidência, tornando clara a postura de sustentabilidade que será necessária para que Cantanhede e o comércio em particular prospere, sustentavelmente.