Cantar, partilhar, doar. João Gil e Rui Veloso desafiam músicos a angariar fundos para Moçambique

São esses os três passos que fazem parte do projeto pensado por João Gil e Rui Veloso para auxiliar a Cruz Vermelha Portuguesa a angariar fundos para a sua missão humanitária em Moçambique, ainda no rescaldo do Ciclone Idai. Com a ajuda da Altice Portugal e do SAPO, os dois artistas querem que músicos de todo o país partilhem as suas canções para incentivar o público a contribuir para esta causa.

Com o nome de “Músicos por Moçambique”, o projeto de João Gil e Rui Veloso passa por convidar músicos e artistas de todo o país a partilhar vídeos de si a cantar ou a atuar.

O lançamento desta iniciativa foi marcado com uma conferência de imprensa na sede da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), em Lisboa, onde marcaram presença os dois músicos, o presidente da CVP, Francisco George, o vice-presidente da Médicos do Mundo, Fernando Vasco, o diretor de comunicação da Altice Portugal, André Figueredo, e a diretora-geral do SAPO, Filipa Martins.

O objetivo passa angariar fundos para a Operação Embondeiro por Moçambique, iniciada há mais de um mês pela CVP, tendo como foco a ação humanitária na Cidade da Beira no rescaldo do Ciclone Idai. Para tal, em cada vídeo passará no rodapé uma linha de telefone de valor acrescentado (7612022229), no valor de um euro por chamada.

Os vídeos passaram a estar disponíveis no site da Cruz Vermelha desde as 19 horas de ontem, 23 de abril, mas ainda antes da inauguração da iniciativa já os primeiros contributos tinham sido feitos por André Figueiredo e João Gil, que realizaram as primeiras chamadas.

Segundo contou João Gil ao SAPO24, a ideia surgiu numa conversa com Rui Veloso na rede social WhatsApp, onde o foco esteve em “não fazer mais do mesmo”, como “um concerto, em que se resolve tudo numa noite e está feito”, disse o músico. Pelo contrário, o projeto pensado pelos dois incidiu em “fazer diferente”, num “processo democrático, com uma continuidade, criando conteúdos na internet”, naquilo que João Gil descreve como “uma corrente sanguínea musical em que cada artista, com os seus públicos, possa esticar o tempo da coleta”.

O processo, garante, é simples, pois passa por “criar uma coisa viral com pequenos vídeos de dois minutos como bitola”, sendo a participação totalmente informal. “Não há um caderno de encargos musical”, indica João Gil, que optou pelo seu tema “Ao Sul”, sendo que o que interessa é que os artistas partilhem uma música “no seu habitat, no seu quarto, estúdio, jardim, onde quiserem”, mas que o “façam no seu modo mais íntimo”.

Os vídeos podem ser enviados de duas maneiras: ou para o email [email protected], ou carregados no Sapo Vídeos, devendo ter dois minutos e estando no formato MP4 e com a proporção 16:9, na horizontal. João Gil defende que, nestes moldes, esta “pode ser uma iniciativa única, inovadora, democrática e fora do normal”, sendo que é “a soma de pequenos momentos que vai fazer uma coisa muito grande”.

Para já, o projeto conta com perto de 30 vídeos de artistas como Sérgio Godinho e João Pedro Pais, garantindo João Gil que está à espera de receber participações dos irmãos Luísa e Salvador Sobral e de Frankie Chavez. No entanto, este apelo dirige-se não só aos mais variados quadrantes musicais – pedindo-se participações a músicos desde Diogo Piçarra e Richie Campbell até Holly Hood e Slow J – como também ao vários setores artísticos, dizendo Rui Veloso que seriam bem-vindos “poetas, atores, performers, bailarinos, etc..”

João Gil espera agora que mais músicos se cheguem à frente, considerando este que é um teste à “capacidade que os músicos têm, ou não, de se mobilizar, porque o nosso protagonismo acaba aqui hoje, estamos aqui a dar um pontapé de saída”, explica. No entanto, apesar de considerar a iniciativa autossuficiente, o artista deixou um apelo também “aos canais de televisão e à imprensa online”, para que “repliquem uma coisa deste calibre”. “Estamos a falar de algo que pode-se somar e ficar maior se se juntarem a nós também. Todos são bem-vindos”, disse.

O que já foi feito e o que falta fazer em Moçambique

Naquilo que considerou ser um “dia histórico”, Francisco George, presidente da CVP, disse os donativos seriam utilizados para “deixar uma memória de pedra em Moçambique”. Apesar de, até à data, a CVP já ter angariado mais de 2 milhões de euros, são necessários mais fundos para a reconstrução e reabilitação da Maternidade e do Centro de Saúde de Macurungo, localizado, diz George, “num dos bairros principais e mais populosos da cidade da Beira”. Para além disso, o esforço financeiro também terá como fim reestruturar o Laboratório do Hospital da Beira.

Segundo Francisco George, a missão vai permanecer até ao final de 2019, só terminando “quando as obras de construção estiverem prontas”, sendo que o hospital de campanha montado será no final da missão doado à Cruz Vermelha de Moçambique. O presidente da CVP admitiu ainda que o processo se encontra “em contrarrelógio” face à iminente ida de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique – ainda não marcada -, pois “gostaria que fosse o Presidente da República a inaugurá-las [as instalações].

O presidente da CVP recordou ainda o esforço da equipa que foi para a Beira no primeiro turno – quer com os Médicos do Mundo, quer com Médicos da Cruz Vermelha Portuguesa -, tendo alguns dos seus membros marcado presença na conferência.

Um deles, Gonçalo Orfão, foi o Coordenador Nacional de Emergência da CVP na Beira, tendo estado em Moçambique durante três semanas, de 26 de março a 16 de abril. Para si, o balanço do trabalho desenvolvido foi “muito positivo”, especialmente graças à montagem do hospital de campanha, que permitiu um apoio à população que se saldou no atendimento de perto de 100 pessoas por dia, sendo que entre 30 a 40 foram alvo de procedimentos cirúrgicos.

Aqui, o desafio foi lidar não só com as especificidades da medicina tropical, como também com o tipo de casos com que se depararam, já que há “feridas que já não existem no mundo ocidental porque o tratamento não permite que estas cheguem àqueles estados de evolução”. A falta de meios, por outro lado, também dificultou a ação médica. Gonçalo Orfão exemplifica com o caso de “uma menina diabética que tinha uma ferida e que não tinha tratamento, não havia insulina para fazer o controlo da diabetes”, tendo sido necessário obter apoio do Hospital da Beira.

De volta ao nosso país para dar apoio logístico e operacional à missão, Gonçalo Orfão não sabe se regressa a Moçambique e diz que a situação no país está “controlada, mas não estabilizada”, pois continuam a existir “muitos centros de acolhimento” para desalojados, dada a destruição material causada pelo ciclone Idai.

Por isso mesmo, falta “capacitação” na zona, sendo necessário não só reabilitar as acima mencionadas instalações de saúde, como também atender à falta de recursos humanos alocados às zonas de crise. “O nosso grande objetivo passa por passar de uma fase de emergência para uma fase de reconstrução”, para que “todo o sistema de saúde aja de uma forma natural e que efetivamente sejamos uma complementaridade ao sistema e não uma substituição”, defendeu o médico.

O ciclone Idai, que afetou também o Maláui e o Zimbabué, provocou 603 mortos em Moçambique e afetou mais de 1,5 milhões de pessoas, segundo as autoridades moçambicanas.

Madremedia