Ana Maria Reigota: “Na Cruz Vermelha de Mira só pedimos respeito e consideração pelo nosso trabalho”

VISITA GUIADA ÀS DIFICULDADES DE UMA INSTITUIÇÃO SOLIDÁRIA

Ana Maria Reigota diz-se “crescida e muito de bem com a vida”. A Presidente da seção da Cruz Vermelha em Mira abriu as portas e o coração numa entrevista em exclusivo ao Jornal Mira Online.

Expansiva e sorridente, Ana Reigota mostrou o ambiente onde está localizada a Cruz Vermelha. Não são nada fáceis as condições naquele local, mas como ela diz “vamos dando um jeito nas coisas, com todas as dificuldades que podemos encontrar… mas, nada nos faz virar a cara ao voluntariado que fazemos”.

E por falar em voluntariado, ela revela logo no início da entrevista ao que veio: “quero deixar claro que não somente eu, mas todas as pessoas que fazem parte do nosso staff, é totalmente voluntária. Estamos cá por amor a causa, para contribuirmos um pouco mais com aqueles que mais necessitam no Concelho… e, não são tão poucos quanto isto!”.

Entramos no espaço maior daquela unidade. Ali, ao lado, há um espaço mais pequeno que pretendia-se que fosse usado para o encontro das voluntárias com as famílias carenciadas, para que houvesse uma maior privacidade, “mas nem sequer um trinco aqui foi colocado, de formas que utilizamos este espaço apenas para colocar coisas que não cabem no armazém principal… coisas, aliás, que não deveriam estar aqui, já que são roupas que trouxeram de Aveiro para a CLDS doar a quem necessite, mas que não foi aceite, por não estarem a receber mais nada”.

Como se percebe, esta entrevista aconteceu pouco mais de 15 dias depois do grande incêndio de Mira. Desta situação resultou a necessidade premente de se arranjar um espaço para os produtos oferecidos. Assim, roupas e alimentos embalados dividiam o mesmo espaço com os produtos alimentares que a própria Cruz Vermelha tinha armazenado.

Descemos a escada, rumo ao rés-do-chão do armazém. O que ali se encontrava era uma ainda maior disparidade de produtos. Nada amontoado, o que significa que há muito zelo naquele espaço. Mas, para além de muitos produtos alimentares e mais roupas, podia-se encontrar pequenos kits que eram levados a cada instante que alguém chegava para recolher uma espécie de cabaz básico. Tudo muito bem contado, para que nada falte a alguém, para além de um conselho ou outro, dado por Ana Reigota que, como uma espécie de faz tudo, vai ouvindo desabafos e amarguras e dando algum tipo de apoio psicológico, também: “há muita gente, no país e, mais concretamente em Mira, onde estamos, que tem vergonha de mostrar as suas dificuldades. Nós abrimos as portas a eles e damos algum tipo de conforto… também faz parte da nossa missão…”.

COMO SE TRABALHA ALI?

A Cruz Vermelha de Mira celebrou uma parceria com o Supermercado Pingo Doce da terra: três vezes por semana, a Cruz Vermelha vai buscar os excedentes daquela superfície comercial, o que ajuda a suprir o stock da instituição, já que existem apenas duas recolhas nacionais por ano, que acontecem no Modelo de Cantanhede ou no Meu Super da Praia de Mira, o que é manifestamente pouco para a confecção de cabazes para sessenta e duas famílias com a regularidade necessária.

“Sabe – diz ela – a Cruz Vermelha é a única entidade do Concelho que oferece alimentos à população mais carenciada… pessoas que pagam a renda e não sobra-lhe dinheiro para a alimentação ou mesmo alguns imprevistos, como é o caso da saúde. Tenho muita pena de não termos um maior apoio de quem de direito, já que temos de ajudar aquelas pessoas, não podemos deixa-las sem respostas em casos que, muitas vezes são críticos!”.

“E depois, há coisas que custa a acreditar, mas são a mais pura verdade – continua – Quando fazemos recolhas no Modelo, por exemplo, se não fosse a enorme capacidade de cidadania que os voluntários têm, seria impossível continuar. Até o saco plástico que estendemos às pessoas para doarem algo, é-nos cobrado! Sim, é verdade, o saco plástico é cobrado, a recolha dos alimentos, o transporte, o gasóleo, tudo sai do bolso de cada um!”.

Ana Reigota lembra, também, que houve uma vertente de apoio médico e enfermagem na Praia de Mira, “mas a crise mudou tudo, muitos bons médicos e enfermeiros acabaram por sair, aceitando o convite do Passos Coelho… imigraram! Tivemos de fechar aquela unidade que tanto jeito dava à população, o que é uma pena muito grande”.

Mas, o que realmente “magoa muito a todos nós, é não sermos respeitados como devíamos ser. Não estamos cá por caridade, mas para contribuir com a sociedade. Quando necessitamos de algo, solicitamos a quem, como nós, faz este tipo de trabalho. Daí, deparamo-nos com situações como quando o Banco Alimentar Contra a Fome diz que não pode ajudar-nos porque contribui com uma instituição dos Carapelhos! E então, e as outras pessoas? As outras localidades? Não têm direito a serem ajudadas? Isso dói, muito!” Garante a Presidente.

O FUTURO

É sempre uma incógnita! O futuro numa casa que anda sempre no fio da navalha é uma dor de cabeça a cada dia. Mas, vai-se gerindo o tempo e as situações, enquanto vai-se procurando alternativas a todo instante.

A Cruz Vermelha de Mira candidatou-se ao Programa Nívea recentemente e aguarda, “com uma certa ansiedade” por uma eventual resposta positiva à esta candidatura. Nela está integrada a Obra do Frei Gil, outra entidade que muito faz em prol de rapazes que ali residem, numa integração com a sociedade local e necessita de ajuda constantemente.

“É sempre uma enorme batalha que vamos travando dia sim, dia sim. Queremos sempre ajudar aos que muito necessitam… procuramos contribuir com a causa da Larinha, por exemplo, sempre que podemos… mas, nunca chega para tudo. Bem sabemos que este é um problema a nível nacional, mas em cada localidade onde é necessário, deve sempre haver entidades como a Cruz Vermelha e tantas outras, que tenham respaldo nas suas Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, para que todos unidos consigamos chegar o mais longe possível”.

UNIÃO DE ESFORÇOS

É isso o que se pede: uma comunhão de interesses em benefício de uma sociedade mais igualitária e menos dividida em estratos sociais.

O que se pede a todos os que possuem as ferramentas para a construção de um tempo melhor para os seus, é que se unam, esqueçam as divergências e olhem para o bem comum e de cada indivíduo, como um objetivo maior.

O que todos esperam é que esta união de vontades e de esforços levem aos cidadãos um novo acreditar, uma nova luz e um futuro melhor…

Todos saem a ganhar, certamente, quando as mãos são dadas entre si.

Mira Online