Espanha contra a Manada: “Não é abuso, é violação”

Cinco jovens foram condenados a nove anos de prisão por abuso, não por agressão sexual. Um juiz queria a absolvição já que nos vídeos a vítima tinha uma expressão “relaxada”

Ela disse em tribunal que ficou em choque, fechou os olhos, ficou calada e esperou que acabasse. Eles, os cinco membros da Manada (como se autointitulavam num grupo no Whatsapp), que foi sexo consentido. Os juízes concluíram que não houve violação ou agressão sexual, mas apenas abuso sexual, e condenaram-nos a nove anos de prisão cada um, quando a acusação pedia mais de 20. Uma sentença que não foi unânime entre os três magistrados. Um deles defendia a absolvição, alegando que, nos vídeos que eles gravaram com o telemóvel, a expressão do rosto da vítima era “relaxada e descontraída” e por isso “incompatível com qualquer sentimento de medo, rejeição ou recusa” e que “os seus gestos e sons sugerem prazer”.

A sentença gerou indignação e levou milhares de pessoas às ruas em diferentes cidades espanholas sob os lemas “não é abuso, é violação”, “não é não” e “eu acredito em ti”. Palavras de ordem transformadas em hashtags nas redes sociais, entre as mais usadas no Twitter a nível mundial, havendo quem questione que mulher se atreverá agora a denunciar este tipo de violência.

 

Os políticos criticaram a sentença – à esquerda de forma mais contundente, à direita mais discreta. “Ela disse não. Acreditámos em ti e continuamos a acreditar. Se o que fez a Manada não foi violência em grupo contra uma mulher indefesa, o que entendemos então por violação?”, escreveu o líder socialista Pedro Sánchez no Twitter. “Como cargo público respeitarei sempre e acatarei as sentenças judiciais, mesmo que não goste. Mas reconheço que como cidadão e como pai me custa assumir a sentença da Manada. Todo o meu apoio à vítima e à sua família”, disse Albert Rivera, líder do Ciudadanos, na mesma rede social. Há quem defenda que se a lei foi cumprida, se deve mudar a lei.

Os factos ocorreram na madrugada de 7 de julho de 2016, durante as Festas de San Fermín, em Pamplona. Ela, estudante de 18 anos de Madrid, tinha viajado com um amigo, que a meio da noite foi dormir para o carro. Ela, que tinha estado a beber, ficou com um grupo que tinha acabado de conhecer, mas perdeu-se deles. Sentou-se num banco e foi aí que um dos cinco arguidos – todos sevilhanos, na casa dos 20 anos -, meteu conversa, enquanto os outros iam rondando. Quando resolveu ir ter com o amigo ao carro, eles ofereceram-se para ir com ela.

Pelo caminho, eles tentaram arranjar um quarto de hotel, sem que ela se apercebesse, e um deles começou a beijá-la, sem que ela oferecesse resistência. Acabaria por ser levada para o vão da escada de um prédio, onde eles a sujeitaram a sexo oral, vaginal e anal, filmando no total 96 segundos dos atos com telemóvel. Antes de a deixarem, um deles roubou-lhe o telemóvel. Sozinha, vestiu-se e saiu para a rua em lágrimas, apercebendo-se que não tinha forma de contactar o amigo. Sentou-se a chorar num banco, onde um casal a abordou e pouco depois a polícia, que tomou conta do caso. Os arguidos – entre eles um militar e um guardia civil – são detidos pela manhã e dois dias depois ficam em prisão preventiva enquanto aguardam o julgamento, que acabou esta quinta-feira no tribunal de Navarra.

Os cinco foram condenados por crime continuado de abuso sexual, acreditando os juízes que houve “uma situação de manifesta superioridade que coage a liberdade da vítima”, mas absolvidos do de agressão sexual. Tanto este crime, como o de abuso sexual se referem a atos que atentam “contra a liberdade sexual de outra pessoa”. Contudo, no primeiro existe “violência ou intimidação”, e no segundo estes aspetos não estão presentes, mesmo não havendo consentimento – incluindo quando as vítimas tenham consumido fármacos, drogas ou outra substância que anule a sua vontade. Como houve penetração, as penas para o segundo crime vão de quatro a dez anos de prisão.

Os juízes optaram por condenar os arguidos – que como a vítima não estiveram em tribunal – a nove anos e ao pagamento de uma indemnização de 50 mil euros. O que furtou o telemóvel – a acusação disse que era para a impedir de pedir ajuda, enquanto a defesa alegou que o fez por “ganância” – é condenado a mais dois meses. Os advogados de todos vão recorrer da sentença e Espanha promete continuar na rua.

DN